domingo, 27 de dezembro de 2015

noturno

apresse-se em descobrir
não há odisseu
átomos hexaedros
tudo que temos 
é desejos, prazer e dor

oh, príncipe taciturno
sou a mulher do norte
a beleza é um atributo difícil
mas nada me impediria
de querer-te

seja breve em ver-me
corra comigo pelas ruas
ignore o rosto da cidade
grotescamente maquiado
pelas luzes de natal

sentados sobre o concreto 
dos bancos de praça
envoltos por nossa névoa sensual
estaremos completamente alheios 
ao toque frio sob as nádegas
ou mesmo ao mundo 
e seu hálito do mal

há olhos escuros 
em meu encalço
famintos me devoram
no afã de esvaziar o desejo

ignoram que o desejo
é como as ervas daninhas
que nunca desistem de renascer
depois de arrancadas

decerto não estou falando de amor
mas, pode um abraço fundir almas?
ouça-me bem, príncipe 
se não vier
deixará um campo devastado
dentro de mim

domingo, 13 de dezembro de 2015

"Não podia imaginar quão feia são as pessoas" foi a primeira coisa que minha amiga disse, na segurança de casa, quando perguntaram se estava feliz com a cirurgia nos olhos. Talvez preferisse a beleza que via detrás de seus dezesseis graus de miopia. Será?
Sempre achei que não ser capaz de ver a distância afetava minha percepção cognitiva do mundo e minha relação com ele. A distância me entristece, assusta, me imobiliza. Procuro me manter sempre perto do meu universo particular e isso me impede de expandir.
Ser estrábica, caolha, como diziam os colegas de escola, eu sei que afeta. O ângulo de visão que ultrapassa os cento e oitenta graus às vezes me leva a ver, nas faces do entorno, a verdade que frontalmente elas não revelam. A visão dupla também é um ponto forte. Me ajuda a deslocar coisas e as pessoas, ver diferente e principalmente me colocar no lugar do outro.
Foi o Antonio Cícero que disse que, se os olhos são a janela da alma, como janela precisam de outros olhos, e outra janela e outros olhos... Por causa desse quadro infinito de olhos e janelas a alma seria tão insondável. Afora a parte insondável, componho minha capacidade de existir nesse mundo, com pouca visão à distância, com muita visão periférica e talvez, como minha amiga,  desejando ver menos. Ver demais pode ser uma experiência bem feia. 

NSL
113/12/15

sábado, 5 de dezembro de 2015

é menos?

é menos
que dentro da mão que dá
haja uma média porção de vaidade?

é menos
que entre braços que lutam
haja braços que incendeiam?

os dias são infernais com lama, fumaça, porrada e fogo

mas é menos
que se minta sobre contas do tesouro
ou se roube para contas no exterior?

é menos 
embriagar-se de uísque
ou ser sedados com rivotril?
 
tivéssemos um vesúvio ativo resolviam-se sem conflitos éticos
contudo nem terremotos aproximam-se da guerra silenciosa 
que escorre vermelha de peles femininas, negras e pobres
a natureza selvagem anda tímida diante de nós

NSL
05/12/15

sábado, 28 de novembro de 2015

Era uma tarde de novembro, quente e úmida como qualquer outra. Sentou-se na cadeira dobrável fora de casa fazia em fins de tarde de domingo.
O primeiro lagarto apareceu e parou diante dela batendo cabeça como se avisasse posse sobre aquele território. Não estranhou. Nem quando o segundo lagarto enfileirou-se ao primeiro estranhou. 
Em meia hora eram nove. E não saiam, só batiam cabeça.
Quando a penumbra foi muita levantou-se com cuidado para não pisar em nenhum deles. Eram mais de cem.
Na segunda de manhã observou aquela massa cinzenta de lagartos que se estendia até o fundo do quintal. Não foi trabalhar. Ficou observando pela janela.

NSL
28/11/15

terça-feira, 24 de novembro de 2015

nove dias colhendo ovos nos quintais de clarice


minha mãe não foi violada na guerra
porque vejo deitar em sacos pretos os corpos de meus tios?
(eu nem tenho tios)
meus irmãos são baleados a todo momento nas esquinas
(crês que não tenho irmão?)
minha madrasta foi violada e  arrancaram-lhe os olhos
(não tive pai que me desse madrasta)
em qual momento me tornei puro fragmento
simulacro das dores do mundo?


sofro pois sua sintaxe quebrada não me junta, clarice
lança um silêncio impetuoso na língua que inventas
sentes o pulso da perda olhando fundo na sombra
(eu não)
minha dor é carne rasgada exposta sem vexame
meu silêncio tem parentesco com a morteah, clarice, se eu soubesse cerzir
caseava minha alma com palavras

NSL
24/11/15

domingo, 22 de novembro de 2015

amanhã

amanhã será segunda-feira
correndo tudo bem
baixo sobre mim a tampa
fazendo as contas
do advento da agricultura até aqui
é impossível impedir
a perversidade dos que tem mais
não sei ao certo 
o que tenho eu com o perdedor

da vida trago só o que arranquei à unha
do passado, a fome da infância
e eu, aquele bar 24 horas aberto
onde homens escarravam discretos
e mulheres desfilavam 
o cheiro de desodorante avon
pesadelos apagaram sonhos bons

mas estar feliz ou triste é uma balança
amar a praça, a dança, o sol
não tem nada a ver com boa sorte
ganhar ou perder é questão de convicção
para que lado pende o prato
enquanto ouço esse blue
e escrevo esse poema?

