sábado, 24 de novembro de 2018

Fatal

Há esses átimos em que eu desligo o sensor e vejo monstros  nas paredes mofadas, corações no vapor das vidraças, elefantes em nuvens. E há essa eternidade inventando amor.

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

desencanto

eu descasco e corto uma laranja
e o sumo, indiferente aos meus esforços
escorre e por um segundo vislumbro
ali, nas gotas, o amor, a alegria, a paz
que já não existem mais

e assim a vertente
de meus desconsolos
vista de cima, em gotas
sem nenhum glamour
parece absolutamente ridícula


domingo, 4 de novembro de 2018

afogada

O pior não é ter que conviver. O que me mata é a lama de ódio que me chega aos joelhos. O ódio do outro que, por empatia, se instala em mim mesma.
Se me gritam, é uma bóia que vem tarde. Às margens do meu corpo apenas o silêncio de uma afogada.
Diante de mim essa procissão de guerreiros lutando por vantagens insignificantes ou pela palavra final.
Onde foram parar as palavras de pele e osso que me despertavam do pesadelo?
Onde foram parar aquelas alegrias que perseveravam apenas por amor a si mesmas?
Estou muito cansada. Exausta.

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

móbile

eu conheço esses tipos
que chegam e dizem
- suas pernas, olhos, dentes
me fazem feliz -
cuidam de te fazer rir
sentir-se especial
disparam essa corja
de elogios, se espalham
em seu sofá, familiar
sorriem para sua mãe

ah, eu conheço e odeio
seus pêlos a tanto tempo
entupindo o ralo do banheiro
o ruído de metal do
pequeno souvenir
- uma torre eiffel -
pendurada cópia da chave
que você lhe deu
depois de tirar de mim



terça-feira, 18 de setembro de 2018

ilha de edição

ilha de edição
[norma de souza lopes]

se bem me lembro
mamãe não costurava
lavava minuciosa o fogão
sentava à beira da bacia
e atritava entre os dedos 
a roupa, mas não costurava
e há aquilo que não me lembro
por terror ou esquecimento
com isso não insisto, invento

domingo, 16 de setembro de 2018

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

perigosos

perigosos esses poemas
que escritos
costuram fora
a mãe, o pai, os avós
perigosa é essa casa
desarrumada

terça-feira, 4 de setembro de 2018

se vir as entranhas é que acabou

assim como desfaço
as volutas de meus cabelos
o tempo embaça
minhas crenças
aquela praça
e as cicatrizes
(que não escondo mais)

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

para dizer em voz baixa

eu nem queria
melhorar o mundo
bastava uns poemas
que te incendiassem
e tornassem insuportável
a minha falta

domingo, 26 de agosto de 2018

Consigo eles eram brandos, uma conversa macia, rotineira. Conosco a língua ácida, espessa que afinal nao éramos dignos de palavra. Chegar na enfermaria era como estar-lhes roubando algo: o tempo, a atenção. Por medo de rejeição ou das grosserias  a maioria de nós evitava demandar. Poucas enfermeiras nos tratavam como pacientes. Ficava sempre a sensação de ser um esmolem.
O preço, soube depois, seiscentos reais a diária. Preço de hotel de luxo para um hospital medíocre, quartos ordinários e alimentação insossa. 
No caderno trazido pelo amigo eu anotava as impressões acerca do lugar e dos pacientes.
Era curioso como as mulheres da ala se relacionavam como se fossem velhas amigas. Como se aquele não fosse um encontro fortuito, como se quase todas não fossem desaparecer umas das outras em semanas.
Era tolice eu pensar que essa era uma característica do hospital. As pessoas vivem desaparecendo da nossa vida. Me lembrei do caso da organização da estante.
Em 2012 conheci um poeta muito bom, comprei seus livros, fui às atividades que ele realizou na cidade, tornei-me amiga etc. Segui o protocolo que estabelecemos com um colega da poesia. Alguns meses depois soube de seus abusos com a esposa e decidi romper contato.
Sei que isso deixa o leitor curioso, é justo. Todo mundo quer conhecer os segredos de alcova dos sujeitos célebres. Mas confesso que não tenho intenção de contar quem é. O que quero demonstrar e a tese de que as pessoas desaparecem e às vezes nem nos damos conta.
Voltando à organização da estante em 2016, por causa de uma mudança de casa, fui reorganizar os livros e me deparei com os livros deste poeta. Fiquei muito surpresa. Eu havia me esquecido completamente dele. Minha memória, por quatro anos, havia deletado, esquecido o homem.
Na ocasião fiquei bem impressionada. Hoje entendo completamente. É como se, por economia de afetos, permanecesse em nós apenas os amigos relevantes.
Talvez por isso  nos primeiros dias de internação me mantive tão obtusa. O corpo de enfermagem não merecia consideração, dados os maus tratos. E poucas seriam as colegas de claustro que permaneceriam.

