Não há glamour em saber que o nome foi inspirado em uma máquina de costura (assim me contou meu pai). Mas há a obstinação em encarnar a potência , maquinar a costura do real, acoplar o corpo e ferro e produzir o mundo.
domingo, 14 de dezembro de 2025
quarta-feira, 10 de dezembro de 2025
No Seminário 7, Lacan lê seu gesto como a fidelidade ao desejo, essa força que nenhuma norma consegue domesticar. Para ele, Antígona não é heroína moral, ela é sujeito do seu desejo, ou seja, alguém que vai até o limite da linguagem para sustentar o que a move. Já Hegel via nos atos dela o embate entre duas éticas legítimas: a da cidade (Creonte) e a da família (Antígona). Judith Butler, mais tarde, enxergou corpos e amores que não cabem nas leis do parentesco: aqueles cuja dor e luto não são reconhecidos pelo poder.
Ouvi-la surgir em nossa roda me fez pensar mais detidamente em Antígona, e em como a peça não é apenas mito, mas modo de existir. Ela encarna o instante em que o sujeito atravessa o circuito do medo (FEAR): esse afeto que, como lembra Jaak Panksepp, paralisa, submete e se move em direção ao cuidado (CARE) e ao luto (GRIEF), os afetos que fundam o vínculo e a compaixão. Antígona não obedece por medo; ela age por desejo, sustentando a dor e o amor como forças políticas.
Talvez o que nos comova tanto em sua história seja justamente isso: a coragem de perder tudo sem perder a si, de transformar o medo em gesto ético. No fundo, toda vez que alguém sustenta um ato de amor, de criação ou de resistência contra o peso da norma, Antígona ressurge; devolvendo ao humano a potência de cuidar, desejar e viver mesmo diante do desamparo.
Não se é linguistas e poeta impunemente. Tou aqui observando o “For Mei” desses óculos e pensando na situação do recém formado brasileiro. Uma pesquisa recentes do Semesp mostra que 29,5% dos recém-formados ainda não conseguiram o primeiro emprego. É a primeira vez que temos tantos recém-formados fora do mercado de trabalho. O levantamento do Semesp/Workalove aponta que em que cursos como História, Relações Internacionais e Serviço Social esses números chegam a quase 30% de egressos sem atividade remunerada. Os dados não mentem: estamos formando pessoas para um mercado que não as quer.
Esses óculos tão divertidos parecem me dizer
“Parabéns pelo diploma, agora abra seu MEI.” A celebração da formatura se mistura à exigência de virar empresa de si mesmo, porque a carteira assinada , essa ficção de estabilidade, encolheu até caber num slogan.
Há uma ironia silenciosa: o óculos feito para olhar o futuro expõe, na verdade, a precarização do presente. Um país que escreve “for mei”, mas entrega “MEI”. Um país que empurra os jovens para fora do país ou para a autonomia compulsória, quando o que eles queriam, no fundo, era só trabalhar nas profissões para as quais estudaram recebendo salários dignos.
terça-feira, 9 de dezembro de 2025
desespero
o endereço da infância
num papel que ninguém lê
no conforto do encontro
corpo
erótico
afeto
encosto para não cair
cobertas curtas não cobrem meu medo
o abandono pendula
nas palavras de mamãe
- vós que aprendi cedo demais -
a sentença antiga
-todos somos sós
só os bichos ficam -
afeto sem juiz
um pássaro branco pinga sangue
a menina pede socorro
duas feridas abertas
onde antes havia voo
"foi meu amigo que jogou pedras"
- amigos não ferem - precisei dizer
sua mão em meus cabelos ancora o presente
a cidade continua rodando fora do quarto
desejo pede espaço
permanecer
não deve
custar
o movimento
quarta-feira, 8 de outubro de 2025
a dignidade das coisas que não desistem
que caem dos ipês
estendido na calçada
como quem descansava
esperando um corpo
não estava torto
só um pouco sujo
solto ali
com a dignidade
pendurado no nada dizendo
"ainda sei sustentar"
junto com as roupas doadas
os panos de prato
do seu sorriso
ao encontrar um brinquedo inteiro
um chinelo de par imaginário
uma blusa quase nova
a carne, a verdura quase boa
sustentei a recusa
afinal há todos os cabides
e o cabide?
oferecido
sábado, 4 de outubro de 2025
A visibilidade é uma armadilha
“A visibilidade é uma armadilha”, escreveu Foucault, e eu sinto essa frase reverberar em mim como uma sentença paradoxal. Quero ser vista, mas o desejo de visibilidade se confunde com o medo de ser reduzida ao olhar do outro. Quando apareço, estou sujeita a interpretações, julgamentos, distorções. Quando desapareço, sinto-me abandonada, sem prova de existência.