e depois de amanhã será terça-feira

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

há dois dias estou morta

há dois dias estou morta
espio de longe
ainda não notaram

corro com eles
ao vento de suas bandeiras
mas estou morta

abaixo de mim a terra entumesce
sedenta por meu corpo morto
que nem o parece

trago pústulas no baço
nos pulmões e no fígado
mas não há inchaço 

não se vão as memórias
a terça-feira vem depois da quarta
e ainda caminho ao sol

volto a casa de minha mãe
e digo: "mãe, estou morta"
e ela me tange para colher a roupa

não paguei a terra
uma lápide de mármore 
em cento e vinte prestações

espero que meu amado cumpra
a fogueira no centro do quintal
longe da horta e das galinhas

NSL
04/11/15

domingo, 1 de novembro de 2015

cativos

o amor é aquele que sopra as chamas
quando nos sobrevêm a chuva
é aquele que lança luz sobre as sombras
o amor dança sapateado e prende o nosso olhar
sussurrando a todo tempo "vai melhorar"
enquanto choramos diante de  uma nação 
em chamas devido ao ódio
nação não, esse amontoado de não-seres
que se autodenomina federação
família, igreja, moral, escola
o amor e que molha nossos lábios
com vinho quando testamos o laço
dormentes, sedados e exaustos

sábado, 31 de outubro de 2015



#primeiroassédio versão bíblica (só da bíblia católica por que protestantes e judeus não gostam de ver seus anciãos metidos em tretas) 


Era a história da Susana, filha de Joaquim e mulher de Hilquias. Bonita como um lírio, Susana cultivava o hábito de se banhar num lago no meio do jardim ao meio dia. Tomar banho todo dia era um privilégio naqueles tempos.
Joaquim devia ser muito hospitaleiro porque vira e mexe em sua casa estavam os anciãos da aldeia julgando casos do populacho, uma vez que eram juízes.
As vistas da bela Susana e de seus hábitos acenderam os velhinhos, coisa que as pessoas costumam ignorar. Acham que velhos são assexuados. 
Arderam tanto que acabaram confessando-se um para o outro e tramando um terrível ardil contra a pobre Susanita.
Como de costume, ao meio dia a menina dirigiu-se para o jardim, despiu  suas vestes para banhar-se e pediu a criadas para buscar óleo e bálsamo e também para fechar a porta do jardim. 
Com a saída das criadas os velhos se lançaram sobre Susanita ameaçando:
"As portas do jardim estão fechadas, ninguém nos vê, e nós te desejamos. Por isso, consente conosco e junta-se a nós! Se recusares, testemunharemos contra ti que um moço esteve contigo, e que foi por isso que afastaste de ti as meninas"
Susanita, decidiu que ceder seria uma ofensa a Deus e pós a boca no trombone. E os ancião cumpriram a ameaça de calúnia em assembléia e essa condenou a pequena à morte por apedrejamento porque o que a turba quer é ver sangue.
Daniel ainda era novinho mas encasquetou com a palavra dos dois juízes (coisas de Deus) e levou os dois para a acariação. Um disse que tinha visto o ato debaixo de uma arvore alta e o outro disse que tudo ocorreu debaixo de uma árvore baixa. 
Descoberta a mentira dos anciãos a multidão feliz pode apedrejar os dois e Susanita voltou aliviada para os braços de seu Hilquias, passear pelo jardim. E foram felizes para sempre. Ou não.



Sisto BADALOCCHIO – 1609





quarta-feira, 28 de outubro de 2015

bolha de sabão

dias contados
encontro marcado
com Dalila em cápsulas
à cortar meus cabelos

dou mil voltas à fechadura
sem nunca abrir as portas da palavra
esqueci toda a poesia
por pouco não esqueço meu nome

NSL
28/10/15

sábado, 17 de outubro de 2015

o cio dos cisnes

dedo podre
coração mole
cabeça dura
só podia dar nisso
feitiço de amor
impossível

chega de choro
quero as cores
do cio dos cisnes
beber ávida
a vida
e amor morno
de domingo 
de manhã

NSL
17/10/15



sexta-feira, 16 de outubro de 2015

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

mentir não é o mesmo
que o falso testemunho
contra o próximo
fossem meninas
teriam guardado os contos de suas avós
esses soldados judeus de hitler
a história das parteira hebreias do egito


diante da ordem de faraó

"eliminem todos os meninos nascidos"
a fim de dominar um povo 
composto apenas por mulheres
responderam Shifra, a bela 
e Puá, a esplêndida
"não é nossa culpa, soberano
as hebreias não são como as egípcias
nunca somos chamadas a tempo
as mulheres hebreias rezam
e seus filhos nascem antes
quando nos chamam
já é demasiado tarde;
os bebês já nasceram!"



