domingo, 20 de fevereiro de 2011

Cambiar

“O jarro é feito de barro moldado. O uso do jarro está no seu interior vazio (...)
 O 'ser' confere existência. O 'não-ser' confere utilidade”. 
Lao Tsé in  Tao Te King


Arrastar os móveis a sua procura me fez ver a quanto tempo estão no mesmo lugar, Gwenever. Eu também estou imóvel há tempos. Desde que associei movimento psicológico à dor passei a chafurdar na zona de conforto. Me custa mudar casa, de trabalho ou de idéia. E por isso sigo desistindo de novos projetos e rejeitando desafios. Uma covardia sem precedentes.
Mas pior que não mudar é a ausência de instinto que vejo em mim.
Elegi você minha confidente por achar que acordaria em mim aquilo que em você é essência: o impulso vivificante que movimenta na direção das necessidades. Como um réptil, gostaria de reagir para minha sobrevivência sem cólera e sem culpa. 
Uma lagartixa sente culpa, Gwenever?
Estou certa que não!
Tenho feito escolhas pensando no melhor para o outro. Te contei daquela viagem em que cedi meu lugar no carro porque o cinto de segurança do outro passageiro não funcionava? Naquele momento pensei que, mesmo sobrevivendo a um acidente, não sobreviveria à culpa de ter escolhido estar em segurança enquanto o outro corria riscos. Hoje penso que essa escolha revela a falta do instinto de sobrevivência.
Nos últimos dias cedi meu lugar para outros por duas vezes no trabalho. Escolhas semelhantes às do caso do cinto de segurança. Faço essas escolhas por que formatei um modelo mental na contramão do egoísmo e da conseqüente rejeição. Trata-se de um modelo que busca me proteger do isolamento e da solidão, sentimentos que temo como a morte. Elas também refletem minha imobilidade psicológica, minha preguiça existêncial.
Busquei proteção na coletividade mas esse modelo já cumpriu seu papel. Me tirou do poço amargo e bélico que foi  minha infância e adolescência.  
Quero outro modelo, Gwen. 
Desejo instalar em mim aquele estado de espírito que sempre me tirou do lugar no passado. Basta focar em algum objetivo altaneiro para tomar distância desses competidores do meu cotidiano. Uma coletividade que não compreende o valor do ganha-ganha não me serve. Sempre entrego de mim meu melhor e arrisco ficar sem nada. Está na hora de mudar de bando, de beber em outras fontes.
Mas não se preocupe, Gwenever,levo você comigo onde for.


Norma de Souza Lopes



Um comentário:

  1. Minha querida irmã pará de pegar carona,ainda mais com o cinto estragado,compre um carro novo e só leve quem te ama dessa forma vc jamais estará sozinha se é que vc me entende!!!quem gosta de vc estará sempre contigo!!!bjs

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