sábado, 25 de fevereiro de 2017

voo

uma vez vi um corpo nu
descrever uma descida vertiginosa
onze andares
de um prédio residencial

era um corpo ou um homem?

no dia seguinte pedaços de ossos
contavam sonhos irrealizados
nos beirais do prédio da rua Timbiras

espantou-me a pressa
com a qual a chuva
lavou o sangue no asfalto

Foto de Ren Hang
(sinto muito por seu voo Hang)😪


sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

jackpot errado

nos anos oitenta eu lia qualquer
pedaço de papel que achasse
tropeçava nas bacias das lavadeiras
lendo a caminho da escola
eu jurava que havia resposta
adequada para o que me faltava

parecia mais fácil responder
que se lhes enfiassem no cu
suas aspirações acerca
do melhor destino para mim
a rejeição não precisava
ter solução

aqueles eram tempos
dos manuais para o sucesso
apare sua raiva pela raiz
jogue o jogo do contente
seja resiliente, ame, ame, ame

muitos anos de luxúria e paixão
(a paixão dura dois anos, dizem)
capítulos de histórias de amor fake
até entender que quando 
sinto que estou ganhando
estou no jackpot errado 


sorte no amor, qual o quê
nenhum livro me contou 
o que hoje me parece óbvio
só desbanco quando 
eu mesma me amo 

Foto Larry Towell


domingo, 19 de fevereiro de 2017

Ando cansada dessa pornografia da dor e do ódio que vejo por aqui. Queria um poema que fosse um lugar feliz onde eu pudesse morar. Queria mais pessoas que convocassem o melhor de mim.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Abraçar a história que construí durante minha caminhada. Acolher apenas os juízos que venham embalados em amor.

domingo, 5 de fevereiro de 2017

inércia

durante cinquenta dias
cultivou dezenas de sementes de uva
desse plantio nasceram sete mudas
ele as replantou, adubou a terra, regou
e fincou estacas caiadas
intuindo bastas parreiras

até que a mariana nos contou
"aquilo não são folhas de uva
as verdadeiras apresentam
bordas serrilhadas admiráveis
foi assim com as sementes de morango
que tentei cultivar"

desde então observamos com o canto do olho
o canteiro viçoso de ervas daninhas
sem nenhuma disposição para regar
tampouco sem coragem para ceifá-las
e isso diz uma imensidão acerca de nós


sábado, 4 de fevereiro de 2017

lá no lugar do medo

difícil achar sentido em nosso tempo
a maldade do mundo
um punho em minha glote
pessoas vêm e vão como ventos

para manter o zelo com a casa
é preciso esquecer
que um dia será demolida
tal qual o são minhas tantas idealizações
dançar ainda é
minha melhor experiência com o agora

ergo um bunker com o silêncio
que eu moldo como telhas em minhas coxas
um poema me acalenta batendo a mão
levemente em minha costas
e sussurra "vai passar, vai passar"



quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017