domingo, 31 de agosto de 2014

para não falar de fugas

dói e ainda morro diante da notícia de assassinatos de pobre, preto e índio  

me pego suando sob um espremedor para moer uma mandioca fazendo um escondidinho de carne

desejo ir novamente até jacaraípe para ver uma baleia jubarte dando saltos diante de um arco-íris como se compreendesse o quanto de sonho espero dela 

dou aulas sobre Riobaldo e Diadorim e de como eles encenam a história do bem, do mau e do mundo 

três horas da manhã e eu ainda não posso dormir de tão contente, estou de volta

NSL
28/08/14


Transitar fora e dentro do mundo com leveza é coisa para poucos. Circular por um mundo recheado da intromissão do outro, ou do grande Outro como quer a psicanálise é tarefa difícil para quem não tem o espirito endurecido. De um lado clamores nietzscheanos para que amemos o mundo tal qual ele é, abraçar o acaso a moda de Espinoza. De outro os idealistas  nos convocam continuamente á luta para mudar o mundo. Talvez o certo seja este caminhar claudicante, como quem salta pedras em um rio, tentando sempre achar o caminho do meio entre um e outro, sem, no entanto, nunca livrar-se  da sensação ser incompetente tanto em um quanto em outro. 

NSL
31/08/14

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

vadios

um único dia
assim é a vida 
de uma mulher
(é o que nos dizia 
madame wolf)

no black mirror
os números chamam
todo dia tem show

alarmes inúteis
aqui dentro 
o tempo segue 
em slow


Segundo a medicina, falado especificamente das bactérias, as adaptadas são as que mais matam. São chamadas de superbactérias porque superam aos ataques dos atitibióticos e permanecem vivas.


São super assim como um superesportistas, superoficiais, supergirls e superboys, supermodelos, superman superiores, superwoman. São super porque são adaptadas. O são porque resistem a doses altíssimas de medicamento e são capazes de mudar a própria estrutura. Mas elas quase sempre matam os organismos onde se instalam. Matam por que alimentam-se do fracasso desses organismos vivos para desenvolver a própria cepa. Não que haja uma ética bacteriológica, é simples código de sobrevivência.


O dicionário Michaelis define adaptado como tornado apto, acomodado, ajustado.São palavras que não parecem combinar com o exercício de luta desses seres. Transmissão genética, transmutação de DNA não parece combinar com palavras como ajustado ou acomodado.


As bactérias que desaparecem com o tratamentos vão se deixando dizimar pelas doses normalizantes de antibióticos.

São duas horas da manhã e eu estou aqui tentando resolver essa equação difícil. Eu não sei realmente a qual cepa pertenço. Não sou nem quero ser super nada, principalmente quando isso significar fazer parte desse espetáculo tétrico que vejo por aí. Mas venho camaleonando desde o berço para sobreviver. E isso me coloca nunca condição especial.

Mas que vai ensinar esses meninos pretos de favela a mutar? Quem vai ensinar essa mulheres violentadas a mutar? Quem vai ensinar esses dependentes químicos a mutar? Quem vai ensinar esses homosexuais timidos a mutar? Quem vai ensinar essas familias se teto, sem terra a mutar? E tantos outros que eu não posso me lembrar?

Eu estou isolada, mas isso não me impede de crer que cepas inteirar irão se levantar mutante, outro ser, o homos empoderados, e mostrar que não trata-se de ser super mas de ser humano.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

encruzilhadas


não há nada
só a impossibilidade de voltar

quisera repetir Rimbaud
mas comecei tão tarde


sair cena implica
em estar dentro demais
de mim

para suportar
este lirismo escolar
deveria bastar
o canto do passarinho
no pé de amoreira
no entanto
são cantos de fome
ou acasalamento

tudo esvaziou-se
e em breve
o fio da poesia
romperá
serão dias
de liberdade

NSL
26/08/14



sábado, 23 de agosto de 2014

melancólicas

estilingue
tiro ao alvo
bugalha
malha 
berimbau

e eu com essas pedras melancólicas  
de Drummond
e de Cabral 

NSL
23/08/14



quinta-feira, 21 de agosto de 2014

tanto filme de 36
e só 4 fotos
a vida continua
mas é uma ladeira 
de pedra escorregadia
em tiradentes
meus sonhos 
produzem poemas
melhores que os meus 

