Mudança II
Agora que moro nesta casa
de dois pisos e poucas janelas
e talvez por a casa ser meio torta
ando falando em fechar portas
e prender tramelas
Depois da dor de arrancar
de mim e das antigas paredes
tantos parafusos
prendi novamente os móveis
acabei de ler o Muro do Sartre
e agora sinto tudo firmente preso
Posso dizer que sair do lugar
e mudar já não dói tanto
mas a mania que os lugares tem
de se esvaziarem das memórias
e das pessoas está me impressionando
N.S.L.
30/01/12
30/01/12
Enfim, era só fechar a porta
Essa história vira-latas
que sempre contei rabo abanando
essa novela vai acabar
o cortiço sorridente e alegre
vai virar sepulcro caiado
só morta deixo o outro entrar
As pernas abertas da vida
o livro aberto da dor
não mereceram respeito
não receberam amor
Pam! Fecho a porta da rua
Fora! Arreganho os dentes
pé na soleira, braço no batente
nínguém entra, nem parente
Sedução, invasão e outra facas
nessa carne gauche, feia e torta
não me cortam, achei a resposta
enfim, era só fechar a porta
N.S.L.
30/01/12
Universal
Para agradar, me disseram
há que ser universal
menos mulher
menos eu
Sou como todas
mulher filha mãe trabalhadora
e disso escrevo
ainda me querem mais universal?
Norma de Souza Lopes
Sem palavras
Chega de procurar
palavras para a realidade
não se aprisiona o real num vocábulo
Acho verdade é nos cheiros do meu homem
no sabor de sua comida
e em suas carnes e toques
N.S.L.
28/01/12
Como a Adélia
acho que Deus me tirou a poesia
vejo o feio na linha
falta figura na palavra
mas insisto
que escrever também é minha sina
N.S.L.
Como falo
Se como não falo
se falo não como
como falo
sem falo
falo sem coma
ordenada coma
saída do coma
ordem nada
desordenada
29/02/12
Desarmada
Se destaco de minha boca
meus dentes, há tanto bambos
e os ponho às palmas de meus adversários
feroz não luto
pelos espólios
de míseros latifúndios
Se às vezes abro a porta
displicente e tola, e acomodo
na cama, confortáveis, os meus contrários
já não temo
sei que sendo sólida
nada será usurpado
Na boca, a lacuna vazada
não mais me envergonha
portas abertas
vampira às avessas
sem dentes
mamo melhor as tetas da verdade
vampira às avessas
sem dentes
mamo melhor as tetas da verdade
N.S.L.
Calar-se
ando subindo paredes
menos que muro
mais que porta
janelas
só às vezes
pra ver de dentro
o verde
O amor expande o tórax
jeito de arrumar o ar no peito
cerca as galinhas no terreiro
e enche a casa de presença
e cheiros
Tomei gosto pelo silêncio
converso só com poesia
N.S.L.
25/02/12
Descoisificando-me
O poder não é para ser conquistado, ele deve ser destruído.
Jen-François Brient
Minha vingança
subverter a ordem das coisas
das coisas ordenadasque eu consumo
quero ser feliz sem coisas
ser feliz sem ser coisa
N.S.L
22/02/12
Epitáfio ao mensageiro das manhãs
A poesia que havia
no canto de dois galos
deixados ao meu encargo
cessou-se
Tratei de alimentar e
saciá-los
mais um galo morreu
e não há poesia que conforte
Depois do galo morto
Não me dei pelo fato
e o odor da morte
espalhou-se pela casa
grudou em minhas narinas
o enterro sai hoje
o endereço do velório
certamente é um aterro
Não me visitem
pois estou de luto
e casa fede muito
(minhas manhãs morreram um pouco
no canto daquele galo)
Falta de pai
Na barriga de minha mãe
meu pai plantou um poema
depois que o poema nasceu
não ficou para regá-lo
Cresci daninha
sem poda nem cortes
até ter raízes fortes
e casca bem dura
Agora que já sou poesia madura
veio me adubar com palavras
Você demorou, pai
não basta a semeadura
fez falta um regalo
um corte no talo
foi quando eu era verde
N.S.L
20/02/12
Insônia
No meio da noite
o desprezo acordou-me
náusea da condescendência sutil
dos que afirmam
aprovar-me
Sua bondade
em gostar-me apesar
de todo meu orgulho
não me expande
O orgulho
espinho na carne
requer dentes à mostra
requer rejeição
visto que sustenta
o eu ilusão
plantado em mim
por meus pais
e pelo ego
deve ser arrancado
sem complacência
(Mentira
O que me acordou foi a poesia)
Norma de Souza Lopes
Entre o rio e o mar
De tudo que vi na Bahia
mais me agradou
a preta lama do manguezal
O cinza meio ambiente
de Belo Horizonte
nem de longe
tanto me comove
A miríade de seres
entre o rio, o mar e o verde
recordaram-me as águas amorosas
do pantanal de Manoel de Barros
Eu, que gosto de alaranjado
vidrei no brilho dos caranguejos
e de longe vi os turistas
dignamente
banhando-se no cheiro de enxofre
No fundo todo aquele barro
berçário de tantas vidas
lembrou minha essência
minhas raízes enterradas na lama
repletas de sedimentos
sempre entre o rio e o mar
N.S.L
05/02/12
Mensageiros da manhã
cedo a manhã me acorda
mas não vem sozinha
manda para o meu terreiro
dois galos aprendizes
que a duas semanas ensaiam
e finalmente, em uníssono
cantam o aviso matutino
_ Levante-se que as férias acabaram
é hora de trabalhar.
N.S.L
30/03/12
Revide
Me humilha
com seu falo à mostra
de raiva
desfiro a mordida
o poder
ereto e férreo
não reaje a rotura
nem emite resposta
quem de longe olha
pensa que felo
e nisso
repete a injúria
Sem problema
noutra cena
liberto a fúria
e lhe corto a aorta
com seu falo à mostra
de raiva
desfiro a mordida
o poder
ereto e férreo
não reaje a rotura
nem emite resposta
quem de longe olha
pensa que felo
e nisso
repete a injúria
Sem problema
noutra cena
liberto a fúria
e lhe corto a aorta
N.S.L
29/03/12
Risco obsceno
O rasto
marcado de piche
no tapume
deprime
Violento
o traço no muro
fere a fachada
De dentro
tento
desprezar a ofensa
e ignorar o risco
obceno
na aparência da casa
marcado de piche
no tapume
deprime
Violento
o traço no muro
fere a fachada
De dentro
tento
desprezar a ofensa
e ignorar o risco
obceno
na aparência da casa
N.S.L
23/03/12
Poema boticão
A raiva
me arranha a carne
e sorri
de fronte
quase de longe
vejo
Presa à cena
ri a raiva
fúria disfarçada
desvario
Cativa da teia
da aranha ira
escrevo
a força
arranco
o rancor
N.S.L
7/03/12
Sem Ilusões
a vida que desejo
acontece longe de mim
e essa mentira que conto
todos os dias
é a piada que tenho sido
para fazer
o outro chorar
o outro chorar
N.S.L
29/04/13