domingo, 29 de outubro de 2017

eles não estão prontos

criar filhas com braços fortes
para carregar bandeiras
ventres livres
para parir outro mundo
e um coração preparado
para a solidão

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

outras maneiras de dizer

diz que falo muito do amor
porque não vê
o amor é uma faca
delicada, mas afiada

observe o amor
cortando o medo
quando retruco
tão lindo esse livro
sobre coisas de menina
esse poema de Ori

é o amor que secciona
o medo em sua fala

você diz
se entre os seus
não querem falar de Ori
não fale

mas, bater cabeça
diz o amor
também pode ser
dizer não

o amor aparta
entre os dentes
este seu susto

não discuta essa historia
de coisas meninas

o amor parte ao meio
a cena dos pardais
no terreiro e proclama
há outras maneiras
de se sentir em casa

o amor esmaga entre
os dedos o medo
agora, exato
enquanto te escrevo
esse poema de amor

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

tão pouco

É pouco, tão pouco
um sorriso que sustente os dias
mas não o é esse canto dos grilos
a suportar a noite nos olhos?
enquanto você dormia
eu arava meu afeto, sutil
e leve como todo amor
deveria ser

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

por culpa do imprevisto

que ruidosa é a chegada da noite
(ora, a quem eu quero enganar?
o silêncio que sua ausência impõe
nenhum verso abafa)

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

dissecção

uma mulher lança mão
de táticas de peixeiro
e abre o ventre
entre as vísceras a bile
um fardo de fúria
(o que é isso? uma pedra?
um rim?)


há que se considerar
respeitosamente a história
antes de lançar fora um apêndice

não sabe o que fazer com a dor
de não ser só, só sua
a regularidade dos abismos
a atordoa, um poema às vezes
é uma belíssima adaga

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Estrangeiros em nós mesmos seguimos inventando interlocutores que acolham nossas vicissitudes, amores que nos presenteiem com palavras, com manhãs ensolaradas.
Isso me faz pensar em quanto as invenções de Pessoa poderiam ser úteis nesses tempos de identidades fluidas. A propósito, penso que nunca mais vou ler o Pessoa sem me lembrar de você. Algumas pessoas, quando me atravessam, deixam fragmentos indeléveis.

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

o dia não pode esperar

um gato caminha sobre o muro
elegante como só os gatos podem ser
contemplo-o como se pudesse ter um gato
(silêncio, um susto este pensamento)
paraliso como quem ouviu
o click da mina sob os pés

soletro meu nome para atendente
e finjo que sei quem sou

domingo, 15 de outubro de 2017

a liberdade esse pássaro

desdobro resignada o mapa
há dias de mergulho em suas linhas
tocar o fundo com a ponta dos dedos
os estilhaços do meu peito chacoalham
numa sinfonia estranha
você disse, e tive que concordar
que mapas são artefatos de homens
irmã, nenhum bordado costura
meu peito em ruínas hoje
espero uma manhã luminosa
para trazer a memória
o que me dá alegria





nascer homem Adela Zamudio- Tradução de Norma de Souza Lopes


Nascer homem
Adela Zamudio
Tradução de Norma de Souza Lopes

Quanto trabalho ela tem
Para corrigir a falta de jeito
De seu marido, e em casa,
(Deixe-me assombrar-me)
tão inepto quanto estúpido
segue sendo o cabeça,
porque ele é o homem.

Se alguma escreve versos
- "De alguns estes versos são 
ela só subscreve;
(Deixe-me surpreender-me)
Se que ele não é poeta
Por que tal suposição?
Porque ele é o homem.

Una mulher superior
nas eleições não vota,
 e vota no pior patife;
(Permita-me que me assombre)
com  só saber firmar 
votar num idiota,
porque é homem.

Ele se abate e bebe ou joga
em um revés da sorte;
ela sofre, luta e reza;
ela se chama “ser débil,
e ele se nomeia  “ser forte
porque é homem.

Ela deve perdoar
se seu esposo lhe  é infiel;
mas, ele pode se vingar;
(permita-me que me assombre)
em um caso semelhante
até pode mata-la,
porque é homem.

Oh, mortal!
Oh mortal privilegiado,
que de perfeito e cabal
gozas seguro renome!
Para ele que basta?
Nascer homem.


