quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Sazonal


Não colha verde a poesia
um poema precisa amadurecer
para adoçar

Norma de Souza Lopes
Informação


Polígonos  de pano
chuva de palavras
deslizam imagens
o saber está à venda


prefiro os  clássicos
orgasmos neuronais
não vejo como
aplicá-los a escolaelástica


Norma de Souza Lopes
TRIPULIUM

Uma casa coberta de pó
muitos comodos desarrumados
há de vir o momento em que nós
haveremos de organizá-los

Esse pó que invade os corredores
se mistura sem nexo às coisas
nos invade os corpos e a alma
trás pobreza, desordem e divisas

E a poeira nunca silencia
se espalha até nas entranhas
comunica com sua presença
simboliza mensagens estranhas

Eu o peço que sussurre com calma
o que a trás em minha casa, minha vida
esse pó,  poeira propagada
essa pedra, ainda que dissolvida

Norma de Souza Lopes



Partasana


Dona de humores solúveis
quisera um dia ser mais estável
ao sabor dessas vozes externas
enceno  teatro desagradável.


Me acomete esse mal inconstante
não consigo ser sempre eu, a mesma
flutuando entre fartas alegrias
ruminando profundas tristezas.

Norma de Souza Lopes

domingo, 26 de setembro de 2010


Envídia


Melancólicos olhos me fitam
comparam seus méritos aos meus
Talvez lhes falte o espelho
pra que gozem seus apogeus

Norma de Souza Lopes






quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Agravos

Hoje eu quero falar em prosa. Clamo ao Pai que resolva os agravos e injustiças que sofro mas temo em esperar solução. Será que ela virá? 
Sei de longa data que sou um milagre nessa terra desde o ventre de minha mãe. Isso por si só já é prova suficiente que Alguém maior que eu olha por mim. 
Mas tendo sempre a temer os outros estralhaçadores que me rodeiam e isso me leva sempre a soluções covardes. Tenho sido covarde ao pedir solução divina?E se eu tomar as rédeas das circunstâncias e conduzir os fatos a meu contendo?
Me aquece a alma pensar que a vingança divina cairá sobre aquele que maltrata um justo, que engana que mente para provar teses particulares. Mas esse sentimento não é suficiente para aplacar minha sede de justiça.
Por ora entendo que tenho comido o melhor dessa terra e tenho dias felizes apesar dos ardis de meus adversários. Creio que não vale estragar meus dias com contendas que provem a razão de meus atos. Ela já é em si, não precisa de provas.
O que sei acerca de tudo é suficiente para saber que, se o outro me culpa, o faz fundado na própria incompetência. Que dor lidar comigo, sensível e pronta em tudo. Como eles poderiam viver se não esmagassem minha auto-confiança?
Saber que tenho acertado na maioria das vezes, que tenho feito o melhor aos que me cercam é suficiente para mim. Não preciso lutar lutas insanas. Só preciso do meu trabalho, da minha família, da minha honra e de minha poesia.Ocasionalmente posso rir de mim mesma, é melhor que precisar rir do outro para se sentir perfeito.
E quanto às soluções divinas acho que elas já vieram.

Norma de Souza Lopes

domingo, 19 de setembro de 2010

Marisa


De manhã chega cheia de vida
e o sol não rogado entra junto
risada borbulhante e clara
não importa qual seja o assunto


Vaidosa como flor do cerrado
se enfeita de blusas e botas
nada disso faz jus a beleza
que de graça a natureza te dota


As manhas de sorrisos enfeita
traz consigo o vento e a brisa
tão suave o riso e a fala
que folgamos contigo  Marisa
Ilustre


Quem me dera um sobrenome pomposo
não me engraça esse Souza,
esse Lopes.
Quais eram seu brasões?
Que portugueses fincaram essa flâmula?
Quisera um Andrade
um Meireles, um Bandeira.
Esse sobrenome maria
tão joão e josé
avisa pouco brilho.
Atávicos


Devo aos meus predecessores
a liberdade do verso
a eles coube
sofrer doída critica 


No entanto insossas
minha estrofes indolores
não palpitam
como em meus predecessores


Norma de Souza Lopes


Prenhe


Uma euforia de vida me invade
a pouco soube
viverei cem anos
que felicidade
posso gerar a arte
grávida em mim


Norma de Souza Lopes
Pastiche


Poesia pastiche
pensamento pastiche
arte pastiche
nada original em minha arte
só retalhos do que leio
e lembro


Norma de Souza Lopes
Descontar


O que há de peculiar
em minha história
que a faça digna
de ser contada?


