sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Reencontro

A casa estava cheia. Após o enterro, amigos e parentes vagaram entre os cômodos e não demonstraram interesse em partir. Conversavam até a alta madrugada sobre o falecido, sobre a fragilidade da vida, sobre a forma como se conheceram. Pulavam de um assunto para o outro como se o encerramento daquela conversa pusesse fim em algo maior, uma presença que eles não eram capazes de desfazer.
Enfim chegou a hora de dormir. Nenhum dos dois havia contado sobre a separação. Não acharam necessário. Não era uma pauta para aquele momento. Por isso foi natural que na divisão dos quartos os dois fossem encaminhados para um quarto com cama de casal. Não rejeitaram a ideia afim de não se enredarem em explicações. Simplesmente foram e se deitaram.
Derrotados pelo cansaço, foi fácil dormir. Mas, passadas as primeiras horas, ela acordou excitada e consciente da presença do corpo dele. Desejou que estivesse acordado também, mas não podia saber. Sua respiração não dava sinais de compasso ou descompasso.
Encostou as plantas dos pés em suas coxas, de uma maneira que poderia ter acontecido quando alguém se vira na cama. Sentiu o calor de sua perna e o desejo expandiu. Não sabe-se por causa do calor ou por estar acordado mesmo, ao cabo de alguns minutos ele afastou as pernas e tomou distancia na cama. Ela sentiu a pontada aguda da rejeição. Até que o dia amanhecesse experimentou os tremores desencadeados pelo desejo e pela fantasia do que aconteceria se ele acordasse e a tocasse. Por fim, não suportando mais, levantou, sentou-se a beirada da cama e calçou os sapatos deixados ali na noite anterior.
Ele então abriu os olhos. Perguntou se não estava cedo demais para sair da cama, com aquele olhar de quem sempre quer manter a conversa na superfície. Ela recusou-se a fazer o jogo. Contou como tinha sido aquele fragmento de noite ao seu lado. Falou do desejo de tocar e ser tocada e das fantasia que a afligiram. Falou de como se sentia confusa, uma vez que sentia que a separação havia sido a coisa mais sensata e que compreendia como o contato colocava em risco tudo que eles foram capazes de resolver sem litígios.
Enquanto falava olhava em seu rosto consternado. Ele demonstrava não ter vivido nem sombra daquilo que ela viveu aquela noite. Ele simplesmente dormira. Tentou acariciá-la, como se quisesse compensá-la pelos desejos não compartilhados à noite. Sorria confuso. Parecia não saber o que querer.
Ela entendeu que esta era a sua deixa. Desculpou-se e caminhou em direção ao banheiro. Já era manhã, tempo de voltar a sua vida. Entendeu que o desejo sempre estaria ali, imutável. Não era como uma casa ou uma mobília que se pode mudar, ou se desfazer. Aceitou isso como natural, podia viver com isso.

Quando abriu a porta do banheiro, já vestida para sair, apanhou sua bolsa sobre o criado. Ele ainda estava sentado, com as costas apoiadas à cabeceira, segurando os joelhos com as mãos. Deu-lhe um beijo na testa e deixou o quarto sem olhar para trás.

NSL
17/10/14

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