NSL
21/08/14

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

foco

vê aquela pedra na ponta da linha de anzol lá no fio de alta tensão
e a outra ponta aqui perto da janela desse apartamento?
podia se um tênis, um bibelô desses herdados de minha mãe
mas é uma pedra
é a pedra que eu guardava de uma viagem que fiz a são josé do rio preto
uma pedra lisa bonita, redonda
o anzol onde amarrei a pedra eu guardo desde uma pescaria frustrada com meu pai. 
o peixe se mexeu depois de morto e com o susto eu o deixei escapar
e sabe porque eu, como um menino que persegue pipas emaranhadas nos fios, lancei uma pedra no fio de alta tensão?
tudo isso se deu por que eu não suporto mais olhar para mim
não aguento mais sondar cada dor, cada memória como se fossem uma respostam para minha infelicidade
quero passar dias mirando aquela pedra
pensando em tudo que ela é e eu não sou
quero abstrair-me de mim em favor daquela pedra preta e roliça que eu recolhi em são josé do rio preto no ano de 1992 

NSL
20/08/14



terça-feira, 19 de agosto de 2014

Para chegar a praça Sete, o caminho que eu faço parte da Estação Lagoinha. Caminho até a praça Rio Branco e penso muito.Pensar muito é meu defeito de fábrica.  Me pergunto como é que pode uma pessoa levantar-se um dia e ir embora, deixar emprego família, filhos e finar-se no mundo. Conheço muita gente que fez isso. Dói como queimadura em quem fica.
Tem gente que, apesar da repulsa, fica. Mas faz da vida de todo mundo algo tão infernal que nem valia a pena ter ficado. 
Porém há casos piores. Conheci um cara que não teve coragem de ir mas se enforcou com uma toalha no banheiro. Se é difícil  recuperar-se de um abandono, imagine disso. 
É, escolher entre o eu e o outro é muito difícil.
Sigo pela Afonso Pena. Há muita gente no Centro. E eles se movem alucinadamente.
Não consigo abandonar o desejo de pará-los e perguntar:  
__Correr para quê se o destino é a morte? 
Posso ver em seus rostos, estão todos na superfície, ainda conseguem um pouco de ar. Só eu vivo esse afogamento continuo que nunca me deixa esquecer: vivemos sob o controle de um sistema econômico selvagem, sustentado pela miséria de muitos, pela psicologia do consumo e a obsolescência programada, cujo controle é feito pela mídia, estado e policia e cujo ideário é uma normatividade moralista e burguesa que não dá brecha para minoria. Penso isso o tempo todo. O tempo todo. O tempo todo.
Na praça Sete tem Duelo de MC's. Muita gente. Mas é diferente. No palco uma batalha de palavras me faz arrepiar. O pensamento muda de lugar. Os braços para cima. O Hoo e a rima me faz emergir. Em volta a fumaça rola solta. Mas eu consigo respirar.
E depois que acaba desço a Amazonas até a praça da Estação. Prefiro esse caminho para voltar para casa. 

NSL
19/08/14

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

caríssimo doutor

caríssimo doutor 
vejo em meu horizonte 
uma coisa muito séria 
é tanta adaptação
e tanto  remédio
que vou acabar virando
uma superbactéria

NSL
18/08/14




Pretérito Imperfeito

A gente se sentava às bordas das casas à noite porque naquele tempo não havia calçada, só uma terra vermelha, um pó fino nas épocas secas e muita lama em épocas de chuva, o que era apropriado para o jogo de finca e de bolinhas de gude. 
Oito,  nove garotos, algumas meninas, mais garotos que garotas. Eu estava sempre no meio. Ter irmãos meninos me abria algumas portas. Tratávamos de tudo, apelidar os adultos,  aulas de Nuncgaku (pau de vassoura amarrado com barbante), cobra de meia na rua, histórias de terror, salada mista, tamanco de lata, perna de pau, carrinho de rolimã.
Então eu me pego contando isso e parece que todas as ocasiões em que brinquei em minha infância cabem num único pacote. Me pergunto porque contamos o passado assim como se ele fosse  um pretérito imperfeito que se repetiu infindáveis vezes, quando a maioria das coisas aconteceram apenas uma vez. 
O fato de você me emprestar as revistas do Fantasma  é um exemplo. Quantas vezes você fez isso realmente? Parece que foi a minha infância toda. Mas será mesmo? E quantas vezes nos realmente brincamos juntos, viajamos juntos, conversamos sobre fotografia? 
E o pior, de maneira bilateral nos relacionamos depois de jovens. Eu, como de costume, amando mais. O amor acabou e você me fez lembrar o dia em que mandou uma carta de amor colada dentro de uma das revistas, fato do qual em nem me lembrava. E eu fico aqui tentando catalogar a memória, lembrar qual revista, lembrar que palavras de amor seriam essas. Não me perdoo por ter ignorado a maldita carta na infância. É como se ela sozinha pudesse ter interrompido todas as minhas outras trágicas histórias de amor.

