terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Sem Accountability


Da maioria das mulheres emana uma força que afeta o entorno. Mesmo a mais apagadas das representantes femininas modifica seu habitat. Para o bem o para o mal. A história que vou contar hoje é de uma mulher que não tinha nada de apagada. Ao contrário despendia uma força de tornado ao redor de si para beneficio próprio.
Conheci Delza Nominato trabalhando com ela. Éramos funcionárias públicas, eu em começo de carreira e ela a três anos de aposentar. Cumpria seis horas de serviço público e no restante atuava como dona de confecção. Era mais dona de confecção que funcionária pública.
Quando digo que ela cumpria seis horas de trabalho quero dizer que ela se mantinha  presente às vezes, liberando o mínimo de esforço possível e  negociando tudo para estar fora do departamento.
Nosso departamento era o sétimo em que ela trabalhava desde seu inicio de carreira pública. Ela só trabalhava onde fosse possível seus artifícios laborais. Me lembro da segunda-feira que ela chegou, com mesa e cadeira, e se instalou no melhor ponto da sala, perto da janela. Precisava de ventilação. A mesa e a cadeira de imbuia  acompanhava-a desde os imemoriais tempos de Tancredo Neves. Seu nome estava estampado nela. A mesa era dela!
Um dia vimos Delza levar uma pasta com processo de licença para casa e sondamos com ela o motivo. Disse-nos que queria estudar o processo. Descobrimos a natureza do estudo quando soubemos que Delza havia obtido uma licença com vencimentos para acompanhar o nascimento do bebê da filha na Espanha. Voltou contando história maravilhosas. E nós, no mês mais apertado de trabalho, ficamos ali ouvindo acerca de suas "férias" espanholas.
A chegada da catraca eletrônica no incomodou um pouco. Mais controle. Mas Delza não demonstrou nem sombra de angustia. O controle acirrado de pontualidade e freqüência fez com que ela criasse outra estratégia. Constrangia os office-boys a liberar seu cartão magnético para fazer compras na Savassi, ou resolver problemas particulares.
Às cinco e meia se sentava no térreo, próxima às catracas e esperava a chegada das seis pacientemente. Só então deslizava o cartão. Estava concluído mais um dia de trabalho.
Nós, a nova guarda politicamente correta, não tínhamos coragem suficiente para denunciar ou fazer frente aos seus vícios institucionais. Discordávamos silentes e aguardávamos com paciência o fim de seus três anos de trabalho. Respiramos aliviados quando ela anunciou o pedido de afastamento para aposentadoria.
Foi ser feliz como empresária, como avó e como funcionária pública aposentada     aos quarenta e oito anos.

Norma de Souza Lopes

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