NSL
09/10/15




domingo, 4 de outubro de 2015

Da série "FILHOS DA MÃE" que eu surrupiei da delícia da Maria Balé

Os dois aprendizes de fisiculturista decidem fazer fotos no meu quarto e deslocam o espelho para minha cama.
Pesado demais para apoios, sou convidada a segurá-lo com as costas.
O pai chocado com a estratégia para o ensaio:
- Você tá brincando!
E nós, entre gargalhadas:
- Estamos!
Máxima (por minha conta que a Balé não tem dessas bobagens)
"Ser mãe é levar um espelho às costas para que os filhos brinquem de mirar o nosso avesso".



NSL
01/10/15
Eu aqui pensando na minha posição alienígena intergeracional. Todas as gerações anteriores a mim eram donas do conhecimento válido e isso lhes conferia poder. Eu, apesar de dominar parcamente a tecnologia e o conhecimento dessa era, já não possuo juventude, que talvez seja a mais valiosa moeda de nossos tempos. Não amo o poder. Gostaria no entanto de um pouco de legitimidade. Mas tem sido duro não pertencer nem a um nem a outro.

Por todo lado tem sido patético assistir o espetáculo tosco desses jovens que pensam que nunca envelhecerão, o show de horrores dos adultecentes e principalmente o grito ridículo daqueles que ainda acham que o simples fato de pertencer a uma geração anterior e dominar seus valores ainda é poder.

Na verdade estou diante do bom e velho despertencimento.

NSL
04/10/12

sábado, 3 de outubro de 2015

Caruaru

Já estava em Caruaru há uma semana e tudo que tinha visto era aquela crosta que as cidades preparam para os turistas. Carmem não queria isso. Queria mergulhar entre os nativos, queria conhecer as entranhas da cidade. Conversando com o garçom do restaurante onde almoçava, contou seu interesse, perguntou por um forró de periferia. Ele citou vários, mas disse que se quisesse ver algo diferente fosse ao forró do Salgado. E foi isso que Carmem fez.


O bairro era distante, mas ela não demorou a localizar o lugar. Ficava numa baixada onde desembocavam duas ruas de terra, uma à direita e outra à esquerda. Era uma clareira cercada por angicos, onde fora construído um barracão. No primeiro cômodo, havia um balcão onde eram vendidas as bebidas e petiscos. No cômodo interior, ficava o som, as fitas cassetes e o DJ. O banheiro ficava do lado de fora. Em nenhum deles havia reboco. 

Carmem entrou curiosa no cômodo do som e observou a janela. Lá fora, homens e mulheres dançavam. Eles se vestiam de maneira simples, alguns ainda com seus uniformes de trabalho. Mas era a forma como dançavam que chamou atenção de Carmem. Um trio de homens fazia um trenzinho, de joelhos semidobrados, dando golpes de quadris no parceiro da frente, alguns casais dançavam tão colados e tão lentamente, que pareciam não ouvir a música. Encostados em um tronco de angico, um casal peculiar se beijava de maneira apaixonada. Apoiado na árvore, um índio miúdo, de camisa social e calça de tergal, era completamente envolvido pelo beijo de um negro grande, gordo e com uma vasta e lisa cabeleira, vestido de camisa polo e calças jeans. Quando interrompiam o beijo, o negro apoiava as duas mãos nas faces do índio e sorria de maneira apaixonada. 

Perto do banheiro, duas mulheres cobertas por curtíssimos vestidos de alças, também se beijavam, mas com um pouco mais de volúpia que o outro casal, uma vez que corriam suas mãos uma pelo corpo da outra.

O que em geral Carmem percebia era que pouco importava a música. Pairava sobre todos um clima hedônico que transcendia e a atingia, fazendo correr sobre sua pele uma onda voraz de desejo. Passou a olhar para o interior do cômodo.

Lá dentro, havia mesas de som, pequenas estantes onde eram guardadas as fitas e um pequeno baú. Nas paredes, ficavam pendurados objetos perdidos de toda a natureza. Uma fita rodava sem interrupção e o DJ não se encontrava no lugar. Carmem sentou-se sob uma mesa à margem da janela, apoiou as pernas sob o baú e permaneceu observando os casais lá fora, inebriada pela excitação que as cenas emanavam.

Distraída, assustou-se quando o DJ entrou. Parecia alto demais para aquele lugar, magro, barba rala, bonito à sua maneira.

— Seu colar parece muito com esse. E pegou na parede dos perdidos um pequeno colar, salpicado de pingentes. 

Não parecia tanto, na verdade. O colar de Carmem tinha apenas um pingente em forma de casa. O colar que o DJ depositara em sua mão possuía pequenos pingentes em forma de castelos, rostos, figas, pimentas, claves e folhas, entre muitos outros.

Enquanto o DJ trocava a música, Carmem levou o colar perdido a boca, e passou a mordiscar os pingentes, sem nenhuma assepsia. Ele trocara a música. Lembrava daquela letra, mas nunca havia escutado ao som de forró: 

Eu não desisto de você
Você precisa entender
Que eu não me inspiro sem você
Sem você eu não me inspiro

— Renato, meu nome é Renato — ele disse, tão próximo, que Carmem arrepiou a nuca. 

E se deu conta de que estava com o colar inteiro na boca. Como quem separa ossos de um pé de galinha cozido separava os pingentes dos elos do colar.

