o caminho de casa
até o trabalho
à pé
não estava torto
só um pouco sujo
solto ali
com a dignidade
em outubro as calçadas
ficam cobertas pelas flores
que caem dos ipês
que caem dos ipês
e hoje havia um cabide
estendido na calçada
como quem descansava
estendido na calçada
como quem descansava
dos ombros
esperando um corpo
esperando um corpo
não estava torto
só um pouco sujo
solto ali
com a dignidade
das coisas que não desistem
pendurado no nada dizendo
"ainda sei sustentar"
e o cabide?
pendurado no nada dizendo
"ainda sei sustentar"
mamãe
a primeira ambientalista
que conheci - teria,
sem titubear - catado
colocado no braço
junto com as roupas doadas
os panos de prato
junto com as roupas doadas
os panos de prato
lavado na bacia
onde lavava roupas
as pernas em volta
nos domingos de sol
hesitei, pois sei
de minhas gavetas cheias
lembrei do laranja do uniforme
da SLU
de tudo que vinha do lixo
do seu sorriso
ao encontrar um brinquedo inteiro
um chinelo de par imaginário
do seu sorriso
ao encontrar um brinquedo inteiro
um chinelo de par imaginário
(ou só as correias)
uma blusa quase nova
a carne, a verdura quase boa
uma blusa quase nova
a carne, a verdura quase boa
mamãe ainda é
a colecionadora
de pequenas sobras
sombras de indignidades
sustentei a recusa
afinal há todos os cabides
sustentei a recusa
afinal há todos os cabides
há roupas demais
em meu armário
e há essa nova fase
azul bebê - cor
de lágrimas
da maciez
e do silêncio
e o cabide?
será que continua
quieto
oferecido
oferecido
na calçada?
será que resiste
à fome limpa,
à sólida escassez
do mundo?
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