terça-feira, 31 de julho de 2012

Tudo que eu queria uma bolsa amarela para guardar essas coisas que estão vazando de mim.

borda

bebo 
da borda
de tudo
margem
mirando
o fundo
do furo

Norma de Souza Lopes

Sem tintas

aos que são levemente belos
é fácil não serem supérfluos
ou superficiais
Conheci primeiro os haicais de Leminski. Pensava que era apenas poema de três versos.
E escrevi

Liame


Verdade sem enganos
Nas tênues  veias do vínculo
Corre o sangue que nos faz humanos.
28/08/10

Depois compreendi a métrica, a falta de título e a natureza. Fiquei me perguntando por que os brasileiros tropicalizaram o haicai. 
Acho que foi pouca estação para muita poesia.

Norma de Souza Lopes

segunda-feira, 30 de julho de 2012

receita para não escutar os pensamentos tristes de uma tarde de fim de férias


um vizinho generoso
um carro esporte último tipo
69 amplificadores
188 auto-falantes
100 decibéis
ausencia de equalizador de som
um funk pornográfico com dois versos

Tradução

estratégia para rimar em outra língua
repita
repita
repita
repita 
repita

Norma de Souza Lopes

Coração à venda

Quando li esse poema alguns dias atrás me impressionou a força com que ele entrou em mim. Na hora não soube porque mas tratei de investigar

Conversando com Ricardo Aleixo na última Oficina PALAVRA FALANTE: O JOGO DA POESIA contava sobre  meus últimos arroubos poéticos e recebi dele uma suave recomendação de não dividir com quem não tem interesse pelas mesmas coisas. Na hora me lembrei do poema e hoje percebo que a pessoa que o eu-lirico aponta sou eu

CORAÇÃO

Algumas pessoas vendem o sangue. Você vende o coração.

Era isso ou a alma.
O difícil é tirar a porcaria lá de dentro.
Uma espécie de torção, como tirar da concha uma ostra,
sua coluna um punho,
e então, upa! ei-lo em sua boca.
Você se vira parcialmente do avesso
como uma anêmona do mar tossindo uma pedra.
Há um chape curto, o ruído alto
de entranhas de peixe caindo num balde,
e lá está ele, um imenso coágulo brilhante vermelho-escuro
do passado ainda vivo, inteiro no prato.

Passam-no ao redor. É escorregadio. Derrubam-no,
mas também o experimentam. Áspero demais, um diz. Salgado demais.
Azedo demais, diz outro, fazendo careta.
Cada um é um gourmet momentâneo,
e você fica ali ouvindo tudo isso
no canto, como um garçom recém-contratado,
a mão reservada e competente na ferida escondida
no fundo da camisa e do peito,
timidamente, sem coração.



(Poema de Margaret Atwood, aqui na tradução de Adriana Lisboa)


Logo que comecei a escrever levava meus poemas para parentes e amigos apreciarem. Isso para mim era como tirar do peito o coração. A postura de garçom, esperando aprovação também era a minha.
Da maioria escutava "não gosto desse tipo de poesia", "você precisa ser mais universal, tá muito mulher", " é muito intimista"  " por que não diz de um jeito mais simples" e outros comentários do gênero.
Acabei restringindo minhas demonstrações de poesias a espaços onde, se alguém lê, não comenta. E quando comenta fala mais de si que do que eu escrevo. Uma fala exposta também a julgamentos. A maioria evita isso. E eu gosto. 
Escrevo por absoluta necessidade. Não é algo a que eu possa me furtar. Sei que ainda preciso melhorar muito mas prefiro aqueles que contribuem comigo mostrando a poesia que faz, falando sobre o seu processo produtivo. Qualquer tradução do que escrevo é particular e individual. Cada um lê o quer ou é capaz de ler. Toda poesia é boa para algum leitor. 
Apesar de aprendermos na escola (de maneira errada diga-se) que quadrinhas são poesias primárias conheço gente que ama ler quadrinhas, conheço gente velha nessa estrada da poesia que se diverte escrevendo quadrinhas.  A questão não é qual poesia, mas para quem.
Fiquei pensando nisso no sábado quando recebi de Bruno Brum seus livros. Eu estava comprando seu coração e sabia disso. Como será que ele se sentia? Será que ele também era o garçom?
Não posso dizer que deixei de ser o garçom do poema de Margaret Atwood. Ainda estou aqui com essa cara de paisagem, cobrindo elegantemente a ferida do peito com as mãos. A sorte é que agora tenho predecessores delicados a me mostrar gentilmente o caminho. Obrigada Ricardo Aleixo pela recomendação e  pelo cuidado com que nos passa conceitos tão preciosos como corpor e voz, música, harmonia, partitura etc. Obrigada Bruno Brum pela poesia, Mariana Botelho pela identidade poética, Paulo da Luz Moreira pela habilidade como prosador, e tantos outros que ainda não se materializaram diante de mim mas que, por causa dessa maravilhosa interatividade, tenho conversado um pouco. 
Mesmo que eu não volte a falar sobre isso com vocês quero deixar registado que estão contribuindo para minha constituição como poeta. 