NSL
18/08/14

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

quando era pequena
me desensinaram a brincar
por isso não esperem
que eu escreva um poema dadá

NSL
14/08/14

Eu fico olhando esse seu cabelo curto, Harano, e fico indignada. Além de baterem, prenderem, ainda cortam o cabelo? Sei o que significa o ai, ai, ai da sua mãe, a dona Helena. Como proteger se é preciso deixar livre? 
Fico imaginando você  no Deic, lendo Cavaleiros do Zodíacos. Sabia que meu filho aprendeu um tanto sobre luta, respeito ao próximo, amizade, cordialidade, honra, generosidade  e sabedoria no Cavaleiros do Zodíaco?
É preciso lutar. Estive muito tempo lutando em escolas, salas de aula, tentando resgatar uma sociologia, uma filosofia e uma ética soterrada pelos resquícios da ditadura. É preciso, ao modo de Paulo Freire, levar aos alunos uma educação humanizadora. Mas há uma  roda dentada movida pelo primordialmente pelo Banco Mundial, que nos atropela em forma de avaliações, prazos, planilhas, desvalorização e trabalho burocrático que me deixou muito doente. 
Não que eu tenha deixado de lutar. Fui a algumas manifestações, ergui algumas bandeiras, ainda ajudo financeiramente algumas brigadas pela internet. Mas estou realmente muito doente. 
Acredito em você. Acredito em você de um jeito curioso. Crer em jovens como você, a Elisa Quadros e em tantos outros é com estar enviando meu último  Qi ("氣") para que vocês tenha forças para lutar contra esse mundo onde a valor econômico significa mais que seres humanos. 
Ontem Morreu Robin Williams. Acho que ele não estava gostando muito do mundo como ele está. Mas também morreu Nicolau Sevcenko. Apesar de ser historiador e ao contrário de Williams, Sevcenko era otimista acerca do mundo. Numa dessas conversas acerca do mal estar com o mundo globalizado perguntaram a ele:
__ Resta-nos o suicídio?
Ao que ele respondeu como era de costume:
___ Uau! Oh não! Espero que seja um grande gesto de amor à vida, amor ao ser humano, lutar contra princípios que se colocam a frente do ser humano, à frente da natureza e à frente das relações harmoniosas entre os seres. 
Para mim parece claro que você Harano, também opta pelo legado de Sevcenko e sua crença em outro mundo. Eu de minha parte continuo enviando Qi's. 

NSL
14/08/14




quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Sussurros

Certa vez ouvi contar a história sobre uma criança abandonada, acho que da Françoise Dolto, uma psicanalista de criança, que me impressionou muito. 
Trata-se da história de uma crianças foi deixada em um abrigo por sua mãe sem nenhuma explicação ou documento. Ela tinha dois anos mas parecia ter nove meses. Anoréxica, olhos embaçados, tez seca e rachada, sempre urinada, coriza abundante e lágrimas, muitas lágrimas. Ela parecia ser uma criança inacessível. Já levava em si um ar de louca. 
Um dia uma das cuidadoras, acho que a própria Dolto,  começou a sussurrar coisas no ouvido da criança. Dizia que ela tinha escolhido viver, e que era ela que escolhia, por amor a sua mãe que a havia rejeitado, ser rejeitável por todo mundo para que todo mundo fosse como sua mãe. Sussurrava ainda que sua mãe a havia rejeitado para que pelo menos uma delas tivesse a chance de ser feliz. E essa poderia ser ela.
Esses sussurros pareciam surtir efeito sobre a criança, uma vez que ela começou a olhar, sorrir, comer, ganhar peso, ficar limpa. A criança demonstrou um desenvolvimento memorável nos anos seguintes.
Esta história me faz pensar no valor daqueles sussurros. 
Crianças precisam de sussurros que nomeiem um mundo seguro, até que elas mesmas possam emitir os próprios sussurros,circulando por esse mundo inseguro que temos por aí. Ou até que elas possam fazer poesia, simulacros de sussurros que acalmam ou atormentam a alma.

