domingo, 29 de março de 2020

vulnerabilidades

e finalmente poder
abraçar forte

mas sem sacudir
ou soerguer
é preciso garantir
que não que não exponham
as peças soltas
de seus quadris
do ventre
e às vezes do peito

finalmente poder
abraçar
e guardar segredos

domingo, 15 de março de 2020

Esta semana estive com outras poetas apresentando em um Sarau Comemorativo no Centro Cultural Salgado Filho. Me impressionei com a beleza do espaço, as obras de arte e principalmente com a maravilhosa biblioteca que eles tem lá. Estive uns vinte minutos emocionada diante do Diário de Fida Kahlo:















Percorrer essas páginas foi como estar diante da artista, ouvindo seus segredos sussurrados. Reconheço a importância desse exercício pois em tempos difíceis eu também compunha cadernos de processo. Entendo sua importância para costurar os fragmentos da mina alma, para desacelerar a locomotiva dos meus pensamentos.  São muitos, mas com a mudança ficaram para trás. Recuperei dois deles recentemente e é uma alegria percorrer suas páginas:






Estou aqui me perguntando porque parei de fazê-los e acho que tenho dois motivos: A alopatia tem o dom de concentrar minhas energias na racionalização e nesse sentido a escrita é a coisa mais criativa que consigo fazer. Outra e a grande quantidade de libido que eu invisto no meu trabalho de articuladora de leitura. Em tempos regulares eu costumo dedicar mais de quinze horas por dia para que esse trabalho seja um sucesso. Formar leitores é um trabalho duro, não acontece espontaneamente.
E o que acontece com o desejo de movimento, cor, forma, textura que a arte deveria por em marcha? Acho que o que salva é o carnaval, as festas a fantasia, as danceterias, a caracterização para as contações de história, as ilustrações para os murais e painéis da escola...
Talvez tudo isso não tenha o vigor de um diário criativo. São apenas águas escorrendo por uma rachadura. Mas não me queixo. As vibrações da minha intensidade somadas a absurda loucura do mundo que vivemos às vezes me conduzem para maus encontros. Agora mesmo estou às margens de um colapso financeiro e estive sem apoio profissional por algum tempo.
É difícil mas não impossível. Tenho família, amigos e a escrita. De alguma maneira escrever aqui talvez seja o meu "Diário de Frida".

sábado, 14 de março de 2020

Estive ontem na defesa de tese de Leiner Hoki. Aprendi com ela que os espaços perdidos dos manuscritos antigos são descritos pelos historiadores com colchetes. Sua tese fala sobre histórias não contadas das tríbades, safistas, lésbicas e sapatãs. Por quase uma hora ela, dentre outras coisas, apresentou registros poéticos e artísticos, num esforço de corrigir a invizibilização e o apagamento da história dessas mulheres. Fez isto como uma riqueza de detalhes excepcional, e eu vi diante de mim serem preenchidos algumas lacunas da história lésbica. Durante sua fala passei um bom tempo pensando em como os colchetes se aproximam do imaginário feminino. Nas roupas femininas mulheres, naquela suas formas de grandes lábios e até mesmo nessa capacidade intuitiva de algumas mulheres tem de completar o intangível. Os colchetes foram uma escolha simbólica muito interessante.
Sempre que eu conto histórias ou escrevo poesia digo "mulher" sabendo que ergo uma parede e um muro. É preciso que exista uma mulher simbólica para que lutemos contra o seu esmagamento mas também e preciso implodir o imaginário que encarcera as miríades de mulheres que existem no mundo.A tese de Leiner caminha nessas duas direções.
Recomendo a leitura da tese de Leiner Hoki. Assim que estiver disponível virtualmente disponibilizo aqui. 

quarta-feira, 11 de março de 2020

regresso

Regresso

Era eu e você em um encontro pleno, onde a casa, a terra, a vida eram macias e desemaranhadas.
Éramos felizes de um jeito descrito apenas pela literatura, pois contínuo, intenso, definitivo.
Despertar foi difícil.
Eu olhava pra você e me perguntava: - Como ela pode não saber? Foi tão real!
Caminhava ao seu lado e quase não te ouvia esperando o momento exato em que tudo iria começar. Qual esquina, qual passo, qual o próximo evento colocaria em marcha o nosso destino?
Para mim era certo, aquele encontro estava lá no futuro, macio e desemaranhado, macio e desemaranhado.
No entanto comecei a perceber que esse momento não iria chegar.
Chegava miséria, violência, terror, desumanidade, autoritarismo. Golpes severos em minhas capacidades místicas e otimistas de ver o mundo.
Me ressenti da vida e principalmente da poesia.
No começo achei que não conseguia mais escrever. Depois reconheci aquele padrão que me faz recusar a beleza, como Jonas que não queria ir a Nínive porque sabia que aqueles homens maus iriam se converter.
No fundo achava que a qualquer momento a feiura iria ruir e o mundo voltaria a ser belo novamente.
Não está funcionando.
Eu aqui me dobrando sob o peso da maldade desse dia que, em escala, é maior que a de ontem, que é maior que a de anteontem.
Abrir mão da minha capacidade de contemplação fez de mim uma mendiga rastejante, chacoalhando desesperada a minha intimidade em troca de migalhas de afeição.
Perdão poesia, perdão.
Ainda bem que sou refém da beleza.
Espero que me aceite de volta aqui.

