terça-feira, 29 de novembro de 2011

Non sense

Ando cansada de buscar sentido
e não achar sentido em nada
pois o sentido sempre me escapa
sobra sentir-me atormentada

Atrás de cada sentido que encontro
há outro sentido mais elaborado
conjunto de espelhos de significados
rastreio conexões desesperada

Temo por fim acabar perdida
na perenidade dos tais sentidos
temo que falte enfim a memória
e minha subjetividade seja arrancada

Cabe a quem ser o Hermes desse tempo?
Cabe a quem ter  o caduceu  alado?
algo que integre o real valor das coisas
e que incorpore enigmas e complexidades

Norma de Souza Lopes

Resenha do Filme 5X favela- Agora por nós mesmos

Acabei de ver o filme " 5X favela- Agora por nós mesmos" . Amei a proposta. Com excessão do "Concerto para violino", que ainda mantém aquela narrativa do favela movie, achei todos muito lindos.
As narrativas de "Feijão com arroz" , "Acende a Luz" " , "Fonte de Renda" e "Deixa Voar" provocaram em mim aquela deliciosa sensação de familiaridade.
O cotidiano cordial, morno e singelo é tudo que me faz amar a periferia e suas vivências. Me surprendi com a coragem e a criatividade do personagem Flávio de "Deixa Voar", se arriscando a entrar em outro território e acabando por encontrar uma possibilidade de amor com a pequena Carol. Amei a história do frango em "Feijão com arroz", com uma finalização tão a moda do caráter das pessoas de classes populares, exemplos que vemos o tempo todo na mídia, quando por exemplo, alguém pobre devolve grandes quantias em dinheiro que foram achadas. As tomadas verticais, de cima para baixo, a modo dos barracos verticais me causaram grande prazer. É assim que eu gosto de ver a favela no cinema: reflexo da coletividade cordial que sempre experimentei vivendo na periferia.

Norma de Souza Lopes

Adeus Gwenever

Hoje vou me despedir de você Gwenever. Pode ir caçar insetinhos em outras paragens. Segue tranquila que eu estou bem.
Quero agradecê-la por ter sido meu alterego imaginário. Eu precisei disso por um tempo pois não podia dialogar comigo mesma, não achava substrato. Ter uma lagartixinha como confidente me serviu para fazer a transição que fiz.
Aquelas inúmeras vozes com as quais eu conversavam foram se reduzindo... reduzindo... Então veio você, me autorizando a gozar da raiva e de meus instintos reptilianos. Passei a falar só contigo. E como você era eu, passei assim a falar comigo mesma, sem a invasão externa.
Bastou esse sonho com o meu umbigo para entender a conversa agora é comigo, sem identidades alheias. E onde não há nada terei que inventar. É engraçado, me reinventando aos quarenta... Mas também é maravilhoso.
Gwen, isso não deve ser surpresa para você. Alteregos imaginários sabem quando devem vir e ir.
Valeu, minha pequena geconida. 

domingo, 27 de novembro de 2011

A mulher que tirou o chapéu - II

barrete-para esquentar
bicorne- para endoidar
boina- para revolucionar
boné- para rejuvenescer
borsalino- para estatutar 
burca- para sujeitar
camauro- para catolicizar
camelauco- para libertar
capacete- para trabalhar
capelo- para formar
capucho- para vermelhar
carapuça- para ridicularizar
cartola- para ostentar
cocar- para brasilizar
coco- para negociar
coroa- para reinar
elmo- para proteger
fez- para governar
filá- para individualizar
pétaso- para plantar
píleo- para pescar
quipá- para devotar
solidéu- para hierarquizar
sombrero- para ensombrar
stetson- para rodear
toque- para cozinhar
tricórnio- para se molhar
turbante - para socializar
véu- para subordinar

E minha cabeça descoberta 

Norma de Souza Lopes

A mulher que tirou o chapéu

Diante do espelho
a imagem refletida
está sem chapéu

O belo capelo
no chão do banheiro 
anuncia a cisão

Marca identitária 
do ícone externo
é desnecessária

No ventre o umbigo
ligado a si mesmo
encontro comigo


Norma de Souza Lopes

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Vício dos fracos


“A vontade de poder, denunciada ou glorificada pelos pensadores modernos de Hobbes a Nietzsche, longe de ser uma característica do forte, é, como a cobiça e a inveja, um dos vícios do fraco, talvez o seu mais perigoso vício.”
(Hanna Arendt – A Condição Humana, pág 215)