sábado, 18 de agosto de 2018

Chuva e dez quilômetros de trânsito engarrafado. Não devia mas um carro nessa hora é uma caixa onde enterro meu tempo, enterro inclusive a necessidade de concluir o romance, ou novela, não sei ao certo pois são apenas  cem paginas. 
Isso por que sempre que escrevo apago um terço. Acho tudo muito ruim. E deve ser mesmo. 
Esse ruído arranhado do bloco de notas virtual nem de longe alcança o claque claque claque da máquina de escrever. Taí, posso colocar na conta dessa  ausência a falta de escrita  em prosa em minha vida.
Há tempos quero deixar de escrever poesia. Mas envelheçer parece vir junto com a propriedade e o desejo de falar sempre menos. Uma voz dentro da cabeça repetindo "não vale a pena dizer". Ou é isso ou são os remédios. Essa é a mesma voz que repete o enfastio diante do mundo e todos os seus assuntos, o enfastio   diante de toda possibilidade de criar algo, como se tudo já tivesse sido inventado, como se o mundo fosse apenas uma cápsula reverberando o mesmo, ad infinitum.
Gosto dos sintomas da mania por muitas coisas mas me deixa constrangida a verborragia, aquela explosão que me faz emendar uma frase atrás da outra sem trégua. Daí a sensação de que a poesia e sua concisão ser o lugar de equilíbrio.
Sei que se começasse apenas contando o que deixei para trás, por vontade ou obrigação, daria uma bela história. Mas fatos não são histórias. É preciso saber contar e eu temo estar tão viciada em fracasso, perdas e autocomiseração que se escrevesse sobre isso criaria uma história ordinária. 
Posso passar horas assim, dando vazão ao fluxo do pensamento, navegando no nonsense mas tenho no imaginário um leitor modelo que não curte essa fruição, tampouco a descrição excessiva. Meu leitor modelo abandonaria o "Pêndulo de Foucault"  na página cento e nove reclamando das poucas narrativas de ação e do excesso de informação. 
Eu penso no sucesso e me lembro de duas coisas: passar no vestibular da UFMG e tirar carteira de habilitação. São narrativas de ação que dariam uma história interessante. Mas imediatamente me lembro que ainda não consegui a carteira de habilitação. O mais perto que cheguei disso foram as dez aulas pilotando moto. Isso antes de interromper por conta da internação. E a internação seria outro capítulo. Um longo capítulo contando como os hospitais psiquiátricos se tornam donos de nossas mentes e corpos. De como as frases de delírio de uma mulher em surto se parecem com poesia. 

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

náusea

enquanto tento em vão
falar sobre  a língua estilhaçada
o ouvido estilhaçado
a mão estilhaçada
gatos dormem, indiferentes 
à máquina de produção
aos aparelhos de destruição

não há receita certeira
que garanta
quem vive ou que morre
mas, como seguir sem dor
não sendo um gato?