quarta-feira, 4 de março de 2020

de queixo erguido

Olho de longe o amor, como quem observa um felino armando o bote. Quem inventou essas couraças, gestos e palavras para me blindar, evitar sofrer?
Lanço mão do sarcasmo e me chamo de trouxa. Alimento a ideia de que em alguma relação, que não as minhas, haja a possibilidade de ser feliz totalmente sem enganos. Dizer para não ser, parece tão esperto.
Me apego aos falsos exercícios de controle, na minha "vasta"experiência e finjo que, diferente de todo mundo, não estou vulnerável, sei o que estou fazendo. Faço finta nos botes do amor romântico.
Vejam como é bela minha armadura. É uma pena ela tolher qualquer abraço que eu mesma possa me dar.

terça-feira, 3 de março de 2020

As alegrias da maternidade

 Acabei de audioler "As alegrias da Maternidade" de Buchi Emecheta. Esbarrei por acaso na obra no app da Storytel e comecei a ouvir com um pouco de má vontade, talvez por força simbólica do título. Mas não se enganem , o livro é uma adaga. Corta fundo. 
Uma leitora do Goodreads chamada Cheryl descreveu abaixo a história. Faço minha suas palavras. 
"Se Lagos tivesse sido uma amante (Ona), seu amante (Agbadi) teria sido o britânico, e se eles tivessem produzido um filho, esse filho (Nnu Ego) teria sido a Nigéria. 
Aquela criança teria se casado com seu primeiro marido (o protetorado britânico - colonização), mas não teria tido filhos com ele (Oluwum), para que ele a abandonasse. Ela se casaria novamente (pós-colonização-Independência), desta vez produzindo filhos com seu segundo marido (Nnaife) e juntos, eles teriam lutado para superar as lutas conjugais (poligamia, patriarcado e muito mais). 
Ou seja, se você estivesse olhando este livro através de lentes simbólicas, que, se você leu escritores pós-coloniais como Wa Thiong'o, Achebe e Soyinka, será difícil evitar fazer isso.

No entanto, a história gira em torno de Nnu Ego, cujos pais são o chefe Agbadi e Ona (a amante do chefe e o amor de sua vida). Embora o chefe tenha algumas esposas (o cenário é o de uma sociedade poligâmica), todos sabem que Ona tem seu coração. 
No entanto, Ona se recusa a casar com ele porque seu pai não permite, e também porque ela teme que, uma vez que seja sua esposa, perca seu amor e respeito: "ela suspeitava, no entanto, que seu destino seria o mesmo de as outras mulheres dele deveriam consentir em se tornar uma de suas esposas. " 
Então, no leito de morte, quando dá a luz a uma filha, Nnu, Ona faz o pai prometer que " irá permitir que ela [Nnu] tenha uma vida própria, um marido, se ela quiser".
"Aquele que ruge como um leão."
"Meus filhos, todos vocês se tornarão reis entre os homens."
"Aquele que ruge como um leão."
"Minhas filhas, vocês todos crescerão para abalar os filhos de seus filhos."

Se você já viu a injustiça no diálogo, descobriu as limitações da sociedade patriarcal que Emecheta tenta mostrar em sua ficção. Não se deixe enganar pelo título, pois a história não é simplesmente sobre as alegrias da maternidade, é uma investigação sobre a interseção entre feminilidade e maternidade, e o cenário é um lugar onde as mulheres são banidas por serem solteiras e sem filhos .
Eu sou um prisioneiro da minha própria carne e sangue. É uma posição tão invejável?

Na cultura de Nnu Ego, uma mulher poderia ser uma amante ostracizada, sim, mas uma mulher estéril, não. Ao ler, você sente a pergunta sutil, mas clara, que acompanha esse ideal: por que deve ser assim?
Mas quem fez a lei que não devemos esperar em nossas filhas? Nós mulheres subscrevemos essa lei mais do que ninguém. Até mudarmos tudo isso, ainda é um mundo de homens, que as mulheres sempre ajudarão a construir.

Eu li este livro anos atrás, mas decidi revisitá-lo depois que Thiong'o me lembrou as proezas literárias africanas como Emecheta e Dangarembga, quando tentei seu livro, Mágico do Corvo . Emecheta é o autor de mais de dez romances, alguns dos quais são semi-autobiográficos. Alega-se que ela começou a ter filhos aos dezesseis anos e quando seu primeiro marido queimou seu primeiro romance depois que ele se recusou a lê-lo, ela saiu e tentou criar seus filhos por conta própria. Ao ler este romance, houve momentos em que me lembrei de So Long a Letter, e ainda a narração distante e a estrutura de frases simples que se baseia no diálogo, é muito diferente da voz íntima em primeira pessoa que fortalece o romance de Ba. O que Ba faz bem nesse livro é abordar um leitor que pode não ter uma comunidade compartilhada, mas valores compartilhados; um tipo de universalidade que agrada ao leitor não nigeriano ou africano. As alegrias da maternidade são muito específicas da região e, embora fossem apenas granulados, há palavras ou descrições que podem ser compensadoras para alguns leitores caucasianos. No entanto, existem temas importantes incorporados ao diálogo (algo que Emecheta faz melhor que outros), o que me faz pensar em visitar mais de seus trabalhos este ano.
... Se você não tem filhos, o desejo por eles o matará, e se você tiver, a preocupação com eles o matará"

Recomendo com louvor.