Durante a oficina Desvendando Afetos, no Instituto Abrapalavra, uma das participantes evocou Antígona, e a referência me fez voltar à obra. Me lembrei dessa mulher que desafiou o decreto do rei para enterrar o irmão e de como esse ato ainda nos interpela hoje, quando o medo parece ser o afeto que sustenta o laço social. Em O circuito dos afetos, Vladimir Safatle diz que o medo foi o sentimento político fundador da modernidade, o cimento que uniu os corpos pela ameaça e pela obediência. Antígona rompe esse circuito. Ela é o corpo que não teme a punição, a palavra que insiste no impossível: amar e cuidar mesmo quando a lei proíbe.
No Seminário 7, Lacan lê seu gesto como a fidelidade ao desejo, essa força que nenhuma norma consegue domesticar. Para ele, Antígona não é heroína moral, ela é sujeito do seu desejo, ou seja, alguém que vai até o limite da linguagem para sustentar o que a move. Já Hegel via nos atos dela o embate entre duas éticas legítimas: a da cidade (Creonte) e a da família (Antígona). Judith Butler, mais tarde, enxergou corpos e amores que não cabem nas leis do parentesco: aqueles cuja dor e luto não são reconhecidos pelo poder.
Ouvi-la surgir em nossa roda me fez pensar mais detidamente em Antígona, e em como a peça não é apenas mito, mas modo de existir. Ela encarna o instante em que o sujeito atravessa o circuito do medo (FEAR): esse afeto que, como lembra Jaak Panksepp, paralisa, submete e se move em direção ao cuidado (CARE) e ao luto (GRIEF), os afetos que fundam o vínculo e a compaixão. Antígona não obedece por medo; ela age por desejo, sustentando a dor e o amor como forças políticas.
Talvez o que nos comova tanto em sua história seja justamente isso: a coragem de perder tudo sem perder a si, de transformar o medo em gesto ético. No fundo, toda vez que alguém sustenta um ato de amor, de criação ou de resistência contra o peso da norma, Antígona ressurge; devolvendo ao humano a potência de cuidar, desejar e viver mesmo diante do desamparo.

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