Norma de Souza Lopes

Alguém me empresta um torques?

Tinha um compromisso às duas horas e saia rápido do quarto da Carol quando prendi o dedo no buraco dessa chave.
Logo que escutei o claque do osso pensei  eu não posso ter quebrado o dedo eu não vou deixar de ir melhor ignorar isso.
Só doeu por uns dez minutos e por ignorância nem me lembrei de tirar o meu anel preferido. Aquele, nem pequeno nem grande, de prata que eu gosto tanto.
Por volta das oito horas percebi a cagada. O dedo inchado não permitia que o anel saísse e o pior, se inchasse mais iria começar a diminuir a circulação, coisa não muito boa para um dedos destroncados/quebrados( prefiro não saber).
Agora estou aqui com uma gastura quase erótica desse anel apertando o dedo e doida para descobrir quem tenha um alicate torques para contar o maldito anel.
Fazer o quê. Vão os anéis, ficam os dedos.

Norma de Souza Lopes

Contando um segredo: por que fazer resenhas de livros

Se eu resenhasse tudo que leio não sobrava tempo nem para comer.
Resposta vaga, não é?
Bom então ai vai algo mais consistente.
Ensinei meus irmãos a gostar de livros e agora tento ensinar meus filhos de um jeito bem peculiar. Pego o livro ou cito-o em uma conversa. Começo falando sobre algo que me intrigou, um efeito inusitado que a leitura me tenha provocado. Falo isso em tom de segredo, como se aquilo não pudesse ser dito em voz alta ou fosse algo que apenas eu sei. Assim como essas citações orais, minhas resenhas escritas tem o mesmo tom.
Não há quem não se sinta curioso diante de segredos. Invariavelmente meu interlocutor vai buscar o tal segredo no livro. Talvez ele não resista às primeiras páginas de leitura, por que a curiosidade é menor que o esforço de leitura. Mas quando ele consegue, volta me contanto outros segredos, coisas que descobriu sozinho, sem minhas sugestões. E isso é fantástico. Vale o trabalho de qualquer resenha.
Levar uma pessoa a ler não é algo que ganhei na profissão de professora, como eu já disse eu já fazia isso antes, nos idos da década de oitenta, quando eu e meus irmãos atravessávamos o bairro Mantiqueira para ir até a biblioteca ambulante do SESC. Mas só agora compreendo por que sempre fiz isso.
Desde pequena me admirava com o que os livros faziam comigo. Me faziam ver onde eu estava e onde poderia chegar. Cedo descobri que o que valia era SER  HUMANO, com tudo o que isso implica. Gerou em mim uma crença no poder absoluto da literatura para formar seres humanos. 
E é por isso que venho tentando apresentar as pessoas aos livros e a sedução que eles representam.
Quanto aos meus irmãos e filhos a coisa vem funcionando bem. Suponho que aqui no blog/facebook também. 80% dos 241 amigos com quem compartilho informações foram ou são meus alunos. Como professora tenho essa tarefa de formar leitores. Se 20% deles se deixarem convencer estamos aí com uns vinte leitores formados. Isso somado ao grande números de amigos leitores que tenho deve elevar umas dezenas nesse número. Parece ser pouco mas, para quem estava tentando alcançar umas cinco pessoas, estou fazendo muito.
E se minhas convicções acerca da literatura estiverem certas, acho que estou fazendo o mundo um pouco melhor.