A presença de Renato, debruçando-se sobre ela para pegar fitas ou simplesmente para comentar algo sobre o forró, tornou-se algo tão intenso, que Carmem começou a desejar que ele a envolvesse de maneira idêntica aos casais na pista.

Depositou um por um os pingentes que havia separado na boca sobre o beiral da janela e viu que limpos pela sua saliva, brilhavam como ouro. Colocou aos pares pingentes de castelos, de rostos, de claves. Pensou em segurar um dos pingentes de rosto e dar o outro a Renato para ver se ele entendia o seu desejo. Mirou o rapaz abaixado, absorto diante da prateleira de fitas e percebeu que como tudo ali _ as pessoas, o lugar, a música _ ele pareciam fazer parte de uma unidade tão maciça, que seria impossível atravessá-la. Olhou pela janela e viu um homem arrastar um colchão morro acima, levantando poeira.

Lembrou-se de um domingo de inverno, o desejo incontrolado, os corpos em combustão. Decidiu que era hora de ir. Não do forró, não do Salgado. Era hora de deixar Caruaru e voltar para casa.

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

RESENHA DE “JULHO É UM BOM MÊS PARA MORRER” de Roberto Menezes – Editora Patuá

Concluí a segunda leitura de “Julho é um bom mês para morrer” e decidi fazer algumas considerações a título de aguçar o interesse dos curiosos. A protagonista da obra de Roberto Menezes, Laura, digita frenética e urgente, em discurso indireto livre, uma carta para sua mãe, Lucy, que a princípio descobrimos a abandonou ainda pequena. A carta é entremeada por outros endereçamentos, todos eles direcionados para mulheres que também a deixaram. Além de Lucy temos clamores direcionadas à Voínha, Tereza, Maria e Lara.
Laura busca continuamente um “colo” um sentido para a vida que, provavelmente formou-se em sua existência em decorrência da ausência ou negligência das mulheres que a deveriam tê-la educado.
A partir de seus relatos Laura descreve as brechas deixadas por essas perdas, rememorando como se estivesse mergulhado no inferno. A memória é o inferno e ela, sem asas, tem um chão infinito à sua espera.  Seu esforço sufocante de fechar tais brechas nos dá o recado, não há escape, é viver com o próprio vazio ou morrer. No rastro da narradora o leitor segue suportando esses desmoronamentos e tentativas de voo.
O livro é cuidadosamente datado o que, segundo Alfredo Monte d’A TRIBUNA de Santos é a maneira de Menezes pintar e bordar “ o retrato de uma geração, e sobrepõe sorrateiramente três momentos políticos distintos: o da abertura política (e inflação estratosférica); a era FHC e o tsunami da globalização (que coincide com a virada do milênio); a era pós-Lula.” Temos como exemplo cenas e trilhas de novela, citação de Edilaine Araújo como jornalista do Jornal da Paraíba, suicídio de bancários de Banco de Brasil em 1998, a morte de Voínha na Copa de 2002, dentre tantos outros.

Abaixo um gráfico da time line do livro elaborada pelo próprio autor.


São avanços e recuos narrativos que também no leitor provocam a vertigem em que Laura está mergulhada. Seu sentido de revisão do passado, de compreensão do papel de cada um dos atores dentro de sua história também funcionam como um mergulho cognitivo, carregado de aceitação e perdão. Laura só não perdoa a si mesma. A propósito de mergulhos é possível afirmar que a água (rio, chuva, oceano) tem papel fundamental como plot twist na narrativa.

“Junho é um bom mês para morrer” é mais um riquíssimo romance de Roberto Menezes e uma bela aposta da Editora Patuá.

NSL
30/09/15

sábado, 26 de setembro de 2015

advento

aqui e ali introduzo os dedos nas bocas
cedendo para baixo os maxilares
aproximo meus olhos das línguas
quero ver de perto por que lançam
todas elas as mesmas palavras

à volta, miríades de olhares distraídos
miram as próprias mãos e bolsos 
e também repetem as mesmas palavras

lá no fundo um pequeno grupo de olhos cerrados
balançam a cabeça ao  modo dos cegos
à espera de ouvir aquela que será a nova palavra

concentrados em sua espera não as notam  
subirem em ondas escritas 
pelas batidas ritmadas de suas cabeças

NSL
26/09/15


sexta-feira, 25 de setembro de 2015

na cama: o beijo

um milênio cheirando a novo
arrastando na bagagem

como diógenes
o mal-estar do racismo

machismo
facismo
e a mesma ideia de amor
família e de propriedade

mas nós, não

nós, uma litografia de lautrec
beijos amorosos

sob os lençóis
dois quilômetros
de laços virtuais

deslizamos os dedos 
nos cabelos iluminados
so
bre os óleos 
dos corpos suados

e damos graças
à poesia e  à arte
da imaginação,  que torna
cada milímetro de pele
apaixonadamente familiar

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Fracassos

em 92 fracassei num teste de datilografia
chorei a perda da oportunidade por anos
em 96 digitei pela primeira vez 
no teclado de um 486

insisto em colecionar fracassos
mas o tempo descostura meus olhos

NSL
23/09/15 



domingo, 20 de setembro de 2015

caderno pautado

uma vez em viagem à paraíba
não tendo ainda nem cadernos nem livros
deu-me a professora
um caderno usado e apagado

nele eu lia a sombra
das respostas das lições
provavelmente escritas
nos anos passados
por aquele que foi 
o primeiro dono 
do caderno pautado

daí o vício
de ser palimpsesto do mundo
e de buscar respostas nas sombras

NSL
20/09/15


Não é de bom tom ser escritor relevante em vida. Espere que estudem sua obra depois que você morrer, como costuma acontecer com a maioria.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

ando a escrever poemas semelhantes a essas tartarugas que cresceram atravessadas por rótulos de bebida.