NSL
13/08/14

terça-feira, 12 de agosto de 2014

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Em outubro ele faz vinte. E sempre me pareceu muito feliz. Acho a alegria dele tão preciosa que acabo facilitando sua vida, protegendo-a como quem guarda uma pequena brasa.  Isso causou alguns estragos. Nada que a própria vida não se encarregue de corrigir. 
Gosta de conversar sobre tudo, fazer perguntas, sondar primeiro antes de viver. Lembro-me de uma vez que ele me fez descrever como seria um beijo por mais de meia hora sem nunca demonstrar estar satisfeito com as respostas. Mandei ele ir viver. Ele não me deu alternativas.
Conversávamos hoje sobre os rumos que sua vida vai tomar e ele parecia preocupado com as mudanças. Disse para não se preocupar pois as coisas costumam dar certo para caras como ele. Ele me pediu para explicar. Decidi usar a mim mesma como exemplo numa alegoria na qual uma criança sofre uma queda enquanto corre. 
__ Suponha que sou uma menina que está correndo e brincando. Então esta menina sofre uma queda grande o suficiente para ralar os joelhos e sangrar. Sou o tipo de menina que fica no chão chorando, soterrada pelo ressentindo com a queda. A vida não costuma ser boa para meninas assim. Já você é alguém que cairia, avaliaria o sangue nos joelhos ensaiaria o choro, olharia os colegas correndo à sua frente, desistiria do choro e continuaria correndo. Com esse tipo de menino a vida costuma ser muito generosa. 
Ele riu e perguntou se sempre haveria a queda, se não dava para evitá-la. Não expliquei muito, acho que ele já sabia a resposta. Sempre haverá uma queda. Não fez nem uma pergunta sobre meninas que ficam chorando no chão. Isso ele já sabe. Desde que nasceu assiste ao triste espetáculo em que tento afastar os escombros e me levantar. 

NSL
11/08/14

domingo, 10 de agosto de 2014

rastros

Emudeci quando você perguntou
como eu me sentia estando tão bonita
a garota sarada das aulas de natação
mas 1993 vai longe
e isto não é um fato
é um  rastro no hipocampo

matamos um dia inteiro de trabalho
nadando só nós na piscina universitária
nos demos aquele dia de presente
mas 1997 vai longe
e isto não é um fato
é um rastro no hipocampo

tenho 43 e um córtex vigilante
ante às artimanhas de minhas glândulas 
e suas campanhas em favor do amor  
mas me tornei paleontóloga de rastros
rastros de memória que trazem dedicatórias 
dizendo "seremos felizes para sempre"

