sábado, 18 de agosto de 2018

Chuva e dez quilômetros de trânsito engarrafado. Não devia mas um carro nessa hora é uma caixa onde enterro meu tempo, enterro inclusive a necessidade de concluir o romance, ou novela, não sei ao certo pois são apenas  cem paginas. 
Isso por que sempre que escrevo apago um terço. Acho tudo muito ruim. E deve ser mesmo. 
Esse ruído arranhado do bloco de notas virtual nem de longe alcança o claque claque claque da máquina de escrever. Taí, posso colocar na conta dessa  ausência a falta de escrita  em prosa em minha vida.
Há tempos quero deixar de escrever poesia. Mas envelheçer parece vir junto com a propriedade e o desejo de falar sempre menos. Uma voz dentro da cabeça repetindo "não vale a pena dizer". Ou é isso ou são os remédios. Essa é a mesma voz que repete o enfastio diante do mundo e todos os seus assuntos, o enfastio   diante de toda possibilidade de criar algo, como se tudo já tivesse sido inventado, como se o mundo fosse apenas uma cápsula reverberando o mesmo, ad infinitum.
Gosto dos sintomas da mania por muitas coisas mas me deixa constrangida a verborragia, aquela explosão que me faz emendar uma frase atrás da outra sem trégua. Daí a sensação de que a poesia e sua concisão ser o lugar de equilíbrio.
Sei que se começasse apenas contando o que deixei para trás, por vontade ou obrigação, daria uma bela história. Mas fatos não são histórias. É preciso saber contar e eu temo estar tão viciada em fracasso, perdas e autocomiseração que se escrevesse sobre isso criaria uma história ordinária. 
Posso passar horas assim, dando vazão ao fluxo do pensamento, navegando no nonsense mas tenho no imaginário um leitor modelo que não curte essa fruição, tampouco a descrição excessiva. Meu leitor modelo abandonaria o "Pêndulo de Foucault"  na página cento e nove reclamando das poucas narrativas de ação e do excesso de informação. 
Eu penso no sucesso e me lembro de duas coisas: passar no vestibular da UFMG e tirar carteira de habilitação. São narrativas de ação que dariam uma história interessante. Mas imediatamente me lembro que ainda não consegui a carteira de habilitação. O mais perto que cheguei disso foram as dez aulas pilotando moto. Isso antes de interromper por conta da internação. E a internação seria outro capítulo. Um longo capítulo contando como os hospitais psiquiátricos se tornam donos de nossas mentes e corpos. De como as frases de delírio de uma mulher em surto se parecem com poesia. 

Um comentário:

  1. Você dedilha poesia em prosa. Suas imagens são fortes e maravilhosas em sua simplicidade. Você seria capaz de escrever um romance sobre a incapacidade de se escrever um romance. E minha mania é escavar suas palavras aqui e me conectar com você para além do tempo e do espaço.

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