Norma de Souza Lopes

domingo, 29 de julho de 2012




Livros de Bruno Brum

Estou aqui às voltas com meus novos objetos de desejo, as três obras de Bruno Brum - Mínima idéia (2004), Cada(2007) e Mastodontes na sala de espera (2011). Fiquei tão empolgada com a leitura que vou me dar ao luxo de comentar a partir de uma primeira leitura relâmpago ( os livros me foram entregues ontem de tarde e, por causa de meu tom afoito, sem dedicatórias ou autográfos, o que espero resolver no futuro.

Me deliciei com os deslizamentos que Bruno foi capaz de executar de um livro para o outro. Em "Mínima idéia" encontrei um livro recheado de recursos concretistas, experiências tipográficas, e poemas com os quais é possível se divertir muito. Não vou me alongar porque ainda quero fazer explorações mais profundas mas trago um exemplo delicioso para deixar meus amigos com vontade.

se você prestar atenção
vai perceber que 
eu não presto

Em "Cada" pude perceber um afastamento da viagens tipográficas e uma aproximação do que, tendo dificuldade de nomear, estou chamando de nonsense ou lirismo fantástico ( preciso estudar mais para saber dizer o que é isso na poesia de Bruno- ou não-  poeta nenhum anda querendo que digamos isto ou aqui sobre eles, ora bolas!) . Outro sentimento comum nas poesia de "Cada" foi um jogo ford-da com as referências intelectuais. Quando pensamos que lá encontraremos a influência esbarramos com um sonoro AQUI NÃO!

Angu da influência

rabelais não leu mishima kafka não leu drummond 

ovídio não leu flaubert heródoto não leu huidobro

hölderlin não leu augusto dos anjos hesíodo 

não leu dante victor hugo não leu kerouac 

safo não leu camões rimbaud não leu borges

e não não leu torquato baudelaire não leu freud 

mallarmé não leu joyce homero não leu bashô 

pessoa não leu rosa sólon não leu petrônio 

shakespeare não leu maiakovski oswald não leu leminski  

confúcio não leu peirce

odorico não leu haroldo apuleio não leu lautrèamont 

cruz e souza não leu burroughs gregório não leu pound 

a vida é assim mesmo


Percebi também em "Cada" um cuidado acadêmico. Bruno faz citaçoes de fontes no final do livro, coisa que eu ainda não tinha visto em livro de poesia. Vou ler de novo e depois acabo melhorando esse esboço de resenha.

Em "Mastodontes na sala de espera" tive gratas surpresas. Bruno aprofunda nas finalizações nonsense dos poemas. O poeta consegue fazer algo que venho desejando muito nas minhas poesias: desliza a visão  do eu-lirico para dentro e para fora e lança um olhar de luneta sobre figuras como pessoas do cotidiano, cachorros, laranjas, cawboys, frango, trânsito etc. Foi muito bom.
Algo que gostei muito foram as soluções para aquelas constatações/blagues poéticas que nos perseguem todos os  dias mas não são convincentes o suficientes para sustentarem sozinhas um poemas com mais de uma estrofe. Bruno  resolve maravilhosamente isso com seu "Noventa e nove blefes".  Objetos que merecem ser lidos aos goles. 

Senti em "Mastodontes"  o eu-lirico mais solto, mais livre para ser até autoreferente como no poema/biografia "Bruno Brum em ritmo de aventura" (cinco páginas)

Cito aqui um trecho de  "Postais" no qual senti o estado da questão em "Mastodontes"   

1

Olhos por perto.
Há coisas escondidas
atrás de outras coisas.
Logo adiante, mais delas.
Depois (dentro) delas, ainda outras.

2

Os passantes ainda não
se decidiram se vão, se ficam,
se atravessam a rua, se fazem
uma pausa para o café,
se atendem o celular.

(...)