Carrego um medo antigo de me tornar invisível — trauma que nasce na infância, quando a ausência de atenção parecia significar inexistência. A criança que fui ainda grita: “olhem para mim”. E a adulta que sou percebe que esse grito pode me aprisionar em redes de aprovação e exposição.
Na vida e nas relações, oscilo entre a entrega plena e o receio de me apagar. Ser presença não é apenas ocupar espaço físico ou digital, mas afetar e ser afetada. Às vezes me pergunto: qual é a medida justa entre estar presente e não me perder no reflexo dos outros?
Nas redes sociais, esse dilema ganha contornos cruéis. Ali, cada aparição é vigilância, cada silêncio é esquecimento. É como se eu tivesse que performar presença para não desaparecer, mesmo quando o desejo seria recolher-me. O algoritmo, tal como o panóptico de Foucault, captura meu desejo de ser reconhecida e o devolve em doses que nunca bastam.
Estou aqui hoje pensando que minha luta é por um lugar onde a visibilidade não seja prisão, mas escolha. Onde a presença não dependa de curtidas nem de olhares furtivos, mas da potência de estar em relação com autenticidade. Talvez a saída seja deslocar o foco: não perguntar o quanto me veem, mas o quanto eu consigo me ver sem me esconder, onde sou vista sem performar, o quanto posso existir inteira sem precisar da vitrine. E não é por acaso que esse post esteja sendo ilustrado pela foto recortada pelo olhar da amada @ana2018carolina, alguém que vem me proporcionando a mais maravilhosa experiência de se deixar ver e de me fazer sentir vista. Obrigada amor ♥️
terça-feira, 16 de setembro de 2025
qual a melhor medida do amor?
há isso
— todo o tempo
que gastei
para ser
isso que chamo EU —
e há
a mulher
que me escolheu:
ela me ama,
cruza a cidade ao vento,
vê pela manhã
eu me vestir
dormir
dançar
comer
sorrir
ela me vê.
e nisso pulsa, inteiro,
em meu peito aberto
amor verdadeiro
domingo, 7 de setembro de 2025
Pinguins
ah, a alegria dos começos
e o esforço do primeiro verso
(o que veio primeiro?)
podia dizer da sua intenção
de me enxergar
na prateleira
e dizer: venha
quando eu já tinha decidido escolher
teve sua disposição
de encarar a gangue de amigos
aquele sorriso
(parava fácil a afonso pena inteira),
a decisão de ficar
o primeiro beijo,
o cheiro cítrico de flores no quarto
em seus cabelos,
no travesseiro
(calcinhas perdidas nos pés da cama),
os lençóis guardando suas curvas,
as marcas de suas águas –
ah, suas águas sobre mim
a despeito do acordo
terapêutico
dramático
“não vai se apaixonar tão rápido” ou
“quatro encontros antes da cama”
de cara eu te oferecia o pijama
e cabia tão lindo em você
a ingenuidade da promessa
de explorar a casa
só pra nos colocar em fuga
(droga de retorno surpresa)
o mundo cabe inteiro no espaço
entre suas covinhas
quando você sorri
saudade é a palavra
que multiplicamos
cem vezes nas nossas vozes
(duzentas vezes nos áudios de whatsapp),
na distância, nas mensagens
e há a calma que mora
nos nossos encontros,
na posição de conforto para dormir,
seu corpo em repouso
e o ronronar
que virou
minha canção de ninar
e que não ouso interromper
carrego seu nome desde a infância:
a menina bonita
da classe do fundamental
se eu fosse menos nietzschiana
chamava de destino
o que estamos construindo
há medo, confesso,
mas também há a paz
e a ausência de drama
por isso aposto todo dia
é cedo, eu sei
mas vou te desenhar
um casal
de pinguins
e te convidar:
vem viver par em mim
sexta-feira, 25 de julho de 2025
atlas de um corpo em exílio
a pele ainda fala dialetos extintos
mesmo sob o céu limpo
onde o silêncio é idioma oficial
há uma rachadura invisível
atravessando o chão
de mármore das bibliotecas
e é por ela que minha sombra escapa
deitada em páginas onde nunca fui escrita
cada rua sem buzina
é um espelho de aço
refletindo o grito
que eu segurei
no vômito
tudo é respeitável
e esse excesso me afoga