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

esquecer

Há que se esquecer. Esquecer é a saúde da mente. Mas há o que não se esqueçe, o que permanece como uma pequena guerrilha. Assim é para mim a infância que me lembro. Por mais que eu tenha aprendido a odiar a autocomiseração ela está aqui, guardada, indelével na forma de silêncios é a sombras,  iluminadas apenas pelo o resplendor das explosões.
Ás vezes alguma imagem atravessa o meu caminho: uma violência, uma negligência, uma fome. Lembro por exemplo de minha avó, que durante um tempo cuidou de nós para minha mãe trabalhar. Uma voz rascante e ácida  e uma vontade  férrea  de punição. As crianças da vizinhança a chamavam de bruxa. Não me lembro de vê-la sorrir, nem sei se tinha dentes. Imagens como essas me lançam no chão. Não sei onde conseguir raízes para evitar as quedas.

sábado, 28 de julho de 2018

pavimento

são eles que dizem
a mesma coisa sempre
ou eu que já ouvi demais?

tiveram aquelas pedras
sob as quais é difícil 
caminhar sem cair
isso foi uma coisa nova
ainda bem

segunda-feira, 23 de julho de 2018

lugar nenhum

são tão vulgares os passos das sombras
sobre as paredes no correr do dia
meu olhar aguçado de medo pelas ruas
a solidão desperdiçada por
incompetência em ficar só
as histórias de família, sua mixórdia

podia inventar um lugar plácido
mas os poetas já o desperdiçaram
com sua miríade de poemas
sobre o silêncio

quisera ao menos um dia
estar suspensa sobre
esses ordinários
tempo e espaço

domingo, 15 de julho de 2018

Tião, Sansão, Delírio. A gente só ri e transforma em chavão as falas mais icônicas dos bêbados do bairro. E fica se perguntando como pode uma pessoa se afogar numa poça de lama a centrimetros da porta.
Mas nunca, nunca pergunta qual é a dor que os corta.
Não pense que há uma moral nisso. Não mesmo. É que de repente me ocorreu que  talvez eles quisessem ter sua foto pendurada na parede do funcionário do mês. Talvez. 

Norma de Souza Lopes

quarta-feira, 11 de julho de 2018

dezesseis árvores

estávamos perdidas
nossa fúria sedada
no número 4766
dos basculantes milimétricos
dava para ver dezesseis árvores
a comida sem sal
o abraço morno
das cobertas lavadas
em lavanderia
um livro, uma fruta
um artesanato
executado no t.o.

trazia o melhor
dos dois mundos
a leveza do vínculo
vestida de testosterona
ninguém cuidava
mais que tu

é nem choveu
quando você foi embora
eu ia querer dizer
que o céu chorou
por que você partiu

terça-feira, 10 de julho de 2018

segunda-feira, 9 de julho de 2018

flow

era naufragar
ou boiar sem rumo
num mundo plástico
sem profundidades
onde anjos me mordem de leve

sigo imune
carregada de sombras
mas inerte
tal qual uma peça
de camile claudet



sexta-feira, 8 de junho de 2018

daquele amor

há que se falar de todo amor
presente naquela mirada
uma cabeça levemente erguida
entre as coxas


quarta-feira, 6 de junho de 2018

CONDIMENTO Verónica Peñaloza Tradução de Norma de Souza Lopes

O corpo
guarda em um frasquinho  em algum lado
a felicidade que me deste nos dias passados
para suportar um domingo como este.
Eu o destampo como se fosse um frasco de canela
eu o giro com cuidado
o miro
movo sobre a palma da mão
contemplo por um longo tempo
o fecho com nostalgia
e volto a guardar
pensando que já foi suficiente.
Porém o tempo é injusto.
Não passa meia hora
sem que queira condimentar
qualquer coisa que exista
com os ecos desse amor.