Mais não digo porque garanto que, debruçando mais alguns dias (coisa  que certamente irei fazer) vou achar muito mais. Acredito que vocês entenderam né? Vale a pena ler.
Como ainda estou como Gollum e seu precioso não poderei emprestá-los. Consegui os três exemplares por R$ 45,00 nas mãos do próprio poeta. Com excessão de "Cada" que parece estar esgotado, os outros estão com promoção imperdível. Quem quiser comprar pode me pedir que  vejo com Bruno  um jeito de entregar.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Rui Itálico
Prefiro pensar que gosto daquilo que é familiar. E há algo de familiar nesse olhar sobre as cenas cotidianas à luz da compreensão acerca do que é performance. Nesse sentido, para mim, a performance é bem familiar.
Me lembro do desempenho de minha mãe nos enterros. É preciso dizer que minha mãe é apaixonada por enterros. Não uma paixão mórbida pela morte, mas uma paixão pelo ritual de chorar o morto. Minha mãe é uma excelente carpideira. E isso aqui em Belo Horizonte é coisa que vale um espetáculo. Somos, na maioria das vezes, contidos até na dor. Existe entre nós, digo nós a maior parte das pessoas que conheço, um certo constrangimento em expressar nossa dor de maneira mais intensa. É sempre uns óculos escuros, um travesseiro quente pra chorar, coisas do gênero. Posso até dizer que minha mãe é assim. Na maiorira das vezes.
Por que quando o assunto é enterro a coisa muda de figura. Ela chora publicamente e com maestria. Conta que certa vez chegou a ficar envergonhada diante de uma viúva desconhecida que perguntou de onde ela conhecia o morto. Não conhecia.
Sempre vi beleza no exercicio de carpir que minha mãe desempenhava nos enterros e agora posso dar categoria a ele. É uma  perfomance familiar.

Norma de Souza Lopes

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Presa nos braços da experiência

Uma palavra me prendeu em seus braços. Meu contexto está mergulhado nela. Experiência. Evoca o risco que eu me propus a correr quando saí da zona de conforto de trabalhar perto de casa, fazer o trabalho que conheço bem todos os dias, meses e anos. Quem me conhece sabe do que estou falando. Fazer algo distante daquilo que já tenho experiência é trabalhoso mas foi isso que fiz quando me bandeei pros lados da poeisa e principalmente dessa oficina de performace da qual tenho tanto falado aqui. Remete também a esse esforço quase compulsivo ao qual tenho me atirado desde que comecei a escrever poesia. Não há um dia sequer, desde os idos de 2007, quando decidi assumi integralmente as consequência de viver, que deixo de escrever. Trata-se de um impulso irresistível de testar em palavras o que penso e sinto. E a palavra se presta maravilhosamente a isso. 
Satisfatório mas um tanto perigoso. 
Apesar de meu mundo do trabalho ser aprender/ensinar também é, maciçamente, um desagradável esforço físico e mental, institucionalização e burocracia. Me engole como uma sombra negra e quase não me deixa respirar.
O risco que corro nesse momento é o de mergulhar inteiramente nessa nova dimensão da poesia -corpo-voz-palavra- e não ser capaz de transitar nos dois mundos porque o segundo, mais agradável, mostra-se como um mundo de pura fruição. 
O tempo todo venho tentado aproximar os dois, sabendo que ainda não poderei fugir à luta.
Não muito longe de minha elocubrações leio no grande Houaiss que a palavra experiência deriva do latim periri. Dele só restou o particípio passado peritus, que passou diretamente para o português com perito, habilidoso, experimentado. Daí também com a preposição “ex” surge no latim experientia, que significa prova, ensaio, tentativa, experiência, e no latim imperial, experiência adquirida. 
Assim o termo experiência pode significar tanto uma tentativa, uma prova, num sentido mais objetivo de algo que se faz, como o que resta de aprendido a partir de várias provas no decorrer da própria vida, num sentido agora mais subjetivo. Ou seja experimentando uma pessoa pode passar a ser experiente.
Derivaram daí: experimentum (prova pelos fatos, comprovação) e o adjetivo expertus (experimentado, que deu provas de conhecimento – donde no inglês expert, especialista, e no português experto no sentido de versado, conhecedor; mas não confundir com esperto que tem outra origem). 
De periri (tentar, provar, empreender, experimentar), de onde saiu experientia (o que decorre da tentativa, do empreendimento), derivaram também periculum (tentativa, prova, risco, exame), o adjetivo periculosum (arriscado, perigoso), o verbo periclitor (fazer uma tentativa, arriscar, pôr em perigo), peritus (que sabe por experiência, perito, instruído), imperitia (imperícia, ignorância). Daí derivaram em português: experiência, perigo, perigoso, periclitante, perito, perícia. Ainda segundo Houaiss e Villar (2001) todas essas palavras se relacionam com o grego peíra (prova, tentativa), o verbo peiráo (tentar, empreender), peiratés (aquele que tenta um golpe, bandido, pirata), empeiría (experiência, e, como importação direta feita pela filosofia, “empiria”, conjunto de dados conhecidos não pelo raciocínio lógico, mas pela experiência sensorial) e empeirikós (que se dirige segundo a experiência)
Na etimologia da palavra vejo descortinar-se também todo o meu conflito. Experimentar está muito proximo de correr riscos, de flertar com o perigo. 
Ando flutuando continuamente entre o impulso de imergir profundamente e de manter a cabeça fora d' água. 
Recessos , férias e feriados fazem isso comigo. Perco um pouco a vontade de permanecer a serviço dessa roda dentada que é uma instituição. Mas há que alimentar os filhos, antes de alimentar a alma.
Volto a trabalha na quarta-feira com esperanças de que a sombra do trabalho não me engula e que eu possa, como tenho feito nos anos anteriores, ser capaz de pequenos mergulhos nesse mar de poesia mesmo sob a sombra do labor.