ausência de barulho
acentua o ruído que trago nos ossos
sou a viajante
o passaporte carimbado de ausência
o nome riscado de dentro
uma mulher que caminha em inglês
e sangra em português
não há corpo que migre
sem carregar suas ruínas embutidas
prótese de um amor
historicamente mutilado no abusivo
arquivo em segundo plano
processando-se
mesmo quando a janela principal mostra montanhas
minha alegria tem cláusulas de contenção
sorrio com legenda:
“isto não é amor, é costume”
o exílio não é o país:
é o gesto automático
de pedir desculpas
por existir com mais volume
do que me permitiram
no banco da praia
às margens do Pacífico
ensaio a minha revolução
não é sonora
não é coreografada
não é instagramável
é meu corpo se recusando a se curvar
quando há atraso para amá-lo
livros me olham com ternura estrangeira
imigrante de mim
aprendo a andar descalça
sobre os gramados
que não pedem desculpa por crescer
a pergunta não é mais quem me feriu
mas:
quem em mim
continua a ofertar flor
ao punho que esmaga
minha liberdade tem sotaque
as botas pesadas do meu perdão
escrevo
devagar, em letras minúsculas,
um novo tratado:
não serei o altar de nenhuma
falta de escolha
nem sílaba que se dobra
em qualquer sentença
as mão firmes com os quais
finalmente escrevo
em exílio, sim
mas em alfabetização
aprendendo a dizer
não
sem precisar me traduzir
sexta-feira, 11 de julho de 2025
pra te ver por inteiro
é cedo
e o mundo
ainda não acontece
nem uma xícara vazia
nem o sol na janela
mas tua lembrança
já ocupa meu pulso
dormi na promessa
sonhei teus olhos de paz
teu colo, um país morno
onde quero pousar
meu cansaço
da banal violência do mundo
escrevo
pra acordar o dia
e ouvir tua voz
mas aqui dentro
acalento
o desejo manso
de te ver por inteiro
deslizando
no meu pra sempre
domingo, 6 de julho de 2025
manual de contenção para almas em erupção
e o que vem depois da erupção?
a lava esfria.
silencia o chão.
dizem que vira pedra,
que endurece.
mas ninguém vê
o que brota de dentro.
o que queimava,
agora, terra preta,
abriga raiz.
do fogo contido
nasce terra fértil.
é tão triste perder o vulcão,
mesmo sabendo
das florestas.
sábado, 31 de maio de 2025
Isso aqui é pra quem já teve medo…
Mas escolheu amar mesmo assim.
Vem comigo, mulher…
Esquece o medo, bota no bolso
Coragem é salto alto no asfalto grosso
É cicatriz que vira tatuagem
É flor que brota em plena estiagem
Minha alma tem batida, minha pele é tambor
Não corro da vida, corro pro amor
Não vim pra ser sombra, eu sou miragem
Visão rara no deserto da coragem
Segue o fluxo, sem retrovisor
No peito, bússola que aponta pro amor
Caminho de estrela, brilho sem pudor
Encontros assim… não rolam toda hora, demorô
Amar é trapézio sem redes
É voar mesmo ouvindo as pedras
É dizer “sim” no meio do caos
É escrever poesia de correria pro sarau
Coração meu não bate, ele rima
Verso quente, fogo que anima
Quem me ama me encontra inteira
Não sou metade, sou tempestade e bandeira
Segue o fluxo, sem retrovisor
No peito, bússola que aponta pro amor
mulher do norte caminho de estrela, brilho sem pudor
Encontros assim… não rolam toda hora, demorô
Não foge do fogo, sente o calor
A vida é agora, sem ensaiador
Entre o medo e o pulo: escolhe o ardor
No escuro do mundo, eu sou refletor
Segue o fluxo, sem retrovisor
No peito, bússola que aponta pro amor
Caminho de estrela, brilho sem pudor
Encontros assim… não rolam toda hora, demorô
sábado, 19 de abril de 2025
antes de amanhã
há uma dobra no tempo
entre o voo e o chão
uma brisa que hesita
antes de ser vento
meu corpo é chama
e espera
com todas as perguntas abertas
como janelas que não querem fechar
desde já gozo
a alegria do seu toque
cheiro e desejo
vem —
mas vem real,
com o que houver de amor e verdade
no bolso
domingo, 13 de abril de 2025
Oração da Entrega Serena
Que eu não me esqueça, no meio da chama, de que sou também a guardiã do fogo.