*


(Buenos Aires, Argentina, 1986)
http://emmagunst.blogspot.com/2018/06/veronica-penaloza-4-poemas-4.html
Ilustración de Alia Penner

segunda-feira, 4 de junho de 2018

não leia as instruções

Por pensar que o peso de meus lábios 
não seria pra sempre, desiste
que tenho eu ou tu com a eternidade?
tanto desejo e você, por medo, nada
te desejo um ano inteiro na prisão
das portas giratórias
você e esse coração blindado


quinta-feira, 31 de maio de 2018

afinidade

hei de olhar de joelhos
tocar com a ponta dos dedos
a sombras dessas estrelas mortas
no chão da sala

quarta-feira, 30 de maio de 2018

melt

que importa que sejam falsas
as oito batidas do meu coração
as oito batidas do seu  coração
real são essas canções que escorrem
o que em minhas pernas escorre
quando seu fogo me queima
era para aprender desde cedo
que a palavra junto
tem vinte e cinco significados


terça-feira, 29 de maio de 2018

verde é a cor do meio do arco-íris

leva tempo para perceber
que sombras e silêncio
não são presentes

ok, baby
ainda respiro
isso não quer dizer
que esteja viva

até quando
irei me nutrir do sol
em seus pensamentos?

sexta-feira, 25 de maio de 2018

impermeável

só sabem
me dizer - complexa
gastar o meus dias
sem nenhum contato

desejaria, de outro modo
quem tateasse meus abismos
sem essas alcunhas
de deusa, sexy ou musa

simples seriam
acidentes epidérmicos
gotas escorrendo
pele adentro

domingo, 20 de maio de 2018

em dias mortos também se escreve?

me reconheceram ontem
e eu só pude perguntar
porque quis estar ali?

estava bem não dormir
mas isso de não sonhar
e nem suspeitar, é insólito

disse
- minha casa
e no dia seguinte
solapei
dizer
- sei
ou
- isso é meu
se parece muito com a morte

assassino cactos
choro diante da morte de buquês
e ainda esperam que eu vingue
essa semente
a vida
confiada a mim

sábado, 19 de maio de 2018

Solutio

Ontem sonhei que me esvaia em sangue menstrual e me dei conta que guardo como segredo o fato de que há muito não sangro.
Nos ritos essênios o sangue menstrual era equiparado ao sangue de Cristo.
O sangue representa o poder  primitivo da vida, profundo psíquico para o bem e para o mal.
Mas, que maçada é sangrar inutilmente todo mês, tendo povoado o mundo, criado filhos meus e dos outros.
O que pensa uma menina de treze anos, a espera de sua menarca?
O que sente uma mulher sem filhos diante da marca da menopausa?
Fico me perguntando se, sem útero, desfiz o pacto feminino de ser deusa e bruxa. Se perdi minha alma supostamente imortal.
Prefiro crer que meu sonho aponta para uma grande virada psíquica, violenta como todo derramamento de sangue, intensa, cheia desejo e irreprimível


quarta-feira, 16 de maio de 2018

nem todo poema merece perdão
[norma de souza lopes]

me constrange que eu não possa
levar pão às  bocas famintas
cobrir os pés de meninos descalços
acolher às irmãs que sofrem desamor
combater o racismo de todo dia
contra nossos irmãos
as anciãs negligenciadas
os cães abandonados

me constrange que eu
inábil para a esgrima
esteja aqui a rezar padre-nossos
e a falar da beleza dos arrebóis

sexta-feira, 11 de maio de 2018

As coisa que nuca vou e contar - Defreds in Quase sem querer - Tradução de Norma de Souza Lopes