Norma de Souza Lopes

Se é para morrer

Se é para morrer
destilando o todo dia
que seja em grande estilo

curtida no peso do corpo
cortando o verso na carne
no oco da voz, a batida
vestida de poesia
 
NSL
26/07/12

Digas de Renato Negrão



Assisti ontem, ao 41 anos , a primeira performace poética de minha vida. Primeira porque estou desconsiderando aqui todas as declamações escolares do passado não por desprezo mas por entender que o conceito é outro.
E só posso parodiar Zumthor: a poesia sente saudades da voz viva.
Durante a quase meia hora que vi e ouvi Renato Negrão , Ulisses Moisés, Victor Munhoz e Das Quebradas senti um misto de euforia, estranhamento e a mais legitima e profunda FELICIDADE. A multiplicidades de sensações deram um nó na minha racionalidade.
Ver a palavra poética alcançar tal extensão expressiva no espaço, ver como os objetos, as roupas, as imagem os sons mecânicos, a voz e a presença de palco de Renato me fizeram viver uma experiencia única. E olha que sou tão aficcionada com a poesia escrita que me sinto feliz só de ver versos no branco do papel. A performace foi para além disso.
Me surpreendi depois com a timidez de Renato durante as conversaçõs pós-performace. Ele havia flutuado em suas poesias sem nenhuma sombra de medo ou timidez. O poeta avança sobre o homem.
Não posso evitar um certo deslumbramento iniciante que talvez me faça parecer ingênua ou amadora. Não interessa. Valeu pelo que vivi.
Obrigada a todos que sei, trabalharam muito para obter aquele resultado.

Norma de Souza Lopes

Resenha "O olho mais azul" deToni Morrisson


O dia inteiro sobre esse " O olho mais azul" de Toni Morrison. Tão atropelada pela história que mal consigo resenhar. 
Passagem digna de citação. Claudia falando sobre a conversa da mães com as amigas adultas " A conversa delas é como uma dança gentilmente travessa: som se encontra com som, faz uma mesura, sacode-se e recua. Entra outro som, ma sum outro lhe toma o lugar: os doid volteiam um em torno do outro e param. Às vezes as palavras delas se movem em grandes espirais: outras vezes dão saltos estridentes, e é tudo pontilhado de risos calorosos e pulsantes - como o pulsar d um coração feito de gelatina. O gume, a curva, a intensidade das emoções delas são sempre claros para Frieda e para mim. Não sabemos nem podemos saber o significado de todas as palavras, pois temos nove e dez anos. Assim, observamos os rostos delas, as mãos, os pés, e procuramos verdade no timbre da voz." 
No primeiro capitulo Morrison apresenta repetidamente um texto de cartilha em voga até 65 e vai retirando deles os recursos até unir as palavras da narrativa
"Estaéacasaéverdebrancatemumaportavermelhaémuitobonitaestaéafamíliaamãeopaidickejanemoramnacasabrancaeverdeelessãomuitofelizesvejaajaneelaestádevestidovermelhoelaquerbrincarquemvaibrincarcomjanevejaogatoestámiandovenhabrincarvenhabrincarcomajaneogatinhonãoquerbrincarvejaamãeamãeémuitoboazinhamãequerbrincarcomajaneamãeririamãeriavejaopaieleégrandeefortepaiquerbrincarcomajaneopaiestásorrindosorriapaisorriavejaocachorroauaufazocachorroquerbrincarcomajanevejaocachorrocorrercorracachorrocorraolheolheaívemumamigooamigovaibrincarcomajaneelesvãojogarumjogogostosobrinquejanebrinque".
Passa os quatro capitulos seguintes no mesmo exercicio de desconstrução, quatro estações, desmontando a suposta felicidade do texto da cartilha a partir do desmonte das vidas de seus personagens.
Excetuando os poucos momentos em que a voz da menina Cláudia assume a narrativa com seu olhar infantil, a obra é pungente. Me fez sentir como seria a vida das crianças negras nos EUA na última metade do século passado. Os recursos linguisticos e a poética é excelente. Senti apenas pelo tom determinista da narrativa.

