Resenhas

DVD - “Alice no Pais das Maravilhas”

Título Original: Alice in Wonderland Gênero: Aventura Tempo de Duração:108 minutos Diretor: Tim Borton Uma boa sugestão para as férias é o filme de Tim Burton “Alice no País das Maravilhas” baseado na obra de mesmo nome do inglês Lewis Carroll. Diferente da Alice de Carroll, que é uma criança, a Alice de Burton tem 19 anos e está às beiras de um casamento, com festa da nobreza e tudo. Como não concorda com o casamento encomendado Alice foge desesperada seguindo um coelho branco, e vai parar no País das Maravilhas, um local que ela visitou quando tinha seis anos mas não se lembrava mais (numa referência à Alice da obra de Carroll). Lá ela é novamente saudada pelo Coelho Branco, o Ratão, o Dodo, os gêmeos Tweedledee e Tweedledum e várias flores falantes. Eles discutem sobre a sua identidade como "a verdadeira Alice". O filme deve agradar aos adolescentes pois, assim como eles, Alice passa todo o tempo sofrendo mutações corporais, lutando contra uma Rainha Vermelha cabeçuda e mandona, e tendo que afirmar sua identidade para ser dona do próprio destino. O alto teor de aventura e o cenário são outras coisas que irão agradar. Temos imagens impressionantes do Mundo Subterrâneo, do castelo da Rainha Vermelha, das criações do Chapeleiro Maluco e também do assustador Jaguadarte. No ponto alto do filme Alice, lutando pela Rainha Branca, empunha uma espada e corta a cabeça do monstro jaguadarte. Então é só dançar o passo louco do Chapeleito Maluco.

JORGE FURTADO DEVORA SHAKESPEARE

Concluí ontem a leitura de Trabalhos de Amor Perdidos do Jorge Furtado. Mais um da Coleção Devorando Shakespeare. O livro é surpreendente. A narrativa flutua na voz de Robin, um bolsista da fundação Roger Dod e na voz de Gavil e Karen, filho e mãe canadenses que trocam e-mails. O enredo trata da história de jovens de todo o mundo que foram premiados para projetar suas idéias de popularização das obras de Shakespeare. A história abre espaço até para o 11 de setembro, quando a musa de Robin, uma bolsista da nobreza jordaniana precisa fugir dos EUA devido ao ataque. A todo momento eu voltava na foto de Jorge furtado no início do livro. O cara escreveu tudo aquilo com quarenta e poucos anos. E viajou no tema. Aprendi mais sobre Shakespeare nesse livro do que em todos os meus trinta anos de leitura pregressa. Definitivamente, eu estou muito atrasada! Oras bolas, mas Furtado fez "Ilha das Flores" com trinta. Era de se esperar. Apesar da riqueza do tema, saltou aos meus olhos a citação que Furtado faz de Wystan Hugh Auden, um poeta inglês naturalizado nos Estados Unidos. Assim Auden define Iago, o vilão de Otelo: "O piadista de mau gosto deprecia suas vítimas, mas ao mesmo tempo as inveja por que os desejos delas, por infantis e equivocados que sejam, são reais para elas, enquanto o piadista carece de desejo que possa considerar próprio. Seu objetivo, transformar a todos em vítimas, torna a sua existência totalmente dependente da existência dos outros; quando está só, é uma nulidade. A descrição de si mesmo que faz Iago, Não sou o que sou, é correta, e é uma negação do Sou o que sou, a afirmação de Deus." (AUDEN in El Mundo de Shakespeare). Me lembrei já ter falado sobre esse perfil psicológico. Escrevi sobre isso duas vezes. A primeira foi em Desabono, em setembro de 2010: O que há com essa gente que só vê pior no outro que imensa graça nisso? Somos todos imperfeitos mas a busca de defeitos dissimula o remisso. Pode ser que não aguente se olhar com transparência e se esconda no sorriso. Oculta a exata maldade destila e desgosta inveja maledicente e griso Vive sempre a camuflar sua tosca existência em algazarra e banzé. Porém a felicidade mora na realidade de ser sempre o que se é. A segunda foi em dezembro de 2010 quando esbocei o caráter psicológico de Magnum, um personagem do pequeno conto Rejeição. Não que eu me compare mas é interessante descobrir que minha poesia coaduna com a do poeta inglês. Ainda bem que Jorge Furtado me levou a conhecê-lo. KAFKA E A MARCA DO CORVO

No mais recomendo com louvor a leitura de Trabalhos de Amor Perdidos do Jorge Furtado.