NSL
10/08/14

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Funciona assim: o terreiro é o território dele. É lá onde fica o galinheiro, as bananeiras, o pé de mamão e parte do pé de amora (a outra parte é do vizinho). Como seu território há um contrato implícito afirmando que nas coisas do terreiro eu apenas aprecio, não decido. É claro que em questões óbvias, como no caso do galo índio, que estava matando o galo pedrês, minha sugestão valeu o galo índio à passarinho no domingo. Às vezes decido o destino dos ovos também. Mas nada mais que isso. Diria que estou mais para consul que embaixador do terreiro. 
Há coisa engenhosas lá. Ninhos suspensos, proteção de bananeiras, armadilhas. O galinheiro era frequentado por pombos que comiam a ração das galinhas. Então ele instalou uma gaiola dessas que só tem a parte de cima e começou a capturar os pombos. Cada dois pombos valiam dois quilos na casa de ração. Com isso as coisas mudaram. Ou os pombos ficaram espertos ou mudaram de ares. Vem pouco por aqui agora. A gaiola foi ficando vazia e ele resolver guardar nela as galinha chocas, até que elas perdessem o choco. Funciona bem, a julgar pela quantidade de ovos saudáveis que nosso galinheiro produz. 
Esta manhã no entanto aconteceu algo curioso. Estávamos nos dois tomando café e observando as duas galinhas chocas na gaiola quando apareceu uma pomba branca do lado de fora tentando alcançar o milho dentro da gaiola. Ele levantou-se lentamente (está com o joelho machucado de um tranco que levou outro dia) e tentou pegar a pomba. Ela obviamente voou, um voo fraco, mas longe o suficiente para estar fora de risco. Perguntei se ele queria pegá-la por que ela era branca e ele disse disse rispidamente que não. Disse que não conseguiu por causa do joelho. Estranhei a rispidez, geralmente ele não o é. Ele pareceu não ter gostado deu citar o fato da pomba ser branca. 
Continuamos ali numa conversa sobre a família de saí-andorinha  que estava frequentando o pé de amora. Ele levantou-se para pegar mais café e eu pude observar a pomba branca de volta às bordas da gaiola, tentando pegar o milho. Ela parecia fraca de fome. Tive ganas de afastar a gaiola e facilitar a chegada da pomba até o milho. Mas aquele era o território dele. 
A impossibilidade de lidar com aquilo me fez virar o pensamento. Pensei em minha reflexões acerca da sorte, do acaso. Se eu resolvesse o problema da fome daquela pomba naquele momento eu seria sua sorte. Mas e eu? Quem seria a minha sorte? O que ela estaria fazendo naquele  momento? Porque minha sorte nunca se levantava?
Isso durou pouco. Ele, o dono do terreiro, que já havia terminado seu café, levantou-se, pôs uma pequena pedra debaixo da beirada da gaiola. por onde a pomba pode entrar e comer com avidez todo o milho que havia dentro dela. 
Pensei comigo, ele é a sorte da pomba. Mas só é a sorte da pomba se nada quiser dela, se tiver facilitado sua entrada gratuitamente. Se não for mantê-la presa depois.
Contei a ele sobre minha vontade de ajudar a pomba e sobre minha surpresa com seu gesto. Chamei-o de dono da sorte da pomba. Ele riu. 
E contou-me porque fez aquilo. Ajudar uma pomba branca poderia aumentar sua sorte em ganhar na mega sena.

NSL
08/0/14

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Quem sabe o que realmente vale?

Sei tudo sobre lutar para se obter amor
sei tudo sobre correr para ser um vencedor
quase nunca funciona
se você não está disposto a mentir

Quem sabe o que realmente vale?
é preciso estar exilado no presente
dominar as estratégias de fruir o tempo
e reconciliar-se com a própria miséria

NSL
06/08/14


do azul e da restituição

nos anos em que esperei
o retorno de meu pai
eu sonhava ele voltando
e pintando as paredes
de um azul indescritível
vi um saí-andorinha
com penas dessa cor
no pé de amora, ontem
por alguns instantes
a espera doeu menos


NSL
06/08/14

terça-feira, 5 de agosto de 2014

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Clivar

Mire os espelhos
abras as duas faces
e o rosto estará partido
três prateleiras
contêineres 
capsulas
nove 
para conter
o medo
a rua
solidão
multidões
a insônia
a dor
a raiva
o irreal
a perseguição
um pouco de água
e engula tudo
feche os espelhos
e lá estará o rosto
inteiro novamente

NSL
04/08/14

domingo, 3 de agosto de 2014

Contar histórias pode ser algo bom e estranho. E com frequência esse estranhamento se acerca de mim. Gosto de contar para as crianças na biblioteca histórias da série de Niki Daly, que tem como personagem Jamela, uma menina sul-africana que vive num bairro de periferia com a mãe, a quem ela chama de Mama. Me atrai nessa série a semelhança com o nosso cotidiano, de escola de periferia. 
Jamela é esperta e sapeca, e sempre encontra soluções inusitadas para seus dilemas. Vou falar aqui de um livro que chama-se "O que tem na panela, Jamela?". A começar pela capa ele já é bom. Aparece uma ilustração maravilhosa de Jamela fugindo com uma galinha debaixo dos braços. Na história a menina recebe uma galinha para ser engordada e sacrificada no natal, o que é óbvio, ela não faz. Ao final da aventura ela acaba por ludibriar a todos e manter a galinha viva. 
O que me causa estranhamento e que enquanto eu vou contando fico lembrando das vinte e três galinhas no meu próprio terreiro, penso no sabor de uma galinha caipira e ainda assim converso com as crianças sobre a possibilidade de se ter uma galinha de estimação. 