Norma de Souza Lopes

terça-feira, 24 de julho de 2012

Do dia que pensei que o Joyce era a Mariana

lia o monólogo de molly bloom 
mas ouvia a historia de amor
da moça do outro bairro 
que se entregara
ao homem que a chamara 
flor da montanha
por fim entendi
estava a cata
de poesia autorreferente
perdi o gosto
busco por poesia
contada como confissão
ou cantada pelo vendedor de frutas lá da rua
a fina flor do outro lado do atlântico
ainda não me seduziu

que droga
isso de querer ganhar o mundo sem sair de casa
só funciona para  Ulysses


Norma de Souza Lopes

segunda-feira, 23 de julho de 2012


                           
                      

Fetiche

Não me iludo
não há ato heróico 
que me salve
não há outro 
que me honre
é fato
sou bicho 
que morre
o tempo todo

Nem por isso
me privo
de minha cria
a poesia
mostro os punhos
e a alma
pros cortes da palavra
a poesia me salva
é minha magia

Norma de Souza Lopes

sábado, 21 de julho de 2012

Tempo para ler

Como é bom ter tempo para ler. Acordei cedo e acabei de ler dois dos doze livros que separei para ler nesse recesso. O primeiro foi de  Rainer Maria Rilke, “Cartas a um Jovem Poeta”. Senti inveja do jovem Kappus tento tido conselhos  como "Tente amar as próprias perguntas"  ou " procure, como se fosse o primeiro homem, dizer o que vê, vive, ama e perde"  ou ainda "Investigue o motivo que o impele a escrever; comprove se ele se estende às raízes até o ponto mais profundo do seu coração, confesse a si mesmo se o senhor morreria caso fosse proibido de escrever".
Se quando jovem tivesse eu encontrado um remetente tão loquaz talvez não estivesse hoje fazendo essa poesia pastiche e tão autoreferente. Ou não. Vai saber. Como disse o proprio Rilke "Ser artista significa não calcular nem contar, amadurecer como uma árvore que não apressa a sua seiva e permanece confiante durante as tempestades da primavera".
Outra delicia que acabei de ler foi " O Velho e o Mar" de Ernest Hemingway. Três dias viajando pelas águas do mar aberto de Havana com o velho Santiago, lutando dignamente com um merlin gigante.  Movido inicialmente pela mesma tolice que às vezes me acomete, provar o seu valor, Santiago acabou descrevendo um belo mergulho em si mesmo.  As conversas do velho Santiago consigo (sua mão ferida, seu corpo dolorido e cansado), com o peixe capturado, com o mar e com os tubarões me remeteram às minhas conversas intimas com meu envelhecimento e minha solidão. As respostas que o velho recebe (astúcia de  Hemingway) são muito semelhantes às respostas em terceira pessoa que às vezes recebo.
A conclusão que o velho chega afinal e que talvez seja a conclusão que me aguarda é que há algo de bom em tudo, mesmo na derrota  " é um bom barco, [...] o vento é nosso bom amigo [...] E o grande mar, como nossos amigos e inimigos, E a cama [...] A cama é minha amiga. [...] eu nunca tinha sido derrotado e não sabia como era fácil. E o que me venceu?"
São livros que merecem ser lidos novamente. Recomendo.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Mesmo assim

A foto opaca
mal focada e luminosa
não esconde rugas
acumuladas no rosto
mesmo assim

A atividade
executada e penosa
não diminui o cansaço
despejado sobre os ombros
mesmo assim

A poesia rimada
bem escrita e arrumada
sangrada pelo aço das palavras
não alcança o inconsciente
mesmo assim