Concluí pela manhã a leitura a obra de Jeanette Rozsas - Kafka e a marca do corvo. Janette é advogada e escritora e despontou recentemente no cenário dos romancistas de sucesso. Comecei a ler ontem por volta da quatorze horas e só parei para comer. Não que eu tenha me encantado pelo estilo da autora. Na verdade ela redigiu uma pesquisa acerca da vida do autor em forma de romance, sem abusar de estilos ou recursos. Leve e direta, ela conta a vida de Kafka, desde a chegada do pai à cidade de Praga, o casamento com Jane, o nascimento do menino pálido e frágil, a infância e a vida adulta até a morte. Em 184 páginas Rozsas reconta os fatos locais e pessoais da vida de Kafka obedecendo rigorosamente às inúmeras biografias consultadas. Pincela o livro com fotos de Kafka, das moradias, da família e de seus amores. Segundo a autora, todas as falas, especialmente as de Kafka, foram retiradas de suas Cartas, Diários, das conversa publicadas por Gustav Janouch e da Carta ao Pai. Emocionou-me conhecer a história desse literato que tanto amo. Saber seus anseios e fragilidades, saber o que o motivou a escrever. Achei sua história íntima muito parecida com a nossa, escritores atormentados pelas rudezas do mundo. O romance encerra com o obituário emocionado de Milena Jeseká ao jornal praguense Národní Listy. Dele retiro o trecho que mais me impressionou: " Era envergonhado, tímido, gentil e bom, mas os livros que escrevia eram cruéis e dolorosos. Enxergava um mundo cheio de demônios que guerreavam indefesos seres humanos e os perturbavam. Ele tinha um visão, muito sábio para viver e muito fraco para lutar. Mas a fraqueza dos sers bons e nobres que são incapazes de lutar contra o medo, desavenças, descortesias e desonestidade, que admitem sal fraqueza desde o início, submetem-se e, assim, envergonham o vencedor. Compreendia seus semelhantes de um modo que só é possível para aqueles que vivem sozinhos, cuja percepção é tão sutilmente afinada que conseguem ler uma pessoa integralmente através de um fugaz jogo de expressão..." Recomendo essa biografia romanceada para todos que desejam conhecer a história de Franz Kafka. A partir dela podemos entender o porque da linguagem protocolar, dos romances clautrofóbicos, dos contos fantásticos e das cartas e diários angustiados tão comuns na obra de Kafka.


AMOR EM SEGREDO

Acabei de ler o livro de memórias da Sonia Rodrigues, "Amor em Segredo". Sonia é a filha ilegítima do Nelson Rodrigues que só conseguiu ser reconhecida quatorze anos depois que ele morreu. Gostei do estilo e do ritmo, muito semelhante às minhas memórias/reflexões. Os relatos em si são primorosos. Sonia registrou em crônicas o que ela pensava sobre o mundo, sobre os relacionamentos, sobre a histórias de família, sobre angústia, psicanálise e comportamentos. Ela chama isso de infidelidade, principalmente ao pai. Em momentos ela parece perdoar o pai por não assumir sua mãe e os três filhos em outros ela parece perdoá-lo. Repete muito a sua filiação. Fiquei na dúvida se ela catalisa o sofrimento com a escrita ou usa o fato de ser filha do Nelson para se promover. Mas acho que ela não precisaria. É jornalista e doutora em literatura. Fico com a segunda hipótese. No mais, recomendo a leitura para quem gosta de memórias e de literatura intimista.

