sábado, 31 de outubro de 2015



#primeiroassédio versão bíblica (só da bíblia católica por que protestantes e judeus não gostam de ver seus anciãos metidos em tretas) 


Era a história da Susana, filha de Joaquim e mulher de Hilquias. Bonita como um lírio, Susana cultivava o hábito de se banhar num lago no meio do jardim ao meio dia. Tomar banho todo dia era um privilégio naqueles tempos.
Joaquim devia ser muito hospitaleiro porque vira e mexe em sua casa estavam os anciãos da aldeia julgando casos do populacho, uma vez que eram juízes.
As vistas da bela Susana e de seus hábitos acenderam os velhinhos, coisa que as pessoas costumam ignorar. Acham que velhos são assexuados. 
Arderam tanto que acabaram confessando-se um para o outro e tramando um terrível ardil contra a pobre Susanita.
Como de costume, ao meio dia a menina dirigiu-se para o jardim, despiu  suas vestes para banhar-se e pediu a criadas para buscar óleo e bálsamo e também para fechar a porta do jardim. 
Com a saída das criadas os velhos se lançaram sobre Susanita ameaçando:
"As portas do jardim estão fechadas, ninguém nos vê, e nós te desejamos. Por isso, consente conosco e junta-se a nós! Se recusares, testemunharemos contra ti que um moço esteve contigo, e que foi por isso que afastaste de ti as meninas"
Susanita, decidiu que ceder seria uma ofensa a Deus e pós a boca no trombone. E os ancião cumpriram a ameaça de calúnia em assembléia e essa condenou a pequena à morte por apedrejamento porque o que a turba quer é ver sangue.
Daniel ainda era novinho mas encasquetou com a palavra dos dois juízes (coisas de Deus) e levou os dois para a acariação. Um disse que tinha visto o ato debaixo de uma arvore alta e o outro disse que tudo ocorreu debaixo de uma árvore baixa. 
Descoberta a mentira dos anciãos a multidão feliz pode apedrejar os dois e Susanita voltou aliviada para os braços de seu Hilquias, passear pelo jardim. E foram felizes para sempre. Ou não.



Sisto BADALOCCHIO – 1609





quarta-feira, 28 de outubro de 2015

bolha de sabão

dias contados
encontro marcado
com Dalila em cápsulas
à cortar meus cabelos

dou mil voltas à fechadura
sem nunca abrir as portas da palavra
esqueci toda a poesia
por pouco não esqueço meu nome

NSL
28/10/15

sábado, 17 de outubro de 2015

o cio dos cisnes

dedo podre
coração mole
cabeça dura
só podia dar nisso
feitiço de amor
impossível

chega de choro
quero as cores
do cio dos cisnes
beber ávida
a vida
e amor morno
de domingo 
de manhã

NSL
17/10/15



sexta-feira, 16 de outubro de 2015

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

mentir não é o mesmo
que o falso testemunho
contra o próximo
fossem meninas
teriam guardado os contos de suas avós
esses soldados judeus de hitler
a história das parteira hebreias do egito


diante da ordem de faraó

"eliminem todos os meninos nascidos"
a fim de dominar um povo 
composto apenas por mulheres
responderam Shifra, a bela 
e Puá, a esplêndida
"não é nossa culpa, soberano
as hebreias não são como as egípcias
nunca somos chamadas a tempo
as mulheres hebreias rezam
e seus filhos nascem antes
quando nos chamam
já é demasiado tarde;
os bebês já nasceram!"



NSL
09/10/15




domingo, 4 de outubro de 2015

Da série "FILHOS DA MÃE" que eu surrupiei da delícia da Maria Balé

Os dois aprendizes de fisiculturista decidem fazer fotos no meu quarto e deslocam o espelho para minha cama.
Pesado demais para apoios, sou convidada a segurá-lo com as costas.
O pai chocado com a estratégia para o ensaio:
- Você tá brincando!
E nós, entre gargalhadas:
- Estamos!
Máxima (por minha conta que a Balé não tem dessas bobagens)
"Ser mãe é levar um espelho às costas para que os filhos brinquem de mirar o nosso avesso".



NSL
01/10/15
Eu aqui pensando na minha posição alienígena intergeracional. Todas as gerações anteriores a mim eram donas do conhecimento válido e isso lhes conferia poder. Eu, apesar de dominar parcamente a tecnologia e o conhecimento dessa era, já não possuo juventude, que talvez seja a mais valiosa moeda de nossos tempos. Não amo o poder. Gostaria no entanto de um pouco de legitimidade. Mas tem sido duro não pertencer nem a um nem a outro.

Por todo lado tem sido patético assistir o espetáculo tosco desses jovens que pensam que nunca envelhecerão, o show de horrores dos adultecentes e principalmente o grito ridículo daqueles que ainda acham que o simples fato de pertencer a uma geração anterior e dominar seus valores ainda é poder.

Na verdade estou diante do bom e velho despertencimento.

