sábado, 31 de agosto de 2019

súplica

ouvis
a poesia entalada
em minha garganta
inflamada?
ela clama
dança comigo
mãos aéreas 
pés volutos

deslisa o toque
na pele
tu e eu
violoncelo

domingo, 25 de agosto de 2019

Gastávamos nossas noites de folga nos bares, jogando conversa fora. Uma pequena dose de tequila e já éramos filósofos, teólogos ou coisa que o valha. Naquela noite discutíamos a possibilidade de arrependimento dos anjos. Saulo e seu vasto conhecimento das escrituras afirmavam que anjos não podiam se arrepender. Tinha aquele tom cantante dos evangelistas, o que me fazia sentir que tudo não passava de uma cilada. Não sabíamos ao certo o objetivo da discussão. Sabíamos apenas que entre nós a Beatriz,a apanhadora de ondas das cordas de violões, sacava destas tretas de anjos e inclusive falava com eles. Quando nossas discussões ficavam acaloradas ela erguia o dedo e dizia murmurante: "Espere só cinco minutos e isso não vai importar mais". E tocava algo belo, enlevante. Nós na verdade não tínhamos paciência para os cinco minutos de silêncio mas a interrupção servia para desviar o assunto, para mudar nossa perspectiva. Beatriz não tinha muita tolerância para com o nosso cetismo. "Tudo que é verdadeiro é fatal e não duvida, pergunte à uma bala de revolver se ela duvida, Não duvida, não é mesmo?" Eu temia aquela sabedoria metafisica. Ninguém sabia. Nem eu tampouco pude contar. Havia uma bala alojada em meu coração. Não pude contar porque assim teria que revelar que eu, um dia quis morrer. "Uma bala duvida?" Eu podia dizer que sim, aquela alojada em meu coração passou anos sem se decidir se ceifava minha vida ou não. Mas isso eu não poderia dizer. A descoberta faria ruir a imagem sobre a qual em me sustentava desde então. Eu não ia contar nunca. Como poderia? Ninguém merecia a responsabilidade daquele susto. Mas a vontade de falar sobre ficava dando saltos dentro de mim. Bem ali, do lado da bala alojada. Era preciso calar essa vontade antes que ela acordasse o projétil. O violão não parecia ser suficiente. Nem as discussões acaloradas. Eu geralmente encharcava tudo com cerveja. Tamponar o amor à minha dor com álcool costumava resolver, afinal, aquilo era só mais uma forma de narcisismo que eu podia resolver em casa, no chão, observando meu reflexo numa poça de vômito.

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

pele

a despeito das vozes
atávicas que sussurram -
não vá fazer pecar
um homem com sua
pele à mostra -

me visto
e me dispo
sem a modéstia
bíblica recomendada

do armário do quarto
meus vestidos de verão
sussurram suas desconfianças
os dias cinza de inverno -
um desperdício - dizem
meus decotes e meus
vestidos de verão

desfalecem de saudades
da sensualidade
quente de meu colo
do toque morno da pele
de minhas pernas

por eles corro os dedos
sob minhas dobras
textura de encontro
intimo comigo
o tecido vivo
e as digitais

domingo, 11 de agosto de 2019

E quando finalmente descobri minha voz, compreendi a promiscuidade da palavra. Quis arrancar a língua desde a faringe.