NSL
16/09/15

terça-feira, 15 de setembro de 2015


Era dia de mudança e ele perguntou:
_ E esses doze diários, posso jogar fora?
Podia.
E nenhum pedaço de mim se perdia

NSL
15/08/15

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

anatomia das baratas

fosse fácil a metamorfose 
eu nem ligava adquirir 
a anatomia da barata
mesmo que as fêmeas
não portem asas

nesses dias é preciso
um motivo muito justo
para angariar a reclusão
sem preocupar-se 
com a manutenção da família
ou casamentos de irmãs

NSL
14/09/15

escolhestes estar à sombra

escolhestes estar à sombra
e a vida continuou ávida
quase posso ver suas mãos
envelhecidas
envilecidas
tremendo para não se abrir
não soltar uma cédula de dez

não sabe quanto amor
seu filho guardou
esperando ocasião
para te presentear

que pena tenho de ti!
mover entre os dedos
coleção de palavras
moedas antigas
com as quais tentará
arrazoar o desamor

NSL
14/09/15

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

aspirações

ser célebre como o corvo de Poe, de Pasternak ou de Lorca
ser reconhecida como o carrinho vermelho de willians
ou o albatroz de baudelaire
até observar em meu corpo
nas grandes dobras
pequenas rugas
o sangue grosso
o passo curto
que o que eu queria era apenas amor

mas porque tanto amor?

NSL
11/09/15

Caravana Rolidey


Caravana Rolidey


segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Ponho borboletas pela boca todo dia.
Abro a boca já com a pinça na mão pronta para sacar, já na glote, pequenas
borboletas.
Avalio meticulosa suas asas. Cada uma traz escrito perguntas, daquele modo
que espalha o pó dessas borboletas, aquele mesmo que quando pequenos
nossas avós nos pediam para evitar pois, se levado aos olhos, podiam nos
cegar.
Perguntas que eu não sou capaz de responder.
Essa de hoje trazia como ranhura “o que é sorte? ”
Há dias que mais que uma me saem pela boca. Ontem mesmo foram três.
Tenho-as guardadas em uma caixa, uma vez que ao atravessar minha
garganta, as pobrezinhas morrem.
Quando sou capaz de responder as perguntas inscritas em suas asas elas
revivem. Foi assim com “porque nem todo mundo é feliz? ” e com o “qual a
diferença entre o amor e a paixão? ”
Às vezes me pego em apuros, como no outro dia, no trabalho, quando uma
belíssima, de asas amarelas saiu com a pergunta “porque realmente você faz
isso todos os dias? ” Quase não tive tempo de me esconder no banheiro para
escondê-la no bolso do casaco.
Ultimamente o número de borboletas a saírem vem aumentando
sobremaneira. Para evitar o embaraço evito sair de casa. A caixa está repleta.
Arquiteto planos para evitá-las: fico de boca fechada por dias. Mas basta uma
distração e da boca aberta sai dezenas delas. Tento engolir mas acabo por
regurgitá-las.
Confidenciei meu problema a uma amiga intima, dessas que trazem sempre
um sorriso no rosto, iluminada e bem resolvida. O que ela me contou deixou-
me espantada. Ela coloca pintinhos pela boca. Desses novos, vivos,
amarelinhos e bem acariciáveis. Mas ela nem chega a ler as perguntas,
imediatamente torce o pescoço das pequenas aves e lança no lixo.


NSL
22/08/15

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Ela atravessa o largo e de longe já pode vê-los parados na entrada do morro.
_ Beco sete ou Beco dez?
Como uma múltipla escolha em que a nota é a vida há que se responder e esperar que a resposta não ative o gatilho da HK.
_ Espera, não é você a tia que dá aula pro meu irmão?
_ O Denilson? É claro.
_Vaza tia que a chapa tá quente.
Ela sobe o morro pensando onde tudo vai parar. Pensa no quanto vem parando. No quanto parou quando o Pedro Araújo foi morto em 2012. Deu um rasante de vendedor a usuário e foi apagado por causa das dívidas. Doze anos meu Deus. Doze anos e dezessete tiros!
Queria tudo muito rápido, casa, carro roupa de marca. Chegou a comprar uma motocicleta 50 cilindradas mas não segurou a fissura. Parou também.
Lembra dos meninos do sarau, batalhado para arrastar a meninada para longe dos fornecedores. Câmera lenta. O fornecedor do mal não para, seja no shoping ou no morro, ele não para nunca. 24 quadros por segundo.
Escuta muito. Pena de morte, maioridade penal, aquisição de armas, auto-defesa. Quem vai extinguir quem?
Pensa em história. Nas inúmeras aulas de história que já   assistiu ou aplicou. Como começaram aquelas guerras ruidosas dos livros de história?
Bobagem. Isso não interessa. Interessa como termina. Quem ganha é ou será sempre o fornecedor do mal.