NSL
04/10/12

sábado, 3 de outubro de 2015

Caruaru

Já estava em Caruaru há uma semana e tudo que tinha visto era aquela crosta que as cidades preparam para os turistas. Carmem não queria isso. Queria mergulhar entre os nativos, queria conhecer as entranhas da cidade. Conversando com o garçom do restaurante onde almoçava, contou seu interesse, perguntou por um forró de periferia. Ele citou vários, mas disse que se quisesse ver algo diferente fosse ao forró do Salgado. E foi isso que Carmem fez.


O bairro era distante, mas ela não demorou a localizar o lugar. Ficava numa baixada onde desembocavam duas ruas de terra, uma à direita e outra à esquerda. Era uma clareira cercada por angicos, onde fora construído um barracão. No primeiro cômodo, havia um balcão onde eram vendidas as bebidas e petiscos. No cômodo interior, ficava o som, as fitas cassetes e o DJ. O banheiro ficava do lado de fora. Em nenhum deles havia reboco. 

Carmem entrou curiosa no cômodo do som e observou a janela. Lá fora, homens e mulheres dançavam. Eles se vestiam de maneira simples, alguns ainda com seus uniformes de trabalho. Mas era a forma como dançavam que chamou atenção de Carmem. Um trio de homens fazia um trenzinho, de joelhos semidobrados, dando golpes de quadris no parceiro da frente, alguns casais dançavam tão colados e tão lentamente, que pareciam não ouvir a música. Encostados em um tronco de angico, um casal peculiar se beijava de maneira apaixonada. Apoiado na árvore, um índio miúdo, de camisa social e calça de tergal, era completamente envolvido pelo beijo de um negro grande, gordo e com uma vasta e lisa cabeleira, vestido de camisa polo e calças jeans. Quando interrompiam o beijo, o negro apoiava as duas mãos nas faces do índio e sorria de maneira apaixonada. 

Perto do banheiro, duas mulheres cobertas por curtíssimos vestidos de alças, também se beijavam, mas com um pouco mais de volúpia que o outro casal, uma vez que corriam suas mãos uma pelo corpo da outra.

O que em geral Carmem percebia era que pouco importava a música. Pairava sobre todos um clima hedônico que transcendia e a atingia, fazendo correr sobre sua pele uma onda voraz de desejo. Passou a olhar para o interior do cômodo.

Lá dentro, havia mesas de som, pequenas estantes onde eram guardadas as fitas e um pequeno baú. Nas paredes, ficavam pendurados objetos perdidos de toda a natureza. Uma fita rodava sem interrupção e o DJ não se encontrava no lugar. Carmem sentou-se sob uma mesa à margem da janela, apoiou as pernas sob o baú e permaneceu observando os casais lá fora, inebriada pela excitação que as cenas emanavam.

Distraída, assustou-se quando o DJ entrou. Parecia alto demais para aquele lugar, magro, barba rala, bonito à sua maneira.

— Seu colar parece muito com esse. E pegou na parede dos perdidos um pequeno colar, salpicado de pingentes. 

Não parecia tanto, na verdade. O colar de Carmem tinha apenas um pingente em forma de casa. O colar que o DJ depositara em sua mão possuía pequenos pingentes em forma de castelos, rostos, figas, pimentas, claves e folhas, entre muitos outros.

Enquanto o DJ trocava a música, Carmem levou o colar perdido a boca, e passou a mordiscar os pingentes, sem nenhuma assepsia. Ele trocara a música. Lembrava daquela letra, mas nunca havia escutado ao som de forró: 

Eu não desisto de você
Você precisa entender
Que eu não me inspiro sem você
Sem você eu não me inspiro

— Renato, meu nome é Renato — ele disse, tão próximo, que Carmem arrepiou a nuca. 

E se deu conta de que estava com o colar inteiro na boca. Como quem separa ossos de um pé de galinha cozido separava os pingentes dos elos do colar.

A presença de Renato, debruçando-se sobre ela para pegar fitas ou simplesmente para comentar algo sobre o forró, tornou-se algo tão intenso, que Carmem começou a desejar que ele a envolvesse de maneira idêntica aos casais na pista.

Depositou um por um os pingentes que havia separado na boca sobre o beiral da janela e viu que limpos pela sua saliva, brilhavam como ouro. Colocou aos pares pingentes de castelos, de rostos, de claves. Pensou em segurar um dos pingentes de rosto e dar o outro a Renato para ver se ele entendia o seu desejo. Mirou o rapaz abaixado, absorto diante da prateleira de fitas e percebeu que como tudo ali _ as pessoas, o lugar, a música _ ele pareciam fazer parte de uma unidade tão maciça, que seria impossível atravessá-la. Olhou pela janela e viu um homem arrastar um colchão morro acima, levantando poeira.

Lembrou-se de um domingo de inverno, o desejo incontrolado, os corpos em combustão. Decidiu que era hora de ir. Não do forró, não do Salgado. Era hora de deixar Caruaru e voltar para casa.