Sigo sendo
sigo sendo
sigo sendo
senda sem fim

Norma de Souza Lopes

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Me alegro

Não sou sempre triste
ao ver as linhas
formas dos versos
me alegro

E quando encontro um poeta
desses que amam e 
e riem e sangram
me alegro muito

Neles vejo esperança para o mundo

Norma de Souza Lopes

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Na cama com Kierkegaard

No silêncio da madrugada 
algazarra do pensamento
possibilidades irrealizadas
necessidades  inúteis
mundo de aparências

Chorar
convulsionar
abraçar a angústia
vislumbrar o finito
complexa e extravagante
comida para vermes

Aspirar o infinito
na interioridade
transcender
achar o eu singular
e voltar a dormir
sobre a cama do dogma
Deus


Norma de Souza Lopes

sábado, 14 de julho de 2012

Resenha "O menino que desejava ser humano"


Essa semana tive uma gostosa surpresa na aula de leitura. Minha aluna achou, no fundo da caixa de leitura, um livro que ganhei o ano passado, mas ainda não havia lido. Durante sua leitura me contive para não tomar o livro e ler como gosto, sozinha. Trata-se de O Menino Que Desejava Se Tornar um Ser Humano de Jorn Riel.

O livro conta a história de Liev um menino viking que parte da Islândia escondido no drakkars, navio viking de Torstein, o assassino de seu pai. Apesar das ganas de vingança do garoto ele é convencido por Torstein a deixar a vingança para quando “seus braços fossem compridos o bastante”. No entanto um naufrágio o leva até a costa da Groenlândia.
Liev é salvo por duas crianças Inuítes, povo daquele lugar. Com eles vive aventuras, caçadas e descobre a tolerância, a lealdade e grande respeito pela natureza.
O livro me impressionou pela leveza da descrição que Riel faz do povo Inuit. São um povo voltado para a coletividade, a dispendiosidade, uma cultura produndamente enraizada na terra. Me comoveu também a  capacidade deles sobreviverem ao clima inóspito de Nunavut observando o clima, as paisagens terrestres e maritimas e ainda suas habilidades tecnológicas peculiares de caça, seguindo tradições e regras rigorosas para ajudar a manter este equilíbrio. Como li que Riel viveu entre o povo Inuit por algum tempo, presumo que a ficção se aproxime da verdade desse povo.
Recomendo com louvor para crianças e crionças.

Norma de Souza Lopes

Amolada

Acordei essa manhã com um barulho do atrito de faca em uma pedra de amolar. O renhéem renhéem da faca sobre a pedra me deu  a visão de alguém curvado sobre a pedra. Me imaginei sentada, próxima a ele, conversando. 
Como gostaria de ter tempo para conversar com alguém que ainda amola facas. 
Quem ainda amola facas acredita que ela possar servir, se não para sempre, pelo menos enquanto há metal para o fio.
Não posso.
Venho enlouquecendo por causa desse trabalho no qual diariamente ouço centenas de pessoas. Elas  me invadem com suas superficialidades e profundidades.
Gostaria de ter tempo para ouvir apenas um amolador de facas.

Norma de Souza Lopes

quarta-feira, 11 de julho de 2012

agudíssimo


apagar a luz da calçada
dormir como um cão
de um morador de rua
alheio a tudo que falta

ou qualquer outro programa
que não o dar de comer infinito
ao esse bebê deslumbrado
que me tornei

domingo, 8 de julho de 2012

Ascenção

Nos degraus
de terra  batida
do barranco 
da vida
subo sempre
lentamente 

Norma de Souza Lopes

sexta-feira, 6 de julho de 2012

pas déjà vu

ando assistindo filmes românticos
o amor aparece
quando sobe som da música
e o moço belo e branco
beija a moça nova e magra
a cena me deixa com vontade de amar de novo
mesmo sabendo que não será de novo
pois eu nunca fui um moço belo e branco
nem uma moça nova e magra
diante de uma 35mm

Norma de Souza Lopes

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Algo me arrancou de dentro de mim. Estou falando tanto que às vezes sinto até a dor do não respirar. Mas o pior mesmo é essa vontade teimosa de não voltar pra dentro...

Norma de Souza Lopes

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Ostra

dor
mim
do
tento
tornar à casa

a
cor
dada
caso
e a casa me cose

solitária
sonho
lar

Norma de Souza Lopes