NSL
03/08/14

sábado, 2 de agosto de 2014

é preciso confiar

é preciso confiar que o relógio corre certo
é preciso confiar que o suco de caixa está puro
é preciso confiar que o remédio é eficaz
é preciso confiar que o troco estar certo
é preciso confiar que as portas foram fechadas
é preciso confiar que o salário vem ao fim do mês
é preciso confiar que iremos acordar vivos

Podemos conferi isso a cada segundo também
mas aí vai gastar um pouco mais de vida

NSL
02/08/14


Quase todo tempo o que eu passava com ela, a tal hora de cinquenta minutos, conversávamos sobre o meu relacionamento, seus problemas e impossibilidades. Não me lembro qual corrente ela seguia, se era psicanalista, comportamental, sistêmica ou existencial. Isso não fazia a menor diferença naquela época. O certo é que para o meu caso ela parecia ser uma boa terapeuta.Eu era muito jovem, estava terminando o ensino médio (chamava-se científico naquela época) e trabalhava como doméstica. 
O tratamento terapêutico era dispendioso mais importante. Me custava uns setenta por cento do que ganhava mas garantia que eu não naufragasse no resto das questões da minha vida, principalmente estando dentro de um relacionamento abusivo e violento. No ano de noventa e três ela avisou que iria morar na Bahia e que nossas sessões iriam se encerrar. Foram seis meses de preparação para essa ruptura. Como era ano de vestibular ela me preparou um roteiro de estudo (que tenho até hoje) e me deu uma chave simbólica para o que seria a minha primeira casa individual. Foram as coisas mais significativas que alguém já tinha feito por mim até então.
Depois de sua partida deixei o trabalho, e com o acerto de contas e umas apostilas do curso objetivo de São Paulo, ganhadas da vizinha onde trabalhava, debrucei-me sobre o roteiro de estudo e ao cabo de seis meses era umas das primeiras aprovadas da Federal de Minas Gerais de noventa e quatro. A chave demorou um pouco mais. Eu a usei quando me mudei para a primeira casa que tive, no porão de minha mãe em noventa e nove. Tenho saudades de suas paredes até hoje. 

NSL
02/08/14
Poemas meus na  http://www.escritorassuicidas.com.br/edicao47_6.htm#normadesouzalopes47

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Vai ser difícil fazer isso aqui sem contar intimidades de minha família. Minha mãe não liga a mínima mas eu não gosto muito. O lance é que a professora pediu uma redação que relacione família e liberdade (ou independência, sei lá).  Redações assim me fazem pensar que tenho que lidar com lembranças. Sou bom de lembranças, apesar da minha família dizer que sou bom em inventar lembranças. Por exemplo, lembro de uma festa de aniversário com palhaço que a minha mãe diz que nunca existiu. Lembro-me de um passeio de cavalo que todo mundo jura que eu nunca fiz. 
Mas a primeira lembrança confirmada que tenho é uma visita de meu pai à casa de minha avó. Ele chorava muito e minha mãe só acenava com a cabeça. Ela conta que eu não cheguei a passar nem um ano na casa em que eles vivia juntos. Meu primeiro aniversário foi comemorado na casa de minha avó, pouco depois da mudança. Disso eu sei por foto. Havia bolo, guloseimas porém eu não eu pareço estar muito feliz no meio daquele tanto de adultos bêbados. 
Entretanto não me lembro de nada que diminuísse a felicidade na casa da minha avó, a começar por minha mãe, que parecia estar mais feliz. Além disso havia os primos, o quintal, o futebol na rua, o videogame e até as galinhas.
As lembranças que tenho da casa que vivi com minha mãe e meu pai não são muito nítidas. São como uma névoa de medo e mal estar. Trata-se de algo assustador que me repele toda vez que tento me lembrar. Minha mãe diz que me sinto assim por causa das  brigas e da violência que nós sofríamos. Diz que não vale a pena lembrar mesmo. Nesse sentido acho que se eu tivesse que falar sobre liberdade e família e falaria dos anos que morei na casa de minha avó. Foi lá que meu pai deixou de bater em mim e em minha mãe. 

NSL
01/08/14