REsenha "5x favela- Agora por nós mesmos"
Acabei de ver o filme " 5X favela- Agora por nós mesmos" . Amei a proposta. Com excessão do "Concerto para violino", que ainda mantém aquela narrativa do favela movie, achei todos muito lindos.
As narrativas de "Feijão com arroz" , "Acende a Luz" " , "Fonte de Renda" e "Deixa Voar" provocaram em mim aquela deliciosa sensação de familiaridade.
O cotidiano cordial, morno e singelo é tudo que me faz amar a periferia e suas vivências. Me surprendi com a coragem e a criatividade do personagem Flávio de "Deixa Voar", se arriscando a entrar em outro território e acabando por encontrar uma possibilidade de amor com a pequena Carol. Amei a história do frango em "Feijão com arroz", com uma finalização tão a moda do caráter das pessoas de classes populares, exemplos que vemos o tempo todo na mídia, quando por exemplo, alguém pobre devolve grandes quantias em dinheiro que foram achadas. As tomadas verticais, de cima para baixo, a modo dos barracos verticais me causaram grande prazer. É assim que eu gosto de ver a favela no cinema: reflexo da coletividade cordial que sempre esperimentei vivendo na periferia.

Resenha: A Flor do deserto



Aproveitei o carnaval em casa para ler "A flor do Deserto" livro memoríalistico de Waris Dirie, uma grande modelo que nasceu na Somália em uma tribo nômade do deserto africano. A modelo nasceu numa família de 12 filhos e fez sucesso na Europa e nos EUA. Waris relata sua infância como pastora de carneiros e camelos e as brincadeiras com os irmãos. Conta como, aos cinco anos, sofreu a mutilação imposta pelas tradições da tribo e teve arrancado clitores e lábis vaginais, ficando com apenas um pequeno furo por onde, com dificuldades, podia urinar.
Aos treze anos seu pai engedra um negócio de casamento de Waris com um senhor de sessenta anos em troca de cinco camelos e a menina inicia sua fuga. Ela relata sua viagem até a casa de parentes em Mogodíscio, capital da Somália, onde foi acolhida mas explorada pelas tias. Quando escolhe ir para Londres para casa de uma tia pensa estar livre mas continua, por quatro anos, sendo explorada como doméstica. Quando a tia e seu marido diplomata anunciam o retorno para a Somália Waris decide ficar e trabalhar como garçonete no McDonalds. Mora durante um tempo na Associação Cristã de Moços até ser descoberta como modelo. Casa-se com um inglês em troca do visto mas é perseguida pelo mesmo durante muito tempo. Waris encerra o livro contando do seu orgulho em aceitar o cargo de Embaixadora da ONU e como se sente feliz em lutar contra a mutilação feminina.
Apesar dos relatos acerca da tradição desumana de mutilação, achei que o trata-se mais de uma bela história de auto superação 

sábado, 14 de julho de 2012


Resenha "O menino que desejava ser humano"



Essa semana tive uma gostosa surpresa na aula de leitura. Minha aluna achou, no fundo da caixa de leitura, um livro que ganhei o ano passado, mas ainda não havia lido. Durante sua leitura me contive para não tomar o livro e ler como gosto, sozinha. Trata-se de O Menino Que Desejava Se Tornar um Ser Humano de Jorn Riel.

O livro conta a história de Liev um menino viking que parte da Islândia escondido no drakkars, navio viking de Torstein, o assassino de seu pai. Apesar das ganas de vingança do garoto ele é convencido por Torstein a deixar a vingança para quando “seus braços fossem compridos o bastante”. No entanto um naufrágio o leva até a costa da Groenlândia.
Liev é salvo por duas crianças Inuítes, povo daquele lugar. Com eles vive aventuras, caçadas e descobre a tolerância, a lealdade e grande respeito pela natureza.
O livro me impressionou pela leveza da descrição que Riel faz do povo Inuit. São um povo voltado para a coletividade, a dispendiosidade, uma cultura produndamente enraizada na terra. Me comoveu também a  capacidade deles sobreviverem ao clima inóspito de Nunavut observando o clima, as paisagens terrestres e maritimas e ainda suas habilidades tecnológicas peculiares de caça, seguindo tradições e regras rigorosas para ajudar a manter este equilíbrio. Como li que Riel viveu entre o povo Inuit por algum tempo, presumo que a ficção se aproxime da verdade desse povo.
Recomendo com louvor para crianças e crionças.

