Ela trabalhava para ele há dois anos. Cinco anos mais jovem que ele, recém-saída da adolescência, não podia vê-lo como homem. Ele era apenas o patrão. Um bom patrão diga-se de passagem, que dava presentes, perdoava faltas e atrasos, mas patrão.
Seu trabalho era cuidar da casa e da comida. Ela gostava. No entanto, retribuía o cuidado do patrão se prestando às vezes como secretária, office-girl e até mesmo contadora. Era boa em economia.
Nos dois anos compartilhados tinha executado bem seu trabalho. Tratava o patrão com cuidado e lidava bem com a ida e vinda de amigos, amantes e parentes. Todos gostavam dela. Não invejavam a empregada. Apenas gostavam.
Ele de sua parte tratava-a com deferência. Dava presente no dia da secretária, no dia do contador, no aniversário. Era um tratamento especial, mas sem arroubos familiares. Havia uma distância segura.
Até pedir aquela arrumação.
Percebeu que seu armário estava desorganizado e pediu que ela reorganizasse, limpasse e tudo mais. Ela não se aborreceu. Nada tão difícil de fazer.
No meio do trabalho no entanto se deparou com um caixa de sapatos repleta de cartas devolvidas pelo correio. Olhou o remetente. Era o patrão. Como estavam abertas postou-se em pose de lótus no chão e pôs-se a ler.
Em meia hora já havia lido metade das cartas. Chorava.
Elas apresentavam diante de si um patrão apaixonado por uma tal Luíza que obviamente nunca recebeu o amor daquelas missivas.
A total falta de reservas das cartas fez com que ela flutuasse em sentimos diversos. " Tenho ficado parado olhando você de longe e a imagem de sua pele branca, completamente nua, coberta apenas com os cabelos de deixa com vontade de te cheirar, beijar, lamber, tocar, alisar, massagear. Tenho vontade de me fundir a você. " ou ainda " " recebi seu abraço de despedida e só posso dizer que foi maravilhoso. Cada vez que você passa os braços em volta de mim é como se eu fosse derreter".
Ela não conseguia parar de ler. Surpreendia-se por nunca ter visto no patrão aquela capacidade avassaladora de amar. " Não me sinto muito orgulhoso de mim, essas cartas são o reflexo da minha covardia. No entanto, depois que você vai embora essa parece ser a única forma de manter a sensação de sua presença viva em mim".
Percebeu que era tarde. O patrão iria chegar e ela tinha que guardar tudo. Quando ele chegou não conseguiu evitar o rubor no rosto. Olhava sua face e via, translúcida, a capacidade incomensurável de amar. Passou a amá-lo.
Ansiava sua chegada. Ciumava a presença de todos. Suspirava em sua presença.
Demorou três meses para que ele percebesse. Perguntou o que havia acontecido. Depois de uma gagueira instantânea resolver contar. Estava apaixonada por ele e não podia mais trabalhar ali, por que o sentimento a estava consumindo. Ele pareceu perplexo.
Saiu sem se despedir e duas horas depois, de volta, disse que concordava com a sua saída. Também havia sofrido assim e se afastar do amor impossível tinha sido a melhor coisa que fez. Apagou nela a centelha de esperança de que o romance pudesse um dia acontecer.
Ela arrumou suas coisa e ele se ofereceu para levá-la à rodoviária. Voltaria para a casa dos pais. Seguiram em silencio até a porta do ônibus. Na despedida ela alisou a roupa sem saber o que fazer com as mãos. Sentiu-se bonita naquela roupa.
Ele a olhou longamente, segurou seu rosto, beijou seus lábios, disse adeus e boa sorte. Da janela do ônibus ela pode vê-lo arrancando o carro e indo embora. Pensou em lhe enviar cartas de amor.
Norma de Souza Lopes
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