"Olá, essa carta nunca vai chegar até você.Seguramente nunca a lerás. Também, há coisas que nunca vou te contar. Nunca saberás que minhas canções favoritas são em castelhano , que te comprei rosas vermelhas mas não te entreguei, que morro de vontade de tirar sua roupa e que de repente o inverno aconteça.
E ainda que tu não saibas- como a canção- sempre estou atento ao que escreves. Inclusive te vi apoiada na barra de algum bar. Não digo nada, me viro e me escondo. Que naquele dia que te disse que não tinha planos , te menti. Eu mudei todos. E que quando chove, me recordo de ti. Ponho música e quasse não durmo.
Que também dizes que há coisa que são impossíveis, também o é esquecer-te."
Lá do @Cantaresdeserea

quinta-feira, 10 de maio de 2018

Não é muito banal -Patricia González Lópes - Tradução de Norma de Souza Lopes

Não me ensinaram a querer-me
me ensinaram o que há de se fazer para ser querida
me ensinaram a ser objeto de prazer ou do contrário ser uma inútil
me ensinaram a ser desejada
a querer ser mercadoria
me ensinaram a mostrar as pernas
sou a que disponho um grito na rua
me ensinaram que a bondade é dizer sim
que dizer não é um jogo de menina
que sou responsável pela vontade do psicopata
eles me ensinaram a levar a culpa pela minha primeira violação,
e que meu trauma é a absolvição da segunda
o assédio não é tanto se a criança está sofrendo
o estuprador é menos estuprador se foi uma criança abusada
que talvez eu goste um pouco de ser manuseada
Se a violação é coletiva, é porque eu quero uma festa
Sou culpada do estado analfabeto
da comédia que é algum oficial virgem que não entende
de esvaziamento corporal
culpada pela solidão estrutural da minha alma
culpada de ter apreendido a submissão como respeito
culpada pela vergonha
de pedir ajuda
talvez eu queira sofrer
talvez eu mereça uma porrada
algo terei feito
Sou a culpada, sou a culpada, sou a culpada
por crer que não vai passar
nunca mais, que vai se desculpar
Sou habitante da falocracia
Me ensinaram a me vender para o maior lance
pelo que pelo menos me pague café
me de um teto, que me convide para o jantar
me foda
me pegue
que queira continuar me pegando
que me queira só para ele
que me celebre, que grite comigo, que me quebre, que me envolva,
que me proíba me sujigue me mate
sempre por paixão.

segunda-feira, 7 de maio de 2018

Poema ruim - Marcela Matta Tadução de Norma de Souza Lopes

Amo, com este amor de mãe pois é o que sou
e te bordo lenços à mão
e te jogo essa manta que te abriga
e ponho este prato de sopa ali sobre sua mesa
e te escrevo um poema.

Amo, com este amor de puta pois é o que sou
e te levo ao inferno da noite
e enfrento a teus medos extremos
e ponho ali sobre tua cama tua maior fantasia
e te escrevo um poema.



Amo, e só posso fazê-lo
com tudo isto que sou
e não podes tomar só uma parte
e minha voz te susurra e te grita,
mais não temas,
é apenas um poema.


daqui ó http://emmagunst.blogspot.com.br/2018/05/marcela-matta-poema-malo.html

domingo, 6 de maio de 2018

balada para viver mais

no espelho
os olhos perguntam
- o que que há garota,
tanto esforço
para morrer assim?

eu sei, se perdeu
mil vezes, nunca teve 16
amava aquele lugar
mas, lembra?
sempre quis estar aqui
é uma catástrofe perceber
que o pior lugar é dentro
o fermento sempre volta
você tão só, nenhum amor
será suficiente

mas ouça, é preciso
ninar passado, essa bomba
em seu colo não precisa explodir
nem tudo é para se lembrar

pescar elogios
não vai adiantar
lugar nenhum
espera, ignora 
o despertencimento
os medos em bloco
assopra a chama
assopra

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Poema de Celina Feuerstein Tradução de Norma de Souza Lopes