Livros de Bruno Brum

Estou aqui às voltas com meus novos objetos de desejo, as três obras de Bruno Brum - Mínima idéia (2004), Cada(2007) e Mastodontes na sala de espera (2011). Fiquei tão empolgada com a leitura que vou me dar ao luxo de comentar a partir de uma primeira leitura relâmpago ( os livros me foram entregues ontem de tarde e, por causa de meu tom afoito, sem dedicatórias ou autográfos, o que espero resolver no futuro.
Me deliciei com os deslizamentos que Bruno foi capaz de executar de um livro para o outro. Em "Mínima idéia" encontrei um livro recheado de recursos concretistas, experiências tipográficas, e poemas com os quais é possível se divertir muito. Não vou me alongar porque ainda quero fazer explorações mais profundas mas trago um exemplo delicioso para deixar meus amigos com vontade.
se você prestar atenção
vai perceber que 
eu não presto
Em "Cada" pude perceber um afastamento da viagens tipográficas e uma aproximação do que, tendo dificuldade de nomear, estou chamando de nonsense ou lirismo fantástico ( preciso estudar mais para saber dizer o que é isso na poesia de Bruno- ou não-  poeta nenhum anda querendo que digamos isto ou aqui sobre eles, ora bolas!) . Outro sentimento comum nas poesia de "Cada" foi um jogo ford-da com as referências intelectuais. Quando pensamos que lá encontraremos a influência esbarramos com um sonoro AQUI NÃO!
Angu da influência

rabelais não leu mishima kafka não leu drummond 

ovídio não leu flaubert heródoto não leu huidobro

hölderlin não leu augusto dos anjos hesíodo 

não leu dante victor hugo não leu kerouac 

safo não leu camões rimbaud não leu borges

e não não leu torquato baudelaire não leu freud 

mallarmé não leu joyce homero não leu bashô 

pessoa não leu rosa sólon não leu petrônio 

shakespeare não leu maiakovski oswald não leu leminski  

confúcio não leu peirce

odorico não leu haroldo apuleio não leu lautrèamont 

cruz e souza não leu burroughs gregório não leu pound 

a vida é assim mesmo
Percebi também em "Cada" um cuidado acadêmico. Bruno faz citaçoes de fontes no final do livro, coisa que eu ainda não tinha visto em livro de poesia. Vou ler de novo e depois acabo melhorando esse esboço de resenha.
Em "Mastodontes na sala de espera" tive gratas surpresas. Bruno aprofunda nas finalizações nonsense dos poemas. O poeta consegue fazer algo que venho desejando muito nas minhas poesias: desliza a visão  do eu-lirico para dentro e para fora e lança um olhar de luneta sobre figuras como pessoas do cotidiano, cachorros, laranjas, cawboys, frango, trânsito etc. Foi muito bom.
Algo que gostei muito foram as soluções para aquelas constatações/blagues poéticas que nos perseguem todos os  dias mas não são convincentes o suficientes para sustentarem sozinhas um poemas com mais de uma estrofe. Bruno  resolve maravilhosamente isso com seu "Noventa e nove blefes".  Objetos que merecem ser lidos aos goles. 
Senti em "Mastodontes"  o eu-lirico mais solto, mais livre para ser até autoreferente como no poema/biografia "Bruno Brum em ritmo de aventura" (cinco páginas)
Cito aqui um trecho de  "Postais" no qual senti o estado da questão em "Mastodontes"   
1

Olhos por perto.
Há coisas escondidas
atrás de outras coisas.
Logo adiante, mais delas.
Depois (dentro) delas, ainda outras.

2

Os passantes ainda não
se decidiram se vão, se ficam,
se atravessam a rua, se fazem
uma pausa para o café,
se atendem o celular.

(...)

Mais não digo porque garanto que, debruçando mais alguns dias (coisa  que certamente irei fazer) vou achar muito mais. Acredito que vocês entenderam né? Vale a pena ler.
Como ainda estou como Gollum e seu precioso não poderei emprestá-los. Consegui os três exemplares por R$ 45,00 nas mãos do próprio poeta. Com excessão de "Cada" que parece estar esgotado, os outros estão com promoção imperdível. Quem quiser comprar pode me pedir que  vejo com Bruno  um jeito de entregar.

