sábado, 30 de setembro de 2017

toda manhã me sussurra seu nome

já te contei do meu silêncio?
era insuportável o peso do mundo
em cada palavra

rasgar mapas poderia ser divertido
não perfurasse
irremediavelmente a rotina

já não quero ouvir
what changes when you change?
o que me aborrece na pergunta
é o que ela esconde

quantos quarteirões há
daqui até você?

outra vez em braços
que não são seus
amanheço


terça-feira, 26 de setembro de 2017

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

risco

num restaurante vegetariano, desinteressadas
conversamos sobre a diferença da ideia
de bem e de mal na bíblia, no alcorão
e no popol vuh (uma churrascaria teria sido
melhor, a gente pensa, mas ninguém fala)
te conto que em sua juventude kierkegaard
era apelidado de "gaflen" porque espetava
as idiossincrasias dos amigos e conhecidos
você me explica sua opinião sobre o pecado
de betsabéia, o tendão de aquiles na história de
sören, divido meu açaí com você e me pergunto
quanto tempo ficarei acordada para ver
o quanto você é bonita quando dorme
quando é que nossas peculiaridades
nos afastarão, quando é que encontros
como esse acontecerão em outro plano
que não o da minha imaginação
esqueço aquele bambo da corda solta
no ar e salto para o susto do risco
penso, como toda mulher apaixonada, que
cortar os dedos nas folhas novas do livro
esquecer os óculos, as chaves já é um sinal
de começo em nossa história de amor

testemunha

presenciar um beijo adolescente
cinquenta e sete segundos 
de beijo de língua 
no corredor do CEFET
cinquenta e sete segundos 

e entender o Kundera em "A insustentável leveza do ser" 

" A sensualidade é a mobilização máxima dos sentidos: observa-se o outro intensamente, procurando captar seus menores ruídos." 

2a versão

testemunho
[norma de souza lopes]

cinquenta e sete segundos 
de beijo de língua
adolescente
no corredor
e aquela frase
que o Kundera falou
- a sensualidade é a mobilização 
máxima dos sentidos: 
observa-se o outro 
intensamente, procurando 
captar seus menores ruídos.

domingo, 24 de setembro de 2017

pergunta

ainda não era noite
quando algo em seus olhos
saltaram da tela
e suplicaram
"me escreve um poema de amor?"

(como se, sem amar,
isso fosse possível)

sábado, 23 de setembro de 2017

nas estrelas

sejamos sinceros
se danço, canto, choro
ou faço poesia
estou em carne viva
carne
viva
é sempre uma busca
que faz sentir
mas não faz sentido

o que não significa dizer
que seria capaz de orbitar
um sistema que não fosse meu
Hercólubus tem seu gêmeo
o sol, ao acaso, aqui perto de nós
e transita noutra órbita
(é engraçado dizer "o sol, perto"
 quando isso significa anos-luz)

cito a astrologia e me lembro
que pode parecer
insólito para as pessoas
comuns, no geral
legítima é a luz e o calor
e isso basta

queria mesmo era lembrar
um detalhe que virasse verso
neste poema para que
você se reconhecesse
mas não temos história
(arrepio só de imaginar
que me lê agora)
   

intervalo

entre nós 
a distância
e a dúvida

traço entre as palavras
como naquelas provas de história
nas quais quem acerta a resposta
presencia um pequeno milagre

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

sábado, 16 de setembro de 2017

versos sobre acontecimentos

na periferia
também foge-se
da indigência da vida social

num churrasco na laje
há há tanta leveza e vínculo
quanto um cheeseburger
na esquina da julieta

algo me consome por dentro
e não é a dor

se eu lhes puser a língua
deixaria o gueto
da poesia contemporânea?

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

ombros

tudo porque quis
procurar no poema
o que escapa
ser medeia de amor
e rancor
(o ódio não é o contrário
companheiros talvez)

cada qual a seu modo 
esconde crenças e medos 
malogros impronunciáveis
imersos na mesma água
da agonia contemporânea
(a ironia é o novo 
mal do século)

destilei entre os dedos
a carcaça de um dia
um dia inteiro, inútil
dói horrores
fosse o brotar de uma asa
eu nem chorava

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

XXXIV Ana Maria Oviedo Palomares Tradução de Norma de Souza Lopes

E quando enfim compreender que o amor bonito o tinhas comigo

Não servirá de nada  
e não vou me importar
que te arranques a alma pensando em nossas noites,
que o despeito te feche as portas do mundo
cada vez que te beijem outros lábios,
que de tanto ansiar seu coração se torne uma pedra vermelha,
fera enjaulada,
como eu rogo agora.

Quando enfim compreender
terei conjurado seu nome,

e se não passar nunca,
pior para ti,

que tiveste a maravilha do fogo entre as mãos
e não te queimaste.

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

só mais uma vez

tarelam sobre o que é ser
mulher as desvantagens do
feminismo como quem descreve
a experiência de fumar
sem arder no peito e nos
olhos a fumaça
ou como um letreiro em neon
um sol e uma palmeira na fachada
de um bar, numa noite escura

homem, silêncio
ser mulher, sentir o peso
desse legado
não é algo que se faça
sem ter sido marcado
pelos ferros atávicos
do patriarcado

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Eu transo com a erudição mas é cada beijo de língua na cultura popular e de massa que benza Deus.

domingo, 3 de setembro de 2017

daquele algo que saltou

faltava uma semana para me formar na quarta-série, num tempo em que se comemorava até a formatura do jardim de infância. eu girava nos pilares da varanda e jurava nunca me envergonhar do que eu era aos onze anos (deus, me pergunto todo dia, como pude adivinhar tão cedo? como pude?)

na casa ao lado um pai, uma mãe e um cachorro cuidavam de conduzir o protocolo da família feliz e dos três filhos bem sucedidos (certa vez ela me disse - você pensa que não mas todo mundo é castrado, a todos faltam algo - então porque a minha falta parecia cortar mais?)

vergonha e raiva, vergonha e raiva, cada uma segurando uma mão, me empurrando numa bicicleta com rodinhas - até acionar a máquina por dentro - que coisa maravilhosa esse carnaval do desejo - desatar o nó na garganta que a obrigação de ser completa, bonita, sábia e santa plantou em mim.



sexta-feira, 1 de setembro de 2017

mastigando as migalhas dos dias

por que ama as coisas desse mundo
ela lava e passa uma infinidades de
calças e camisas e vestidos e 
sacode obsessiva o pó da casa


espera pelo sussurro que, como 
nos primeiros tempos, irá a seduzir 
e possuir e desesperada perde a voz 
e chora equívoca diante do bibelô 
quebrado

a voz retorna em forma de um grito 
desesperado na madrugada um 
bramido de gjallarhorn e ela 
o silencia pintando e repintando 
as paredes de branco vivo em 
solidariedade a assepsia que  
a família tanto ama

ele ergue os pés ante o aspirador
escreve poemas e espera que 
amanhã ela esteja menos atarefada
menos cansada para o servir