Que o desejo me aqueça, mas não me queime.
Que a paixão me ilumine, mas não me cegue.
Que eu celebre cada gesto de ternura,
sem esquecer de olhar para as raízes.
Que eu receba com alegria o que me é dado,
mas que eu não me perca na espera do que ainda não chegou.
Que eu reconheça a beleza deste encontro,
como se reconhece a beleza de uma flor rara: com encantamento, sim,
mas também com o cuidado de quem rega todos os dias,
sem pressa de vê-la desabrochar.
Que eu saiba ouvir as palavras doces,
mas que eu preste atenção aos silêncios.
Que o amor que eu ofereço volte para mim em dobro:
não apenas nas promessas,
mas nas escolhas diárias.
Que eu não diminua meu brilho para caber no sonho de ninguém,
mas que eu encontre quem escolha caminhar ao lado da minha luz.
E que, se este for o amor que merece morada,
ele permaneça — não porque eu o prenda,
mas porque ele queira ficar.
Assim seja.
sexta-feira, 11 de abril de 2025
Voltando pra casa
Antes mesmo de você chegar, eu já tinha falado de você pra eles. E foi como se eles já te conhecessem. Sabem do teu sorriso, como se tivessem te visto de perto. Sabem do jeito que a tua presença me acende, como se tivessem sentido calor da sua chegada. Quando você atravessar a porta, amor, não vai ser visita — já vai ser de casa. Porque assim, quem faz bem pra mim, vira bem pra eles também. Fica morando na memória da gente como coisa boa, como benção da vida. E eu tenho certeza que, quando você chegar, eles vão sorrir daquele jeito de quem já sabia… Você acabou de chegar, mas é amor antigo, você está só voltando pra casa.
terça-feira, 8 de abril de 2025
condensação
desnorte
teu nome tatuado
mordida de fruto vivo
caroço em labareda
pico, abismo,
deslizo:
sou o carro-luz
furando o escuro das tuas coxas
queimando as faixas da cidade
não rezo
engulo, mastigo
minha língua, tua oração pagã
te imagino: pequena, vulcão de bolso
implosão portátil
teus “sim” pingando no terço sujo dos meus dedos
febril
encharcada
estilhaço de tua fome atravessando minha pele
não durmo
arquitetando teu corpo no escuro
coleciono teu gozo
como quem rouba mapas de tesouro
e queima as rotas depois
te penso
e o mundo evapora.
segunda-feira, 7 de abril de 2025
Cartografia da Espera
Mesmo quando a pressa aperta o peito, há algo de bonito em esperar.
O afeto também é construção lenta, como um jardim em pleno outono, repletos de jasmins. Afeto que não teme o frio da noite,
porque sabe: a seiva já corre por dentro, invisível aos olhos apressados.
A distância é assim também — parece um vácuo, mas na verdade, é solo fértil.
Entre nós, há quilômetros que não sabem medir o que cresce em silêncio.
O que é um mapa, diante da bússola que carrego no peito?
Sigo, instintiva, como raiz que atravessa pedra, buscando umidade no subterrâneo do tempo.
Algumas presenças chegam miúdas, como sementes levadas pelo vento,
mas se instalam fundo, criando espaço onde antes havia só ausência.
De longe, você me habita como quem mora nas frestas do dia,
no intervalo entre as tarefas, na curva mais calma do pensamento.
Hoje, o que eu tenho é essa alegria silenciosa:
sentir que, mesmo sem tocar sua pele, seu nome faz morada nas minhas rotinas.