NSL
18/08/15

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

casa nova


um coqueiro de seis metros
um abacateiro em flor
quatro bananeiras
e uma casa-ovo


um papagaio que canta axé
e parabéns para você
(no quintal vizinho)

o horizonte na forma de um morro
salpicado de casas
ou luzes coloridas
dependendo da hora

acabo de ganhar a chance de olhar para fora




NSL
05/08/15

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Novíssima História Brasileira

Lembra-se das intermináveis 
aulas do professor Afonso
Braga sobre a Conjuração Baiana, Farroupilha
Cabanagem, Balaiada, Sabinada 
Canudos, Revolta da Chibata
Contestados, Tenentistas, ditadura?

O professor apaixonado
esperava que perdêssemos a inocência
entre o capitulo três e o capítulo dez
dada a verdade dos interesses 
e o número de mortos
da Novíssima História Brasileira

Mas tais histórias não nos movia
o que nos corrompia era o Zé da Peixeira
cortando o pescoço do Vantuir 
encontrado debaixo da cama do casal
era o trator atropelando
o Jorge na saída da escola
ou o pai da Regina 
morrendo eletrocutado 
por ousar um gato 
na rede elétrica

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Oferenda

Toma que sou essa casa que não deixa de brotar compartimentos
que sou esse ponteiro laranja amassado que esqueceu o tempo
que sou esse ninho vazio que não tornarei a ver ocupado pelos bicos-de-lata

Toma que sou essa cicatriz imaginária costurada com solidões
que sou o espaço que os sonhos irrealizados deixaram
que sou esse silêncio sobre a luz e a sombra do mundo

Toma que estou de mudança de novo
e nunca mais verei o pé de amora
nunca mais serei a mesma
como nunca fui

NSL
15/07/15

domingo, 12 de julho de 2015

Não vale a pena dizer

Não vale a pena dizer, a gente diz quando coisas que antes achávamos extraordinárias se repetem de tal forma que vão nos esvaziando o espirito e que acabamos por achá-las ordinárias. E a gente segue dizendo: não vale a pena contar, ou não vale a pena avisar. É como se tudo fosse um sujo no dente ou um zíper aberto. Não vale a pena. Então um dia você está caminhando num charco repleto de plantas aquáticas, coberto de água até o abdome, atrás de uma família de cinco ou seis pessoas que brigam para decidir quem terá mais direito a permanecer mais tempo diante do fogão quando chegar em casa e você vê uma cobra verde entre eles e uma moita de gramínea e você pensa talvez a cobra não vá na direção deles, talvez não seja venenosa e de qualquer forma não vale a pena dizer.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

erros

não fosse tão frio o inverno
eu arriscava um banho à la virgínia woolf
o inverno é sempre tão longo
e os rios todos subterrâneos
a lâmina que fatia os tomates 
bem que servia para os pulsos
mas há nervos, e erros
podia acertar como a sylvia plath 
mas a foto no forno é indigna
a cápsula faz barulho de chocalho quando engulo
sustenta minha vaidade, e minha contagem
faltam 166 dias para o verão

NSL
08/07/15

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Céline

Era uma vez uma dama não muito distinta chamada Céline.
Céline era apaixonada por literatura artes, cinema e tudo que lhe parecesse belo
Não teve filhos, havia tido lá uma infância meio atrapalhada mas resolveu-se bem com isso.
Celine se orgulhava de nunca ter deixado seus amantes dormirem por mais de uma noite em sua belíssima casa. Orgulhava-se te ter publicado vários livros e ter recebido prêmios importantes por alguns deles. 
No entanto algumas vezes Céline sentia  a vida meio vazia, sem sentido. Dirigia seu carro importado sem rumo por aí. Nessas ocasiões ela não sabia o que fazer. 
E eu nunca contava. A pobrezinha poderia entristecer-se sabendo que era fruto da minha imaginação.

NSL
06/07/15

domingo, 14 de junho de 2015

alto-mar

quarenta e quatro anos
nadando com vigor
no oceano das oportunidades
em direção a célebre terra prometida

em vão diminuí o ritmo
no intuito de trazer comigo
um irmão, um companheiro

olhar para trás
é beber o rastro de afogados
adiante apenas 
uma terra que talvez 
seja beijada por meus netos

NSL
14/06/15

quarta-feira, 10 de junho de 2015

deviam deixar-nos
como nos deixam as belas formas da juventude 
e a saúde
as memórias de nossos corpos 
mas não
estamos sempre encalhando em espaços 
onde já não cabemos
adquirindo vestes inadequadas

mesmo quando por vezes 
nos distraímos e nos acostumamos 
a carregar nossas carcaças gordas e doentes por aí
há as velhas fotografias 
de corpos dourados e torneados 
à beira da praia
para nos constranger

se bem que ainda poderíamos
rasgar as fotografias
mas a memória
essa não
ela continua 
como um vinil arranhado
a repetir uma imagem fantasma

NSL
10/06/15

segunda-feira, 8 de junho de 2015

a despeito do desejo 
de deixar seu feudo
para serem músicos em bremen
um burro, um cão, um gato e um galo
pararam no caminho 
por uma casa de ladrões
repleta  de espólios

porque cargas d'água
pararam no no caminho?