Resenha "O olho mais azul" deToni Morrisson

O dia inteiro sobre esse " O olho mais azul" de Toni Morrison. Tão atropelada pela história que mal consigo resenhar. 
Passagem digna de citação. Claudia falando sobre a conversa da mães com as amigas adultas " A conversa delas é como uma dança gentilmente travessa: som se encontra com som, faz uma mesura, sacode-se e recua. Entra outro som, ma sum outro lhe toma o lugar: os doid volteiam um em torno do outro e param. Às vezes as palavras delas se movem em grandes espirais: outras vezes dão saltos estridentes, e é tudo pontilhado de risos calorosos e pulsantes - como o pulsar d um coração feito de gelatina. O gume, a curva, a intensidade das emoções delas são sempre claros para Frieda e para mim. Não sabemos nem podemos saber o significado de todas as palavras, pois temos nove e dez anos. Assim, observamos os rostos delas, as mãos, os pés, e procuramos verdade no timbre da voz." 
No primeiro capitulo Morrison apresenta repetidamente um texto de cartilha em voga até 65 e vai retirando deles os recursos até unir as palavras da narrativa
"Estaéacasaéverdebrancatemumaportavermelhaémuitobonitaestaéafamíliaamãeopaidickejanemoramnacasabrancaeverdeelessãomuitofelizesvejaajaneelaestádevestidovermelhoelaquerbrincarquemvaibrincarcomjanevejaogatoestámiandovenhabrincarvenhabrincarcomajaneogatinhonãoquerbrincarvejaamãeamãeémuitoboazinhamãequerbrincarcomajaneamãeririamãeriavejaopaieleégrandeefortepaiquerbrincarcomajaneopaiestásorrindosorriapaisorriavejaocachorroauaufazocachorroquerbrincarcomajanevejaocachorrocorrercorracachorrocorraolheolheaívemumamigooamigovaibrincarcomajaneelesvãojogarumjogogostosobrinquejanebrinque".
Passa os quatro capitulos seguintes no mesmo exercicio de desconstrução, quatro estações, desmontando a suposta felicidade do texto da cartilha a partir do desmonte das vidas de seus personagens.
Excetuando os poucos momentos em que a voz da menina Cláudia assume a narrativa com seu olhar infantil, a obra é pungente. Me fez sentir como seria a vida das crianças negras nos EUA na última metade do século passado. Os recursos linguisticos e a poética é excelente. Senti apenas pelo tom determinista da narrativa.
Norma de Souza Lopes



Coração à venda



Quando li esse poema alguns dias atrás me impressionou a força com que ele entrou em mim. Na hora não soube porque mas tratei de investigar

Conversando com Ricardo Aleixo na última OficinaPALAVRA FALANTE: O JOGO DA POESIA contava sobre  meus últimos arroubos poéticos e recebi dele uma suave recomendação de não dividir com quem não tem interesse pelas mesmas coisas. Na hora me lembrei do poema e hoje percebo que a pessoa que o eu-lirico aponta sou eu

CORAÇÃO

Algumas pessoas vendem o sangue. Você vende o coração.
 
Era isso ou a alma.
O difícil é tirar a porcaria lá de dentro.
Uma espécie de torção, como tirar da concha uma ostra,
sua coluna um punho,
e então, upa! ei-lo em sua boca.
Você se vira parcialmente do avesso
como uma anêmona do mar tossindo uma pedra.
Há um chape curto, o ruído alto
de entranhas de peixe caindo num balde,
e lá está ele, um imenso coágulo brilhante vermelho-escuro
do passado ainda vivo, inteiro no prato.

Passam-no ao redor. É escorregadio. Derrubam-no,
mas também o experimentam. Áspero demais, um diz. Salgado demais.
Azedo demais, diz outro, fazendo careta.
Cada um é um gourmet momentâneo,
e você fica ali ouvindo tudo isso
no canto, como um garçom recém-contratado,
a mão reservada e competente na ferida escondida
no fundo da camisa e do peito,
timidamente, sem coração.



