quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

PATERNIDADE


O pai comunica a mãe que naquele dia vai ajudar o filho com o dever. Organiza a parafernália sobre a mesa da copa. Lápis e borracha, cola e tesoura de um lado, caderno e livro de matemática no meio, calculadora, apontador e lápis de cor do outro. Arrepiou quando viu as atividades. Uma página de operações de multiplicação e divisão. Cada espacinho foi aproveitado.

O menino começa ranhetando a primeira "conta de vezes", uma centena multiplicando uma milhar. Coisa de doido. Segue contando nos dedos, mordendo a língua, segurando o lápis com força, bufando e tentando adivinhar o resultado.

_ Artur, você não pode esquecer que subiu um número, se você esquecer a conta dá errado.

O menino apaga, reescreve, apaga, reescreve até que a frágil folha do dever não resiste e rasga-se. O pai sugiga o menino.

_ Te falei que era para usar um rascunho!

_ Você não falou não, pai.

_ Falei sim. Olha essa folha, se eu fosse sua professora eu não aceitava uma folha tão amassagada, que droga, esse dever não vai terminar nunca.

O menino pega o rascunho e com custo segue resolvendo as operações. O pai, que antes perguntava cada operação da tabuada para testar os conhecimentos do menino, se desespera e começa a dar as respostas para o filho.

Lá pela metade da atividade a filha de seis anos começa a rodear a mesa curiosa. E o pai no meio do exemplo, no esforço de fazer o filho pensar.

_ Artur, se você tem doze lápis e eu te der mais seis, com quanto você fica meu filho?

_ Vinte.

_ Vou perguntar de novo, você tem doze lápis, olha Artur, desses aqui de colorir, e eu te dou mais seis, com quanto você fica?

_ Ahn! Dezoito.

A pequena pergunta:

_ E eu pai?

_ Sai Luíza, eu estou ajudando seu irmão.

A pequena mareja os olhos e um pequeno beicinho vai crescendo no meio da cara. Ninguém olha até aquilo virar um berreiro.

_ Buá! sninf! chuift! sgrunft! Meu pai vai dar lápis de cor por Artur e não quer me dar.

O pai olha perplexo para a menina, tenta consola-lá, xinga e acaba levantando da mesa.

_ Ô Silvia, vê se você mesma ajuda esse menino que eu não tenho paciência para isso não. Vou ver meu jornal que eu ganho mais.

A mãe, que rolava de rir na cozinha, segue para a copa, tira uma caixa de lápis de cor novinha dos guardados e dá para a pequena. Senta com o filho e conclui pacientemente o dever.

Lá da sala o pai escuta o menino dar respostas certas a todas as perguntas da mãe. Desconfia do menino, mas agradece.

_ Tudo bem! Também, sou eu que pago as contas...



Norma de Souza Lopes

Um comentário:

  1. ah... o jeitinho feminino...
    ah.. o cotidiano... Parece até uma página da minha vida, da vida da vizinha, de uma amiga... Adorei!

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