Mulheres já foram
excluído já foram
tímidos já foram


Não vejo nada acenar
que faça minha história mais bela
que a de Carlos Drummond de Andrade.


Norma de Souza lopes

sábado, 18 de setembro de 2010

Cinema

Saboreio a sensação
de saber toda tragédia
perco a arte do cinema


Saber quem morre e quem fica
Saber quem nasce e quem parte
extingue a surpresa do esquema


Norma de Souza Lopes
Mudança


Como um verme preso ao barranco
não quero sair daqui
e os móveis de vão


Como parasita enrodilhada
não quero sair daqui
e as roupas se vão


Como larva amolecida
não quero sair daqui
e os livros se vão


Vejo saindo a cama
só me resta partir
à casa nova


Norma de Souza Lopes
Revivida


Uma menina bebê convulsiona
em meus braços endurece esfria
Deus, meus olhos clamam
não  deixe morrer a guria


Nos aposentos de minha mãe
entrego morta a menina
deposito-a na cama macia
minha mãe, seus olhos e dentes
devolve a vida à pequenina


Norma de Souza Lopes
Derradeira


Meticulosa em tudo que faz
só de perto se vê sua essência
um pouco doce, um pouco dura
nada afeita a aparências


Na tecedura urdida nas mão
amarra forte congruências
e o que surge desse labor
expressão criativa da beleza


Um certo assopro  áspero na fala
sugere amargas dores vividas
e os pés - raízes - sorvem do real
garantias de não ser mais sofrida


Norma de Souza Lopes

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Polaroid Negra


O senhor mandou matar
todo ser sensível
com uma polaroid negra


Senhor da razão
senhor do trabalho
senhor da produção


Ao som do clic
da polaroid negra
toda expressão de dor
era consumida


Um dia uma rainha
do reino das femininas
seduziu esse senhor
e quebrou sua polaroid


E agora nessas terras
quem expressa sentimento
e derrama lágrimas verdadeiras
já assumiu seu condado

Norma de Souza Lopes

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Insurgência

Por falta de remetente
minha poesia não surgia
um dia ele se iluminou
e as palavras verteram

Norma de Souza Lopes

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Vertente


Choro o que não consigo
dar belo ao perdido
convencer ao amigo
que não espero ser ferido



O choro, esse castigo
me remete ao umbigo
pois em prantos comigo
faz-se expelido o fustigo


Norma de Souza Lopes





Palavras


Primeiro elas se anunciam
entremeio ao que leio
e o que lembro


No tempo de cem sonos
elas reacendem prontas
e eu posso servir


Não sem sentir que morro
mediante o esforço
de as ouvir


Norma de Souza Lopes

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Torque


Esses seres ascéticos do meu mundo
Querem por minha alma num torno
Como não posso ser sozinha
Vou seguindo e me tornando

Ainda digo não a isso
e tiro todos de mim
vou ser feliz sozinha
apascentar sonhos e flores

Norma de Souza Lopes

sábado, 11 de setembro de 2010

Escrituras

Parte  do  que escrevo
reflete todo esforço
de fazer emergir da memória
o que causa quentinho no peito


Minha escrituras despenteadas
fartas de memórias e referências
são meu modo de estar só
junto aos múltiplos outros em mim




Escrevo e degusto o vivido
Escrevo e gero produto 
Escrevo e arranco das mãos da morte
as chaves do esquecimento 




Norma de Souza Lopes
Recriada


Terra de sol escaldante
onde o brincar das crianças
é romaria de pedras na cabeça
evocando esperada  chuva


O cercado da cadeia
de tão baixo que era
fazia do preso um vizinho
em nada encarcerado


A vizinha negra puri
servia angu com açúcar
o mais delicioso prato
para nossa fome de afeto


Na  esquerda o matadouro
onde em todo amanhecer
ecoavam  balidos de bode
e um gato lambia o sangue


O trabalho de doméstica
a troca de qualquer paga
principalmente comida
que aliviava as bocas da casa


São José das Piranhas
de açudes que nunca vi
e do Rio Borborema
onde meu pai pescava


Dos matinais passeios 
de ambulância a cargo do tio
das escuras estradas de terra
do terror dos cavalos fantasma


E ovo de passarinho
com sangue em sua gema
que ensinava da quaresma
por quê não se come ovo


Do caramujo e das pedras
inocente patológico
do rio de águas turvas
vertentes fartas de peixe


Paraíba onde está
senão na minha memória?