Hoje me disseram que despedida é
deixar
de pedir
entendi tua ausência
de outro modo

despedir-se é lançar
como quem atira uma pedra ao ar e
também
converter-se em mineral e roda
desprendido
lançado ao vento
que move
todo o que está quieto

não nos dissemos
adeus
voamos sós
despedidos
como flechas
do centro em linha reta
cada um ao outro lado
do mundo
 
daqui ó http://emmagunst.blogspot.com.br/2018/05/celina-feuerstein-3-poemas-3.html
 

terça-feira, 1 de maio de 2018

tatoo

a vida, nessa marcha
é como um código de barras
que ainda não sei ler
(nem tudo é pra por na boca)
inapta para disfarces
mas tanto medo de sofrer

encontros flamejantes
sem reservas para o futuro
corpos, suas vicissitudes
formas, pelos e cheiros
são tão lindos de se ver

tatuada em minha alma
a voz do desejo diz
sem volta
de olhos cerrados
nessa perfumada
madrugada de pedra
posso todas as formas
de amor

sábado, 28 de abril de 2018

não em abril

eu dizia flâmulas de ouro
e fazia brotar o trigo
por alguns dias
a magia da poesia
tornava possível ser feliz

agora tenho apenas
essa ânsia de afogada
me fazendo buscar palavras
de quando acreditava
na vida simples
e para sempre

tão simples como
o tingir-se de roxo
das amoras, o passar
distraído dos dias
simulacros de alegria

esvaziam-se cômodos
pintam fachadas
as roupas doadas
não contam
daquilo que morre

espero que haja perdão
para aquela que em mim
dissipou as migalhas
deixadas ao longo da estrada

espero, pois há de vir
nessas tardes cinzas de outono
palavras mágicas
que suspendam o peso
de minhas sombras
porque a poesia
a poesia
é a minha extraordinária
história de amor

terça-feira, 24 de abril de 2018

é preciso aprender
todos os sentidos
da palavra vingar
 se amanhã de manhã
eu for capaz de colocar
um pé
adiante do outro
já terá sido suficiente

quarta-feira, 18 de abril de 2018

HOJE HOJE ESTOU TE ABANDONANDO AMOR Xela Arias - Tradução de Norma de Souza Lopes

Hoje estou te abandonando amor
Estou lá fora nas figueiras carregadas e nas águas das nuvens
mas não fui eu quem escolheu sair
um navio estranho me roubou de sua mão
me absorveu a decisão

Como ramas rio abaixo parte o meu amor
escada de perguntas
como sua boca e a minha boca abrasam
aturdida é esta distancia que que buscamos 
ainda não podemos arder
como a frágil lenha dos incêndios
dois cavalos, quatro peixes e um amieiro muito alto
tecendo desenhos movidos pelo vento

essas folhas
o suco dessas veias 

esse sangue de animal assassinado!

como partem os pássaros para o além, parte o meu amor

talvez andorinhas nos telhados possuam hoje
a palavra que não digo
mas como eles miravam 
os veleiros arrastados fugindo da tempestade
como eles pregaram nossos movimentos
seco, de uma só vez, contra as paredes!
Deserção móvel? meu amor porque te amo

terça-feira, 17 de abril de 2018

inside

se deseja ser
uma oferenda para o sol

incendeie-se
e sugue a culpa
lave-se bem
lave o cheiro de cerca
e muro, lave-se

escave um poro
por onde escapar
escave um poro
cavalo azarão
escave de joelhos
nem um passo
para fora
escave um poro
loser, não há escape
sem resposta
sem saída, gauche
escave um poro


Fadwa Souleimane Tradução de Norma de Souza Lopes

A ti
Que está me matando nesses tempos
E a quem vem me matando nesse tempo
Tempo de morte
Esse tempo

Virá esse instante quando
Olhos nos olhos
Veremos que somos nada salvo o reflexo de nosso olhar
Que diz perdão
Nada mais
perdão

