sábado, 29 de junho de 2019

PINTA-ME UMA MULHER PERIGOSA - Tatiana de la Sierra /Tradução de Norma de Souza Lopes

pinta-me uma mulher perigosa
uma que coma cobras
uma que ladre
que penteie a barba
uma mulher com a vagina violada
com as tetas caídas
uma que xingue  e goze
uma que tenha baratas aladas
ao lado da cama

pinta-me ela para eu poder mirar-me no espelho

sexta-feira, 28 de junho de 2019

Tenho que escrever um poema - Tatiana de la Tierra tradução de Norma de Souza Lopes

o dia todo tentei escrever um poema
porém tu deitaste sobre as teclas
e se apagaram as palavras
e inventaste otras`11t0
o xxxxxxxyyyhsssssssssss
`1````1` qqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqq

o computador se queixou
quando puxaste
meus cabelos 
me fizeste cócegas 
te sentaste sobre minha munheca
deixaste uma trilha
de saliva
subindo minha coluna vertebral
mordeste o mouse

tenho que escrever um   poema
por que não entendes isso?
se me deixar em paz
posso cuspir palabras
QUE TE DIGAM
DESEJO~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
PORém me segue fodendo as teclas
metes tuas  patas em meu peito
tua língua em minhas orelhas

meus dedos intentam
concentrar
porém
tuuuuuuuuuuuuuuuuu’
dizes
O POEMA ESTÁ DENTRO DE TI
deixa isso
e com teus dedos
me tira
metáfora
ritmo
sinfonia
ganas
não literárias

Poema de Cristy a Tatiana de la Tierra - Tradução de Norma de Souza Lopes


Ela me deu permissão
Ser amada ao conhecer e desconhecer meu ser
Para olhar pela janela para os carros que passam, para saborear o doce sabor de sua essência sobre a minha língua.
Ela me deu água para minhas sementes e agora as flores estão brotando da minha cabeça e do fundo dos meus pés.
Ela me deu permissão para estar segura
Para ser embalada para dormir
Ela me deu horas de calor
Envolta em seus braços, choros de criança e sonhos de criança
Ela me deu permissão para amá-la, para compartilhar em voz alta a visão de flocos de neve caindo no ar da meia-noite
Ela me deu permissão para me render suavemente e permitir em seu amor e sua capacidade de cuidar
Ela me deu permissão para ser apenas
Ela me deu, ela me deu, ela me deu, eu.


Recomendo também conhecer a obra e a biografia de Tatiana de la Tierra

Lá do https://labloga.blogspot.com/2012/08/homenaje-tatiana-de-la-tierra_5.html

domingo, 23 de junho de 2019

Não me olhe como se eu ainda fosse a mulher que me tornou essa ruína, ou se esses versos que escrevo fossem o jorro de uma torneira aberta.
Em algum lugar existe uma pequena fonte d'água, uma mina e é dela que tiro poesia.
Ser eu mesma é muito difícil. Não há placas em neon avisado qual a escolha oferece maior chances de me trazer alegria. E mesmo que ouvesse, há em mim uma essência felina que segue irracionalmente todas as luzes.
Não é como se de repente eu desistisse de viver. Há dentro de mim uma fome feroz pela vida. É ela que pede socorro quando meus monstros me dizem "acabe com tudo, você não serve para existir nessa máquina trituradora de mentes que são os dias de hoje."
Na verdade eu gostaria de flanar sozinha, dançar e ensinar literatura.  Mas tem  isso de se apaixonar e é meio que uma compulsão por interlocutor. Queria ter com quem trocar um olhar de cumplicidade quando eu sinto vontade de derreter ouvindo o poema do Jazz que a Piê fez para a mina (musa?) dela. Alguém com quem ter um tratado de paz. Alguém que não fosse uma ameaça à essa voz narcísica que me consome e que dissesse  "você está errada Norma" sem me fazer sentir a alma sequestrada. Alguém que entrasse, a despeito dessa placa em meu peito "estamos abertos mas a porta é pesada".
Veja como eu escrevo hoje, percebe como as sombras estão silenciosas? Eu me orgulho da família que construí, dos amigos que fiz e principalmente me orgulho profundamente da minha disposição para amar.  Por isso pare de se preocupar, qualquer dia desses eu acalento essa necessidade compulsiva por amor. Afinal, veja como é grande o meu amor por mim, essa imponente ruína.