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Castração

Reconhecer que os limites do corpo estão aquém dos seus desejos é admitir a quebra de certo sentimento de onipotência que o Eu insiste em sustentar, em nossa relação imaginária com o outro. É a quebra de uma forma idealizada de ser no mundo.(João Rego)
Resta-nos apenas  " admitir com dor que os limites do corpo são mais estreitos do que os limites do desejo". (Juan David Nasio)

sábado, 19 de novembro de 2011

Por que mudo

Por medo de ser aprisionada
em uma identidade medíocre
acabei me tornando 
um ser plural amorfo
que de tudo sabe um pouco 
e pouco sabe de tudo.

Norma de Souza Lopes

Sesmarias

Agora que já sei que meu gozo
está menos no poder que no vínculo
posso assistir entediada
a luta feroz pelos espólios
desse pequeno latifúndio.

Norma de Souza Lopes

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Eu e a psicanálise

Se eu pudesse dizer de algo que tenha me  atravessado desde os tempos da adolescência, esse algo seria a psicanálise. Bem cedo me apaixonei por esse modo de investigação da psiquê humana. 
E é através dela que eu venho me constituindo enquanto pessoa a quase trinta anos. Houveram momentos em que fui acompanhada por psicanalistas. Esses momentos foram fundamentais para mim. Mas não desprezo a importância do caminho que percorri sozinha, lendo, pesquisando e estudando acerca da psicanálise. Quem se propõe a uma investigação dessa natureza passa horas de cinquenta minutos na clínica mas segue toda a vida fora dela. Não há como engatar marcha-à-ré. Um vez iniciado o processo de análise só é possivel seguir em frente.
Achei importante pontuar isso porque ando mergulhando em mim em busca do amor que me move. Nesse mergulho me deparo com o ato de escrever, a vocação de ensinar, o desejo de compartilhar etc. Mais sinto que essas práticas ainda não são a essência de mim. 
Me lembro da garotinha de treze anos que leu sobre Freud pela primeira vez e se encantou com a idéia de que poderia ser mais que uma. Talvez naquele momento eu não tenho compreendido a extensão do que seria o Id, o Ego e o  Superego. Mas esse anúncio abriu para mim um leque infinito de possibilidades. E fez com que eu me enamorasse pela psicanálise.

Norma de Souza Lopes

sábado, 12 de novembro de 2011

Período Sonoro

Pulsa na órbita
tangível, físico e sonoro
o som

Contra os rabiscos ruídos 
a regularidade da frequência
a marca música 


Dando substância e forma
ao inconsubstancial tempo
marcações corporais do pulso
do respirar e do andar


Norma de Souza Lopes


terça-feira, 8 de novembro de 2011

Nostalgia

Queria por uma cunha no tempo,
no exato instante em que a vida
me trouxe até  esse momento.

domingo, 6 de novembro de 2011

Arrancando a flor-da-terra que grudou em minha alma

Tenho vivido a exclusão e as rupturas como tropeções que me arrancam as unhas dos dedos dos pés. Algo bem dolorido.
Tudo isso porque sou assim: busco continuidades e vínculos em minhas relações. Não como a ligação de um abelha no enxame, que não compartilha com a operária ao seu lado, unida apenas para se proteger das intempéries e dos predadores. 
Ando a procura do vínculo morno que aquece a alma. Aquele que vivo quando um amigo, que  mesmo tão fora e tão diferente de mim, vislumbra por um segundo a minha essência - e aceita-a. 
Busco também o encontro de amor que, num lapso de tempo, faz com que eu sinta que ele e eu somos um, e ainda assim posso ser eu mesma.
Estou aprendendo que rupturas podem significar inclusão. E estar fora do bando não é deixar de ser amada. Significa que agora estou ligada em mim mesma, lidando apenas com quem me ama e me aceita de verdade. Significa que sou tão singular que o molde de um grupo não me aprisiona.
Estou resignificando a dor de me sentir excluída. Não estou perdendo partes de mim, estou arrancando as partes do outro que grudou em mim como uma flor-da-terra que, para lançar sua bela flor sobre a terra, precisava sugar a seiva vital de minhas entranhas, aquela que faz eu ser quem sou.

Norma de Souza Lopes