Norma de Souza Lopes



Epítome

Contra esse eu fraquinho e fugidio
tenho firmado identidades variadas
mas diante de qualquer rugido
abro fuga ganindo desesperada

A ameaça que assola meus dias
o outro devorador, as palavras triturantes
desmedido  total   disjecta membra
transversal  rejeição dilacerante

Por temor e covardia de existir
manifesto  o não ser da alma
inconsistência do  pleno ser
infinidades que conduz ao trauma

A   pergunta que  a poesia engendra
há uma existência irrevelada
o que acontece se anular o medo
e achar o mapa entre o ser e o nada

A resposta se apresenta incólume
do  máximo que  pode acontecer
posso existir em liberdade
se  deixar esse eu morrer

Norma de Souza Lopes

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Enleio


Ocasiona de enluvar minhas palavras
e arrancar na alma dos amados,
os espinhos e dores cotidianas.


Porém há quem na lida dos dias,
sem amigos que os amem em essência,
que acidulam mágoas insanas.


Para os meus, está posto que o esforço
de amá-los sempre com muito desvelo
todavia é tarefa soberana.


Norma de Souza Lopes

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Auto-estima


Ao filho que não quer crescer
resposta e perplexidade.

Filho, não há meios de não ser
o que você deseja ser.

Mãe, eu quero ser um sapo.


Norma de Souza Lopes

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Psicanálise


Que conselheiro pode ser meu senhor,
se na viagem que travei 
foste espectador?
Por acaso sentiu meu temor, ou minha dor?

Como voyeur de meus medos, desejos e vontades
foste comigo um?
Sopraste meu espírito?

Deixa que eu tema a Deus, meu senhor
esse temor eu trago do ventre de minha mãe.
Quero achar resposta
se  Deus  for meu Dono
não será tu a negá-lo, meu senhor. 

Sabe como temo a Deus
se ele me tira o ar, a voz, a vida
acaso tu, meu senhor, 
respirará, falará, viverá por mim?

Temo também a ti, meu senhor
um jardineiro feroz
arranca de mim o daninho.
E se arrancares o mal 
aquele que quero ser, meu senhor?
Aquele que quero ter?

Desconfio de ti,  meu senhor
já limpaste teu jardim, 
gostas de dama-da-noite?


Na beleza do meu jardim
a maria-sem-vergonha
teima em achar vida
por entre pedras e pernas
e o louva-a-deus
eu amo seu trino

Quem és tu, meu senhor?
Senhor?


Norma de Souza Lopes
Oração

Por que me fizeste carne
se me querias santa?
Essa carne tesa
não aceita manta
da santidade.

Às vezes túrgida,
ás vezes lânguida
minha carne
rasgada e túmida
anseia só gozar.

Meus olhos choram
o que o espírito deseja
a santidade, e o altar
mas a carne não deixa
rejeita a calma dos santos.

E janto 
com voracidade
evitando de Deus
seus olhos ferozes
sobre mim.

Deus, então perdoe
que quando no altar
esses meus olhos
antes altivos
estejam tão baixos.

Faltam-lhes coragem
de ser o que são
olhos de um corpo
corpo tão carne
que  arde.

Norma de Souza Lopes

Desabono


O que há com essa gente
que só vê pior no outro
que imensa graça nisso?
Somos todos imperfeitos
mas a busca de defeitos
dissimula o remisso.


Pode ser que não aguente
se olhar com transparência
e se esconda no sorriso.
Oculta a exata maldade
destila e desgosta inveja 
maledicente e griso


Vive sempre a camuflar
sua tosca existência
em algazarra e  banzé.
Porém a felicidade
mora na realidade 
de ser sempre o que se é.


Norma de Souza Lopes

segunda-feira, 6 de setembro de 2010


Ausência

Por muito tempo achei que ausência é falta
E lastimava, ignorante, a falta..
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
Ausência é um estar em mim.
E sinto-a tão pegada, aconchegada nos meus braços
Que rio e danço e invento exclamações alegres.
Porque a ausência, esta ausência assimilada,
Ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade 
Brinde à Fortuna


O que fazer se a sorte
essa roleta do tempo
em seu movimento inexorável
nunca gira por mim?


Desejo tanto a abundância
como criança pequena
apertando lábios e olhos
a ponto de quase trincar.


espero que a mágica
comum aos desejos e às palavras
desate os nós da fortuna
e eu possa pra sempre brindar.


Norma de Souza Lopes

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Bálsamos

Como embalsamar o medo
e a raiva de todo dia?
Fluir em balsas
sempre disponíveis.

Amigos leais,
amores mornos,
e domingos plácidos
esses bálsamos da alma.


Norma de Souza Lopes