quarta-feira, 19 de junho de 2019

Procuro desesperadamente uma resina que preencha essa fenda aberta em meu peito, algo que cole as imagens narcísica que nem mesmo sei quando  estilhacei, se é que fui  eu mesma que quebrei.
Olhando para fora todos parecem tão convictos de si - vejam como acredito em mim - parecem dizer.
Não encontro forças para sustentar aquele antigo pacto no qual decidimos inventar uma história, acreditar nela e vivê-la  todos os dias até que se tornasse verdade.
Era para ser divertido, Olhar nos espelhos prateados do quarto ou da sala de jantar e me admirar do quão bela me tornei. Ou olhar no espelho negro do celular e constatar que eu realmente sou muito inteligente e que minhas palavras são sábias, que meu trabalho  é fantástico e que eu  realmente domino a imagem que venho produzindo.
Não acho uma liga, nada parece ter força de resina para preencher meus buracos e tenho sido injusta com meus amigos e familiares, esperando que eles possam fazer isso por mim.
Gostaria de poder  culpar esses tempos  que parecem não mais suportar que se façamos juntos coisas íntimas como sentar-se diante  de qualquer altar e rezar silenciosamente. Ou, também em silêncio, permanecer por três minutos diante de um morro úmido de neblina.
Mas preciso ser honesta o suficiente para admitir que tudo morre antes dentro de nós. Um mundo doente só acha eco em almas enfraquecidas como a minha está agora.
Você se lembra quando, mesmo diante de toda violência e escassez, achávamos alegria  em tomar banho de chuva, caminhar entre os vales erodidos pela enxurrada. Ou quando você pegava em minha mão e attavessávamos a rua para ver a lua?
É triste sentir que dentro de mim nesse momento há uma recusa em irradiar. Calou-se aquela voz potente que dizia a todo tempo -vai melhorar.
Acho melhor tentar dormir. Somada aos efeitos de uma noite mal dormida, essa tristeza pode ser algo perigoso.

terça-feira, 18 de junho de 2019

Tem dia que eu fico brava com essa minha necessidade absurda de amor. Gostaria de ser mais plena com a minha própria estima. Mas eu amo amar minha família e meus amigos.
Tive que deixar de amar algumas pessoas e isso sempre me pareceu uma perda. Espero que eu possa continuar amando meus amigos, a despeito de todas as nossas contradições.
Quase trinta anos de análise iniciada e interrompida e algumas constatações:
- não há restituição para os nomes malditos recebidos por nossos pais. Eles não são mais os mesmos;
- se nós mesmos não nos renomearmos o mundo irá fazê-lo. E não será generoso.
- algumas metáforas para análise funcionam bem. Um poço de onde se tira pedras até chegar ao fundo, uma fonte inesgotável de onde se tira água etc. Prefiro a segunda por ter percebido que o conteúdo produzido em análise, as simbolizacões, para mim, são tão fluidas quanto a água. Sempre que penso que esbarrei em uma construção de sentido que poderia 'fechar Gestalt" ele escorregava para outro lugar. Pouquíssimos significados construídos por mim em análise se aproximaram da solidez de uma pedra e definitivamente essa construção não tem fundo em mim.
- e finalmente, sou grata a cada símbolo, fantasia, imaginário que construí ao longo desses anos. Sou uma pessoa bem menos lacunada, fragmentada e  quebrada em decorrência dos sentidos que fui construindo em análise. Apesar de provisórios eles são eficazes em preencher as minhas brechas e colar meus cacos.

domingo, 9 de junho de 2019

submissão

sorver delicada pequenos pontos
a textura arenosa da mucosa oculta
estirar os lábios com doçura
e na língua infiltrada
sentir por alguns segundos
o fluido espesso, seu corpo 
completamente prisioneiro

quinta-feira, 6 de junho de 2019

nouveauté


Alguns filmes, livros e canções  afirmam que é melhor amar, mesmo sem ser amada.  Não estou tão certa disso.
Uma mulher de quase cinquenta anos está muito consciente de seus erros. Isso não significa que está pronta para corrigi-los.
Não era tão bela que tornasse imperativo  o segundo olhar. Era uma beleza leve, lisa, túmida, gostosa de pegar.  Cultivava amores impossíveis só para não se dar ao trabalho de negociar suas crenças e valores, como  assim exigem as relações amorosas.  Mantinha como regra um simulacro de hostilidade para disfarçar o humor vulnerável. Quis lhe contar que não havia nenhum charme em odiar, mas seria inútil, não se toca em leitmotivs.
A primeira vez que morri por ela quis escrever uma carta contando porque queria desistir  do horror   desse mundo.  Sem nenhuma doçura parecia impossível continuar. Não escrevi. Não desisti.
Olhando para o passado percebo nos versos incompreensíveis daqueles dias o rastro da falta mais importante, entreguei minha poesia de graça: "quem dá o que tem a pedir vem," diria mamãe.
Cada palavra  carregava  minha força, o toque das mãos, o gesto  de escrever a alma no papel. E o que ficava para mim?
Quase morta de novo, pela enésima vez, debaixo dessa imensa sombra que o império de thanatos impôs sobre esse país,  desejaria um outro exercício, outra sintaxe, dedos longos acionando minhas cordas mais sonoras.
Queria ser capaz de me escrever uma poesia de amor tão condescendente quanto as que lhe dediquei.
Vou precisar outros livros, outros filmes, outras canções .