Observa este perdão em meus olhos
E as veias
A  luz persiste diante de nós

domingo, 15 de abril de 2018

amanhã (republicado)

amanhã será segunda-feira
correndo tudo bem
baixo sobre mim a tampa
fazendo as contas
do advento da agricultura até aqui
é impossível impedir
a perversidade dos que tem mais
não sei ao certo
o que tenho eu com o perdedor
da vida, trago só o que arranquei à unha
do passado, a fome da infância
e eu, aquele bar 24 horas aberto
onde homens escarravam discretos
e mulheres desfilavam
o cheiro de desodorante avon
pesadelos apagaram sonhos bons
mas estar feliz ou triste é uma balança
amar a praça, a dança, o sol
não tem nada a ver com boa sorte
ganhar ou perder é questão de convicção
para que lado pende o prato
enquanto ouço esse blue
e escrevo esse poema?
e depois de amanhã será terça-feira

quarta-feira, 11 de abril de 2018

tão pouco
é já é possível prever
choro e ranger de dentes
esse zelo
em lavar os o corações envenenados
é só nosso, amor
dê-me um minuto
é que seu cheiro sugiu
potente, me rasgando
não há solução para o que não pode ser


sexta-feira, 30 de março de 2018

hava nagila

dar a luz a um avatar
costurar o fio que junta
o tempo em três pedaços
ilusão, verdade e espaço
na ponta da língua
criar um mundo respirável

escrevo esse poema
para capturar a alegria
que, a despeito desses dias
de sombra
apossou-se de mim

domingo, 25 de março de 2018

segunda-feira, 19 de março de 2018

sopro

quando se diz horas imóveis
é que o traçado dos dedos
parava o tempo
uma expedição

dançávamos 
e o demônio de nossas costas
do lado de fora
da porta

inventava palavras
a espera de criar
atmosferas leves, fôlego
à sua ávida falta de ar

quarta-feira, 14 de março de 2018

uma mulher apara as unhas

medo
desejo
algo no modo
apara as unhas
lava os cabelos

não se revele
diz a razão
mas o coração
é uma placa
num bar de streptease



terça-feira, 13 de março de 2018

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Recebi ainda há pouco a mensagem abaixo da Sally Hewett:

"It’s arrived!!! I LOVE it! I don’t understand the words but that means I can see them as something other than words - as a visual rather than an intellectual thing - and just occasionally a word I know appears - like a little gem. Thank you lovely Norma. xxx"
Para quem não conhece Sally é uma artista plástica inglesa que produz esculturas maravilhosas em costura e bordado sobre os corpos e suas o e suas vicissitudes. Adoro seu trabalho porque ela é capaz de retratar com habilidade a beleza dos corpos como eles são, longe das padronizações.  Recebi algumas críticas bem duras pela escolha da imagem da capa mas não me arrependo. Sempre fui apaixonada pelas teorias de Melanie Klein e as primeiras relações de nutrição do bebê  com o seio. Quando vi a escultura "Possible side effects", ou Possíveis efeitos colaterais" (imagem do post) pensei: "é uma maneira magnifica de representar o que quero dizer" no " De mim ninguém sai com fome" - um seio turgido, com os ductos galactóforos repletos é a ideia de poesia que quero passar.
Em 2017 conheci o trabalho dela no instagran e propuz comprar a imagem. Ela me cedeu sem custo nenhum. Enviei o livro em janeiro e agora, ler de Sally que minha poesia pode ser para ela uma "pequena joia"foi de chorar.
Recomendo que conheçam o trabalho dessa artista. É maravilhoso.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

para quando não for mais

o que fazer com a dor?
uns fazem sereias, pães
outros fazem medo
há até quem faça grades
eu teço poemas prosaicos
coloridos e palpáveis

era verão
eu não gostava
nem de verdes nem de marrons
ela, esbelta, gostava
cuidava de criar filhos
e odiar o trabalho
era certo que voltaria
para diamantina
achava belo horizonte
uma cidade de loucos

não me admira que hoje
eu faça esses poemas
magros, tão verdes
e marrons de saudades


(quase posso ver no futuro
uns poemas espessos como cerveja
vermelhos como pimenta)

Éramos

Líamos de tudo
o que tornava nossos assuntos 
ardentes e obscuros
quase intraduzíveis. 
Divertidos, ferozes, indignados
quase contentes de viver
defendíamos nossas disposições 
políticas de maneira feroz.
Demasiado verdadeiros
para sermos levados a sério.

