sábado, 20 de novembro de 2010

Sobre memórias, calças e modas


Às vésperas de meus quarenta anos posso afirmar que já passei por mais de vinte modelos de calças diferentes. Apesar da obscuridade da década de 70 (nasci em 71 e só me lembro de fragmentos dessa década) sei que vesti muita Us Top que, ao contrário das roupas de nycron da época, desbotava e perdia o vinco. Eu era muito pequena para entender por que uma calça azul e desbotada poderia me dar liberdade, mas acreditava na propaganda que cantava as maravilhas do índigo blue.
Estas calças, de um jeans duro e encorpado, fazia com que eu, uma menina miúda e descabelada, me sentisse gente grande e bem vestida. Me lembro de uma ocasião em que minha mãe me vestiu assim para tirar foto 3X4 para documentos (não me pergunte a importância de uma calça jeans numa foto 3X4, não sei responder). Nós caminhávamos pela rua até chegar a loja de fotografias, e minha mãe conversava comigo. Essa é uma das poucas ocasiões em que me lembro de minha mãe conversando comigo como adulta. Nada me tirava a impressão que era por causa das tais calças Us Top.
A década de 80 com suas calças baggy, semibaggy e  calça balão faziam com que eu e minhas amigas corrêssemos  para os camelôs afim de comprar cópias da Fórum e da Zoomp, nos esforçando para parecer mais chic. A inflação galopante e a falta de grana geral fazia com que nós e praticamente todos os office-boys da cidade nos desdóbrassemos para ter um ou outro exemplar original. Comprávamos tudo em seis prestações sem juros.
Na década de noventa as saint tropez, cigarretes e as leggings seguiram marcando nossos corpos esculturais e às vezes até delineando corpos não tão esculturais. Essas calças lisas, escovadas, lixadas e  rasgadas acabaram evoluindo até chegar no que temos hoje: as cinturas baixas. 
Passei essa última década esperando desesperadamente pelo fim da moda das cinturas baixas. Suspeito  que minha antipatia por esse modelo se deve à forma que meu corpo foi tomando nos últimos trinta anos. Intimamente me alegro toda vez que vejo alguém afirmar que as moças dessa geração não tem cintura porque usaram demais as calças de cintura baixa. Se eu ainda tivesse cintura poderia até emitir um sonoro bem-feito para essas mocinhas que revelam até os  pêlos pubianos acima dos zíperes de suas "antifits". Inveja à parte, me recuso a radicalizar como algumas amigas softs que espremem seus largos quadris dentro desse vestuário. 
Por não aderir a essa moda passei a ultima década torcendo para que as passarelas subissem a cintura das calças e emplacassem algo mais adequado para os manequins quarenta e quatro. Vibrei quando a Fernanda Lima, no papel de Maria Bô, de Pé na jaca, começou a expor sua figura com calças de cintura alta. Não preciso ser noveleira de plantão para saber o quanto as novela são laboratórios de moda. Estava certa que as próximas coleções me atenderiam.
No entanto minha surpresa foi muito grande ao perceber que ao invés das cintura subirem, desceram os gaviões. A calça saruel, em voga entre homens e mulheres atualmente, seguiu na contramão do que eu esperava. Tudo bem que a maioria dos jovens na casa dos vinte usam e acham bonito. Mas tente vestir uma saruel quarenta e quatro. O tosco modelito nos cai como tão bem como fraldas. 
Não sei porque ligo. Sou uma intelectual quarentona que já leu todos os frankfurtianos e conhece os efeitos maléficos da indústria da moda. Posso muito bem bem vestir um sári confortável e me sentir bem livre dos tentáculos da mass media. Mas o que pega é essa saudosa referência do anos oitenta. Tenho me sentido tentada a trazer a memória tudo que me trouxe alegria naquela década. E as calças cintura alta era uma delas. 

Norma de Souza Lopes

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