(Poema de Margaret Atwood, aqui na tradução de Adriana Lisboa)


Logo que comecei a escrever levava meus poemas para parentes e amigos apreciarem. Isso para mim era como tirar do peito o coração. A postura de garçom, esperando aprovação também era a minha.
Da maioria escutava "não gosto desse tipo de poesia", "você precisa ser mais universal, tá muito mulher", " é muito intimista"  " por que não diz de um jeito mais simples" e outros comentários do gênero.
Acabei restringindo minhas demonstrações de poesias a espaços onde, se alguém lê, não comenta. E quando comenta fala mais de si que do que eu escrevo. Uma fala exposta também a julgamentos. A maioria evita isso. E eu gosto. 
Escrevo por absoluta necessidade. Não é algo a que eu possa me furtar. Sei que ainda preciso melhorar muito mas prefiro aqueles que contribuem comigo mostrando a poesia que faz, falando sobre o seu processo produtivo. Qualquer tradução do que escrevo é particular e individual. Cada um lê o quer ou é capaz de ler. Toda poesia é boa para algum leitor. 
Apesar de aprendermos na escola (de maneira errada diga-se) que quadrinhas são poesias primárias conheço gente que ama ler quadrinhas, conheço gente velha nessa estrada da poesia que se diverte escrevendo quadrinhas.  A questão não é qual poesia, mas para quem.
Fiquei pensando nisso no sábado quando recebi de Bruno Brum seus livros. Eu estava comprando seu coração e sabia disso. Como será que ele se sentia? Será que ele também era o garçom?
Não posso dizer que deixei de ser o garçom do poema de Margaret Atwood. Ainda estou aqui com essa cara de paisagem, cobrindo elegantemente a ferida do peito com as mãos. A sorte é que agora tenho predecessores delicados a me mostrar gentilmente o caminho. Obrigada Ricardo Aleixo pela recomendação e  pelo cuidado com que nos passa conceitos tão preciosos como corpor e voz, música, harmonia, partitura etc. Obrigada Bruno Brum pela poesia, Mariana Botelho pela identidade poética, Paulo da Luz Moreira pela habilidade como prosador, e tantos outros que ainda não se materializaram diante de mim mas que, por causa dessa maravilhosa interatividade, tenho conversado um pouco. 
Mesmo que eu não volte a falar sobre isso com vocês quero deixar registado que estão contribuindo para minha constituição como poeta. 

Norma de Souza Lopes

Contando um segredo: por que fazer resenhas de livros

Se eu resenhasse tudo que leio não sobrava tempo nem para comer.
Resposta vaga, não é?
Bom então ai vai algo mais consistente.
Ensinei meus irmãos a gostar de livros e agora tento ensinar meus filhos de um jeito bem peculiar. Pego o livro ou cito-o em uma conversa. Começo falando sobre algo que me intrigou, um efeito inusitado que a leitura me tenha provocado. Falo isso em tom de segredo, como se aquilo não pudesse ser dito em voz alta ou fosse algo que apenas eu sei. Assim como essas citações orais, minhas resenhas escritas tem o mesmo tom.
Não há quem não se sinta curioso diante de segredos. Invariavelmente meu interlocutor vai buscar o tal segredo no livro. Talvez ele não resista às primeiras páginas de leitura, por que a curiosidade é menor que o esforço de leitura. Mas quando ele consegue, volta me contanto outros segredos, coisas que descobriu sozinho, sem minhas sugestões. E isso é fantástico. Vale o trabalho de qualquer resenha.
Levar uma pessoa a ler não é algo que ganhei na profissão de professora, como eu já disse eu já fazia isso antes, nos idos da década de oitenta, quando eu e meus irmãos atravessávamos o bairro Mantiqueira para ir até a biblioteca ambulante do SESC. Mas só agora compreendo por que sempre fiz isso.
Desde pequena me admirava com o que os livros faziam comigo. Me faziam ver onde eu estava e onde poderia chegar. Cedo descobri que o que valia era SER  HUMANO, com tudo o que isso implica. Gerou em mim uma crença no poder absoluto da literatura para formar seres humanos. 
E é por isso que venho tentando apresentar as pessoas aos livros e a sedução que eles representam.
Quanto aos meus irmãos e filhos a coisa vem funcionando bem. Suponho que aqui no blog/facebook também. 80% dos 241 amigos com quem compartilho informações foram ou são meus alunos. Como professora tenho essa tarefa de formar leitores. Se 20% deles se deixarem convencer estamos aí com uns vinte leitores formados. Isso somado ao grande números de amigos leitores que tenho deve elevar umas dezenas nesse número. Parece ser pouco mas, para quem estava tentando alcançar umas cinco pessoas, estou fazendo muito.
E se minhas convicções acerca da literatura estiverem certas, acho que estou fazendo o mundo um pouco melhor.

Norma de Souza Lopes