Que existe uma dança secreta entre nossos dias, uma correspondência que o mundo não vê.
E que as boas histórias, aquelas que valem ser vividas,
sempre encontram o caminho — mesmo quando as estradas se perdem,
mesmo quando a geografia parece não ajudar.
Há rotas que só o coração conhece.
segunda-feira, 31 de março de 2025
cifrado
tua boca
soletra em mim
o idioma viscoso da pele
cada carícia
reconjuga verbos extintos
no feminino plural
no escuro, inventamos ficções
nossos corpos narram
em línguas censuradas
mestres na arte
de fraturar sintaxes
dedos decifram
o alfabeto da espinha
amar é possível
com a língua e os dedos
no sulco hermético
dos mapas
ocultos do corpo
segunda-feira, 24 de março de 2025
De vidro
não é mais carne que se aproxima
é corte —
com rugas de cetim e dentes de açúcar
carrego um deserto em meus ouvidos
e elas vêm
com orações rotas
conchas quebradas
e uma pressa de se espelhar no que não fui
convidam
para encenar o pacto
os olhos cheios de nódulos
libido em mutação
gestos à míngua —
dançam em torno da fogueira do não dito
a língua enrolada no próprio umbigo
estou só
nem por isso exijo resgate
subo o galho mais torto da árvore
e faço dele meu altar
respiro entre líquens
acendo fósforos em minha própria boca.
desaprendi a gramática dos pedidos
inabitável
para quem só conhece o mapa
das carências urgentes
gozo negar a repetição
tranco a casa e a alma
os pés sujos do afeto doente
já não amo como quem implora
agora
acendo velas para deuses que não existem
e invento
a minha
liturgia
sábado, 8 de março de 2025
Ser mulher
Ser mulher é ocupar espaço em um mundo que tantas vezes tentou nos conter. É transformar dor em potência, medo em coragem, silêncio em voz. É carregar histórias no corpo, no olhar, no riso.
Ser mulher é dança e resistência. É saber que a mudança acontece no movimento – na arte, no trabalho, nas ruas, no amor, na liberdade de ser quem somos sem pedir permissão. É desafiar padrões, reconstruir narrativas, criar novos caminhos para quem vem depois.
Hoje é dia de lembrar que não somos apenas uma data: somos todas as mulheres que vieram antes de nós e todas as que ainda virão. Somos a força que não recua, a beleza que não se limita, o futuro que não se apaga.
Que nosso passo seja firme, que nossa voz seja alta, que nossa presença seja inegável. Porque ser mulher é existir em potência todos os dias.
terça-feira, 25 de fevereiro de 2025
promessa
haveremos de nos lembrar
entre beijos
de todo desejo
que nascerá
naquela mirada
minha cabeça
levemente erguida
entre suas coxas
quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025
Secção
seja bem-vinda.
tome um café, fique à vontade.
entre meus dedos
minha língua
mas abrir a porta
não solta os dentes.
o que fica, quando se vai
é o gosto do café
a colher, parada dentro da caneca
Nem o nome resiste na boca
só o gosto do café
sei o que fazer.
sem som, sem explosão
cortes secos me habitam
do outro lado, ninguém se move
ou vira estátua
ou poeira
ou nada
quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025
Desvio
Disse "apaixonada com", e riram.
Se diz "por", afirmaram,
o certo é cair em si,
amor tem direção,
feito seta, destino,
um porquê bem amarrado.
Tropeço entre preposições e promessas,
confundo léxico e laço,
sou mulher de soltar verbos no vento
e amar sem gramática.
As coisas se movem no escuro,
aves que ninguém vê.
O tempo afunda sem alarde,
a vida que era minha, espalhada
pelas ruas onde não estou.
Apaixonada com
manhãs que abrem as janelas,
café quente que escorre a saudade,
livros que não terminam em ponto final,
dança dos dias sem ensaio,
a vida, que me quer
sem correção.
A casa cheia de vento.
Meus filhos, constelações distantes,
presenças ausentes
se acomodam na mobília,
nas cadeiras que já não arrastam no chão.
Eu os fiz inteiros,
frutas esperando a faca,
o miolo dos melões,
branco, intacto, intocado,
agora longe de minhas mãos.
Quem me amaria com toda a minha força?
Quem me tomaria com a mesma fúria
com que a água arrebata os barcos?