NSL
08/06/15
que sonho!
você às margens da morte
e eu a expulsar estrangeiros de casa
eu que sou forasteira
no trabalho
na família
na vida

eu que só tive pátria
quando fazíamos amor
como os últimos da terra
e você jurava nunca partir

pensar
acordei viva
e pude levantar-me com minhas pernas
já não é um consolo adequado
não sei até quando
escrever poesias
que você não sabe ler
será o bastante

NSL
08/06/15

domingo, 7 de junho de 2015

revanche

minha avó ia a igreja
às terças, às quintas
e aos domingos

e torcia a boca
para os que
não tinham direito
ao paraíso

gozo meus pecados
como restituição
devolvo, vovó
o céu aos gentios

sábado, 6 de junho de 2015

exercício para compreensão da dinâmica do encontro

1- desenhe uma linha que divida um papel em branco ao meio;
2 imagine que seja ela a linha que divide a esquerda o "eu" e a direita o "outro";
3- marque sobre a linha um ponto ou um o quase ruido para representar aquilo que chamamos encontro do"eu" com o "outro";
4- contraia esse ponto até que ele te pareça imperceptível;
5- permita que sua mão corra com o lápis de um lado da folha e depois do outro me maneira aleatória descrevendo traços incompreensíveis;
6- Observe atentamente o resultado;
7- Se você for incapaz de compreender o resultado de todo esse exercício você está pronto.

NSL
05/06/15


quinta-feira, 4 de junho de 2015

Os passáros de minha mãe de Cecília Woloch

Minha primeira tradução. Fui cigana com Cecilia. Também fui um pássaro engordado por minha mãe. Chorei muito ao final da tradução. 

My Mother’s Birds

My mother’s Polish nickname was the word for dried-up; sticks Sucha, her mother called her. Little witch; Miss Skin-and-Bones. Fifth of eleven thin and startled children, all those mouths to feed. Okay: it was the Great Depression; everyone was poor. They baked potatoes over fires in the street, my mother said; dipped stale bread in buttermilk, ate what was put in front of them. And she was dark-eyed, dreamy, danced in vacant lots, played movie star. Tied her black hair up in rags; high-kicked through cinders, broken glass. Picked cigarette butts from the gutters for the pennies Dzia-dzia gave. Though CioaCia Helen down the hill, their crazy aunt, was better off. She gave them sweets, cheap sweets but sweet. She gave them Easter chicks one year. My mother took the tiny peeps and raised them tenderly, as pets. I’ve seen the photographs: their white wings all aflutter in her arms. As if such chickens could have flown, but they were meat, those birds she loved. Tough meat, and these were hungry years. And CioaCia raised the axe. My mother sobbed and couldn’t swallow, nor could anyone, I’ve heard. The story goes she saved a few stray feathers, hid them, sang to them. Knelt above them weeping in the attic, just like church. Fed and watered them for months, her sisters laughed; the ghosts of birds. The way, years later, always singing, she would try to fatten us. Her own strange brood of seven children, raised less tenderly, perhaps. As if, this time, she wanted to be sure we’d get away. She’d set the steaming plates in front of us, still humming, cross her arms. Don’t be afraid to eat, she’d say, because we were. We were afraid.
http://5trope.com/newissue/cecilia-woloch-four-poems/

Pássaros de Minha Mãe
Cecilia Woloch
O apelido polonês da minha mãe era a palavra vara-pau, Sucha, sua mãe que deu. Bruxinha; Senhorita Pele e osso. Quinta de onze filhos finos e assustados, todas aquelas bocas para alimentar. Certo: era a Grande Depressão; todos eram pobres. Eles cozinhavam batatas em fogueira na rua, minha mãe contou; mergulhava pão dormido em coalhada, comia o que era colocado na frente deles. Tinha olhos escuros, sonhadores, dançava em terrenos baldios, fingia ser estrela de cinema. Amarrava seus cabelos negros com trapos; dava pontapés em cinzas, vidro quebrado. Colhia pontas de cigarro nas sarjetas pelas moedas de um centavo de Dzia-dzia. Ainda que CioaCia Helen fosse louca, descendo a colina, estava melhor. Ela deu-lhes doces, doces baratos, mas doces. Um ano ela deu-lhes pintos de Páscoa de um ano. Minha mãe pegou os pequenos pintinhos e levantou-os com ternura, como animais de estimação. Eu vi as fotografias: suas asas brancas agitadas em seus braços. Como se esses frangos pudessem voar, mas eles eram carne, as aves que amava. Carne dura, e estes eram anos de fome. Então CioaCia levantou o machado. Minha mãe chorou e não conseguia engolir, nem poderia alguém, eu ouvi. A história diz que ela salvou algumas penas perdidas, as escondeu, cantou para elas. Ajoelhou sobre elas chorando no sótão, como numa igrejinha. Adubou e regou por meses, suas irmãs riam; os pássaros fantasmas. Na estrada, anos mais tarde, sempre cantando, ela iria tentar nos engordar. A sua estranha ninhada de sete filhos, obteve menos ternura, talvez. Como se, desta vez, ela quisesse ter certeza de que teríamos distância. Ela dispunha os pratos fumegantes em frente de nós, ainda cantarolando, e cruzava os braços. Não tenham medo de comer, ela dizia, porque estávamos. Estávamos com medo.

