terça-feira, 11 de janeiro de 2011

NEVRÁLGICO

imagem do google




O pai fora-se. Mas sua presença ficou no filho.
No começo era apenas aquela saudade doída do amor que partiu por não saber ficar.
Ellie se ajoelhava e pedia a Deus que arrancasse de seu coração aquele espinho lancinante. Passou a repetir uma oração para repelir a dor. “Eu vou esquecê-lo e ser feliz”.  Como uma viciada que se abstêm do uso Ellie sofria. Usava a oração como um mantra balsâmico: “Eu vou esquecê-lo e ser feliz”.
Assim foram os primeiros meses. O filho, depois de completar um ano passou a seguir o roteiro dos infantes. Andou. Falou. Controlou os esfíncteres. No seu rosto Ellie vislumbrava sombras do pai.
No primeiro um ano o pai só aparecia nos sonhos de Ellie. Sonhos deslumbrantes do tempo em que se amavam. Dos momentos que conseguiram se amar sem se destruir.
No segundo ano escolheu outro homem por companheiro. Casou-se novamente, teve filhos e pensou finalmente ter esquecido as dores e alegrias do amor pregresso.
Mas o filho crescido não permitiu que Ellie esquecesse. Tomou feições do pai na imagem e no caráter. Era como tê-lo de volta em casa.
Aquilo fora difícil de suportar. A cada palavra, a cada gesto do filho Ellie era invadida por um mal-estar insondável. Não identificava de onde. Passou a sentir raiva do filho.
Afastava-se dele em casa. Evitava conversa. Mantinha uma distância tão concreta que a família quase vislumbrava o muro entre os dois.
O garoto sofria. Não entendia de onde vinha a rejeição. Sentiu-se tão só que passou a procurar pelo pai. Soube que ele estava casado e que não tinha filhos. A mulher era estéril. Aproximou-se vagarosamente do casal e, talvez pela falta de filhos, foi acolhido afoitamente. Desfrutava com ele passeios, viagens, festas. Tudo que um adolescente normal poderia querer.
Dividia com o pai cada nova descoberta. Eram cúmplices. Ellie assistia irada aquela aproximação. Brigava ainda mais com o filho. “Como pode amá-lo?” “Ele nos abandonou.”
O filho via sua incapacidade de perdoar. Não titubeou quando veio o convite do pai: “Quer morar conosco?” Escolheu o pai.
E Ellie perdeu novamente. Novamente teve que conviver com a dor lancinante da rejeição.

Norma de Souza Lopes

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