Demorou décadas para compreender
que não vencíamos nada
o que éramos realmente
pairava naquela intercessão
do encontro.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Como você se protege de um estupro? Susan Hawthorne - Tradução de Norma de Souza Lopes

Ela lhe pergunta,
                Como você se protege de um estupro?
Ele faz silencio por um longo tempo
Diz,
                Evito ir para prisão.

Ela lhe pergunta de novo,
                Quer saber o que faço e o que evito fazer?
Ele faz silêncio de novo.
Então acena com a cabeça.

Ela diz,
                Não falo com estranhos.
                Não saio só à noite.
                Ou se faço isso tenho minhas chaves preparadas.
                Uso meus sapatos de corrida.
                Aparento saber onde vou mesmo quando não sei.

                Se saio à noite, escuto.
                Escuto os passos atrás de mim.
                Julgo seu peso, marcha.
                Considero se os passos são de mulher ou de homem.
                Tento não correr.
                Tento parecer casual.
                Ou dou a volta e olho ele nos olhos.
                O conselho é contraditório.
                Recebo aula e defesa pessoal.
                Me torno faixa preta.
                E ainda assim não me sinto segura.
             
Se eu ficar em casa, fecho todas as portas.
                 Fecho as janelas também.
                 Eu tenho um olho mágico na porta da frente do meu apartamento.
                 Quando eu saio com amigos, não bebo demais.
                 Eu não volto a um copo meio vazio / meio cheio.
                 Eu não aceito carona para casa.
                 Pego um táxi em vez disso.
                 Eu tenho luz de sensor fora da minha casa.
                 Meu cachorro está do outro lado da porta.
                 Não aceito que ninguém tire fotografia minha.

                Tem obtido sucesso?
                Não.
                Uma vez, bebi demais.
                Uma vez, aceite carona.
                Uma vez, falei com um estranho.

                E, entre minhas amigas,
                uma está casada com um estuprador.
                Uma se deu conta que seu companheiro estuprava suas filhas.
                Uma foi tocada por completo pelo vizinho quando tinha cinco anos.
                Uma foi perseguida na rua.
                Uma encontrou pornografia no computador de seu namorado.

Perguntei a elas o que faziam para se proteger de um estupro.

Uma disse:
                Não falo com estranhos.
                Não saio só à noite.
                Coloquei discagem rápida no meu celular.
                Uso meus sapatos de corrida.
                Aparento saber onde vou mesmo quando não sei.

Uma disse:
                Quando saio à noite, tenho cuidado.
                Vou por lugares bem iluminados.
                Se escuto passos atrás de mim,
                tento não correr.
                Tento parecer casual.
                Tiro o celular.
                Chamo meu amigo.

Uma disse:
                Tive aulas de defesa pessoal.
                Agora dou aulas de defesa pessoal para mulheres.
                E ainda não me sinto segura.

Uma disse:
                Tenho um cão grande, com um latido forte.
                Tenho três fechaduras na minha porta.

Uma disse:
                Não participo das redes sociais.
                Não quero que ninguém saiba muito sobre mim.

                Tiveram sucesso?
                Não.
                Nenhuma delas.



Daqui ó http://emmagunst.blogspot.com.br/2018/01/susan-hawthorne-como-protegerse-de-una.html
I
religar é muito mais 
do que você já sabe
me diz

II
a minha
a sua humanidade
Jesus compreendeu

III
o ouvido em seu peito
seria o suficiente para entender

IV
invento um novo ruído
com o que me deu

[norma de souza lopes]


sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

saudade - Ana Gual - Tradução Norma de Souza Lopes

O vento não faz ruido
porém tu ouves
quando toca as coisas.


Assim, o poema.

daqui ó http://emmagunst.blogspot.com.br/2018/01/anna-gual-2-poemas-2-1.html