domingo, 2 de janeiro de 2011

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Desvelo

A cadeira lá no chão,  rota e ensebada e ele tentando lavá-la. As pernas tortas viradas para cima denunciavam o que era. Uma cadeira velha de um reino arruinado.
Me pediu para não tratá-lo com deferência na presença do rei e da rainha pois isso incitava a ira e o ciúme. Ele era apenas o Grão-Vizir. 
Ele estava certo, mas não fora de propósito. Quando o cumprimentei senti ímpetos de tocar sua face. Minha mão descreveu um círculo em seu rosto, um carinho extenso e delicado. Sentia que ele era a minha única ligação com aquele reino. 
Já com as Majestades, não consegui mais que um aperto de mão.
Estava triste com eles.
Ele me disse que haviam percebido. Perguntaram onde estava o meu sorriso.
Comecei a contar e as lágrimas desceram atrevidas.
Estava tudo bem. Eu precisava apenas me desfazer da fantasia.
Primeiro foi o rei. Por ingenuidade eu achava que fazia parte do reinado, afinal eu estava na conquista do reino. Estive nos fronts de batalha. Bastou  aparecer as discordâncias para que ele me acenasse com seu cetro. Fora daqui. Eu sou o rei.
Com ela fora diferente. Era impressionante. Sublime e silenciosa. Uma rainha nata. Toda a sabedoria morava naquele silêncio. Até ela começar a derrubar súditos mais ousados. Eu sempre concordava, mas naquelas circurstâncias não poderia. Discordava da guilhotina. Todo reino deve ter livres pensadores na oposição,apontando as lacunas. Isso faria o reino evoluir. 
Comecei a me perguntar onde estava a rainha que eu pensara que ela fosse. Eu sabia onde. Estava no meu recalcitrante hábito de idealizar.
Então sabia que Suas Majestades não eram responsáveis por minha tristeza. O erro fora meu. Sempre agastava meu circulo esperando demais. Eu precisava mudar.
Ele, ainda lavando a cadeira, levantou-a, cobriu-a carinhosamente com o manto real. Me perguntou se eu viria para a cerimônia do solstício de verão. 
Olhei para a cadeira. Não era só ela que estava gasta. Aquele reino também estava em ruínas.
De longe, os dois observavam minha conversa com o Grão-Vizir.
Declinei do convite. Não iria.
Precisava lançar sementes para a próxima colheita.

Norma de Souza Lopes

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