terça-feira, 2 de junho de 2015

À Mariana Botelho


orquestra dos mortos

não é que eu goste
de flanar sozinha  
ao som da orquestra dos mortos
cumprindo minha sina  
de avatar invisível  
é que tenho como companhia 
bagagem indelével
olhos negros suspensos sobre mim

já machuquei gente demais
e  ninguém
nem mesmo eu
tem algo para me dar  

cheguei ao meu limite
e sou incompetente
para usar a escrita para trapacear
o que me tira a literatura
como último recurso

para mim é sempre vida real
e na vida real
eu perdoo a beleza 
desse céu cinza de outono 
pois nada é obrigado
a estar triste e feio como eu

NSL
02/06/15

segunda-feira, 1 de junho de 2015

me comove
que esteja convicto acerca da aparição única da sorte
que você saiba o que diz as três linhas em minha mão
que sua voz de fado me torne a mais bela estrela da galáxia
que a tristeza visite seus olhos ao lembrar de sua serra

mas queima-me o peito 
saber que você chegou 
quando eu já tinha feito minha escolha

NSL
01/06/15

domingo, 31 de maio de 2015

Quando é pouco o amor que me dedico
E tropeço nos olhos do desejo
Me chamando "Vossa mercê"
O resultado e um dia inteiro 
Tentando relembrar um rosto
Uma fileira de dentes perolados
Um brilho negro na pele
Uma textura do cabelo
Uma rigidez das panturrilhas
É assim o dia em que o  amor que me dedico não basta.

NSL
31/05/15

sábado, 30 de maio de 2015

você acha que eu poderia ser uma lagartixa?

você acha que eu podia ser uma lagartixa?
deixar meu esconderijo pela manhã todos os dias
aquecer-me ao sol
comer umas formiguinhas 
pequenas moscas 
pequenos frutos caídos no chão
sem nenhuma poesia
eu poderia?

ser um lagarto
e placidamente balançar a cabeça 
demarcar território 
aquecer-me ao sol 
comer insetos 
sem nenhuma poesia
eu poderia?

viver para sempre nessa casa torta
esses velhos móveis
esses sapatos gastos 
sem nenhuma poesia
eu poderia?

levantar todos os dias
atravessar meus 25 passos 
cumprir na minha jornada 
almoçar sempre às 11:30 
sem nenhuma poesia 
eu poderia?

você acha que eu poderia ser uma lagartixa?

NSL
30/05/15

quinta-feira, 28 de maio de 2015

o inaudível fim de uma quase história de amor no metrô


_ Alô?
_ !
_ Já te falei pra não me ligar!
_!
_ O quê?
_!
O quê?
_!
_ Fala mais alto!
_!
_ Não me liga mais!
_!
_ Fala mais alto!
_!
_ Não te interessa!
_!
_ Olha, a gente se já se separou. Eu nem sei se te amava. Agora você faz da sua vida o que quiser!
_!
_ Ahn?
_!
_Você sabe que eu não escuto quando estou com raiva.
_!
_ O quê?
_!
_ O quê?
_!
_ Fala mais alto
_!
_ Eu vou desligar!
_!
_ Não sei, não quero saber, e tenho raiva de quem sabe!
_!
_ Que mais ela disse? Ela não sabe nada de mim, nem me conhece essa mulher!
_!
_ Nem ligo
_!
_ Saio hoje, saio amanhã, saio quando quiser, sou livre!
_!
_ Vou desligar!
_!
_ O quê?
_!
_ O quê?
_!
_ Aqui, vou desligar. Tchau!

NSL
28/05/15

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Apresentação no Sarau Comum Luiz Estrela dia 23 de maio de 2015

NormanSarau Comum 23/05/2015
Posted by Sarau Comum on Terça, 26 de maio de 2015
eu aqui, como criança 
que se abaixou para amarrar os cadarços
esperando que a vida pare
e espere que eu disperse as sombras
mas ela não para
está lá adiante
fazendo crescer gramínea do jardim

NSL
27/05/15

domingo, 24 de maio de 2015

persecução

chegue aqui menina
quero te abraçar
olha, ninguém está rindo 
pelas suas costas
não há ninguém 
atrás da porta

o que você quer saber?
posso te contar um tanto
sobre a rejeição
já vivi de tudo
hoje corto pedaços
para caber dentro do amor

sei que teve medo
dilacerar os pés
nas escadas rolantes
foi lancinante
olhe-os agora
estão colados de novo

percorreu vales
subiu montanhas
no topo tudo era possível
só serviu pra provar
que nenhum solo é sagrado
impossível mesmo
foi amar a si mesma

agora que você é seu pai
e sua mãe, menina
quer gozar de tudo
e para sempre
no  entanto
gozar pra sempre 
é a morte, querida

escuta pequenina
você pode escolher
copiar os sonetos do petrarca
ou nunca escrever nada
ainda assim sua vida
será uma invenção

chore não menina 
ninguém está rindo 
pelas suas costas
não há ninguém 
atrás da porta

NSL
24/05/15