quinta-feira, 10 de maio de 2018

Não é muito banal -Patricia González Lópes - Tradução de Norma de Souza Lopes

Não me ensinaram a querer-me
me ensinaram o que há de se fazer para ser querida
me ensinaram a ser objeto de prazer ou do contrário ser uma inútil
me ensinaram a ser desejada
a querer ser mercadoria
me ensinaram a mostrar as pernas
sou a que disponho um grito na rua
me ensinaram que a bondade é dizer sim
que dizer não é um jogo de menina
que sou responsável pela vontade do psicopata
eles me ensinaram a levar a culpa pela minha primeira violação,
e que meu trauma é a absolvição da segunda
o assédio não é tanto se a criança está sofrendo
o estuprador é menos estuprador se foi uma criança abusada
que talvez eu goste um pouco de ser manuseada
Se a violação é coletiva, é porque eu quero uma festa
Sou culpada do estado analfabeto
da comédia que é algum oficial virgem que não entende
de esvaziamento corporal
culpada pela solidão estrutural da minha alma
culpada de ter apreendido a submissão como respeito
culpada pela vergonha
de pedir ajuda
talvez eu queira sofrer
talvez eu mereça uma porrada
algo terei feito
Sou a culpada, sou a culpada, sou a culpada
por crer que não vai passar
nunca mais, que vai se desculpar
Sou habitante da falocracia
Me ensinaram a me vender para o maior lance
pelo que pelo menos me pague café
me de um teto, que me convide para o jantar
me foda
me pegue
que queira continuar me pegando
que me queira só para ele
que me celebre, que grite comigo, que me quebre, que me envolva,
que me proíba me sujigue me mate
sempre por paixão.

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