As marés não voltam para buscar o que deixam,
os pássaros não voltam, os pássaros.
Ser aberto é um fato, mas dói.
Preciso manter-me intacta,
fruto no galho,
a escuridão no ventre dos melões.
Fui despida, entregue,
e agora restam essas mãos
vazias na câmera escura,
prendendo fitas que ninguém mais verá.
A literatura que me toca –
o grotesco, erótico,
o belo que arde estranho, imperfeito,
o perturbador em fogo baixo.
O desejo de consumir,
ser consumida no amor,
romances que sejam porto,
e naufrágio.
O imperfeito que pede a boca, os dentes.
Delírios manuscritos.
Na escrita – me perder, me encontrar.
Ser abismos e claridade.
Sou eu quem traduz febres em palavras,
quem dança com o que falta,
quem faz do erro um lume.
Não amo só por,
amo com—
com pele, riso e fome,
com tudo que me faz errar
e, ainda assim, existir.
Quem aguenta o amor,
esse animal ferido,
essa fome sem cura?
segunda-feira, 27 de janeiro de 2025
Vigília
Daí de onde me vês,
sou forte, vigorosa,
mas durmo tão pouco.
Vem comigo,
mas só se velar
minha sesta
ao meio-dia,
depois das refeições.
No sono, entrego.
Entrego vulnerabilidades.
És capaz, amor,
de me ver dormir
sem temer
que eu precise
mais que o suficiente
de você?
Não temas
eu mesmo cuido
do que dorme em mim
zelo pelo que me falta.
sexta-feira, 24 de janeiro de 2025
Vulnerável
triste como um bebê
abandonado sozinho no berço
pensava que era saudades
mas era sono
sinto muito, Ana
ontem contava
uma banalidade sobre nós
e percebi que esqueci seu nome
o rosto, aos poucos
vai se apagando
estão de volta os tempos
de navios
e poesia
tanta potência não colabora
é preciso estar vulnerável
para ser amada
entra-se na paixão pensando
"desse jeito é a primeira vez"
mas raro mesmo
é se lambuzar
da própria vida
terça-feira, 7 de janeiro de 2025
Seios
Somos mamíferos porque carregamos o poder de nutrir estampado no peito. Sem pudor, a ciência diz: as glândulas mamárias se organizam em lóbulos, ductos, auréola. Matéria-prima para o primeiro sustento. Mas nos sonhos, esses mesmos seios projetam outras tramas - a mística do toque, o aconchego ancestral, a delícia de alimentar e ser alimentada.
Em um cochilo, me vislumbrei amamentando amamentando em alguém e acordei perplexa. Lá, no território onírico, o peito era fonte generosa, guardava promessa de vida e de prazer; um gesto tão simples e íntimo que, no entanto, carrega séculos de mitos, tabus e contradições. Em outras paragens, recordo que a galáxia em que flutuamos chama-se Via Láctea "caminho de leite". Do grego gála, somos amarrados a esse "suco de peito" que nos abraça como espécie, lançando o cheiro doce do passado.
No meu poema (ver De mim ninguém sai com fome p. 75), escancaro as entranhas do mamilo, a textura e a cor, o poder de gozo, a fronteira entre o sacro e o profano. É curioso como a tal "civilização" permite aos homens exibirem seus mamilos impunemente, enquanto as mulheres são proibidas de ostentar o seu. E, assim, nossas culturas seguem vingativas — penalizam quem ousa mostrar a fonte geradora de vida.
Talvez seja essa força paradoxal que faz dos seios um emblema de tanto fascínio e repressão. Neles, cabem nutrição, erotismo, política e sonho, entrelaçados numa trama corporal e simbólica. A força dos seios no imaginário não é só biológica: é a nossa herança, a nossa maneira de existir e de criar - gerando leite, poemas e galáxias inteiras.
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quarta-feira, 1 de janeiro de 2025
Orquestra de luz
a meia-noite sussurra
please, please, please,
meu susto hesita
na pólvora dos teus olhos
será bom
que anjos orquestrem
meus medos?
declaro ao céu
riscado de luz
não somos mais as mesmas
não há nada
do que se envergonhar
nem nada a temer
as horas tecem seu trabalho
vestes de prata
e acontecimento