Daqui ó http://emmagunst.blogspot.com.br/2011/03/adela-zamudio-nacer-hombre.html

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

extraordinário

eu sei amor, que o coração
é um velhaco pintando ilusões
espaços vazios nos átomos
transparências intangíveis
no centro dos nós
poucos afetos escapam
ao escrutínio da razão
quase sempre são
ordinários e vulgares
mas, olhe atento este frêmito
um Nilo turbulento a me irrigar
escolho nadar contra a corrente
isso de vencer a fluidez das águas
desde muito é um milagre

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

criptografia

daqui da minha janela
a noite já está acesa
e por sorte os fogos
se esgotam
queria dizer
"depois de mim
você não será feliz"
daquela maneira dramática
que dizem as mulheres
rejeitadas, mas falta um
"antes", só na sutileza
das letras no meu nome
se dá o encontro. do alto
a noite é muito bonita


terça-feira, 10 de outubro de 2017

miragem

tanto ruído, amor
e ainda dormes, como pode?
compartilho contigo
essa manhã translúcida
limpa, intocada
ela suspende o peso
de todo atraso
também eu, quando cheguei
era tarde

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

em suspensão

no supermercado
estendendo roupas
lendo, escrevendo
corrigindo textos
maquiando
cozinhando
(só vagamente percebendo)
comprando cerveja, frutas, carne
a próxima mensagem
(anotando o que dizer
quando finalmente encontrá-la)
um uso apaixonado das coisas
a arte, a literatura
"quando a gente ama fecha os
olhos beijando" diz Grossman
em "Vie et destin"
no salão de beleza uma
mulher diz "estou apaixonada"
ao que todos se afastam 
como de quem diz
"vou ao psiquiatra"

assovio
baixinho
non, je ne regrett rien
da piaf 
e penso no luxo
da esperança
de voltar a amar

As mulheres choram Mercedes Reynoso Tradução de Norma de Souza Lopes

As mujeres choram.
Choramos por tudo:
porque amanhecemos
entre o soluço da noite
e a voracidade da luz mãe.
Porque quando o vazio
de uma voz despoja
as entranhas,
aprisiona,
e não há menor remédio
que limpar os grandes olhos
com verdade.
Choramos porque nos custa
crer que o corpo hospeda vida,
e depois o arrepentimento
de não desejá-la.
Choramos porque nos cremos donas
de nós mesmas,
porém entre o estado,
a igreja
tua mãe
teu pai
teu amante
a irmã
o vizinho
teus sonhos
teus deveres
a terra
o céu,
no sei já que caralho
é meu

IDIOTAS Mercedes Reynoso Tradução de Norma de Souza Lopes

De todas as idiotas
eu fui a única
que escolheu sexo sem compromiso.
De todas as idiotas
eu fui a única
que bebeu sozinha nos bares.
De todas as idiotas
preferi ser amiga com benefícios
a ser esposa com prejuízo.
De todas as idiotas
eu lhe liguei
só para ver se estava bem.
De todas as idiotas
desprezei ao homem insoso
só para estar sozinha.
De todas as idiotas
sou a que cozinha por amor aos aromas
e não pelos filhos.
De todas as idiotas
sou a que não teme falar
nem teme ficar calada
quando há tempos
em que as pessoas geralmente são
de escasso pensamento.
De todas as idiotas
sou a que ama mais a seus amigos
que a seus amantes.
De todas as idiotas
sou a que prefere mais um homem
com boa ortografia
que com um bom trabalho.
De todas, todas as idiotas,
nunca pretendi destacar-me,
nunca pretendi ser ou não ser,
nunca pretendi irritar,
abusar, ignorar,
sem dúvida até os mais idiotas
sabem que minha poesia é ruim,
que o álcool é o puro elixir
que dissolve  meus dias de angústia.
E cada vez que observo minha janela,
O cigarro se dissipa,
a cama está vazia
e os poemas quietos;
e então sempre fui
a mais idiota
de todas.

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

RESENHA DA OBRA “POESIA E ESCOLHAS AFETIVA EDIÇÃO E ESCRITA NA POESIA CONTEMPORÂNEA” DE LUCIANA DI LEONE

Em "Poesia e escolhas afetivas: edição e escrita na poesia contemporânea" Luciana di Leone propõe, a partir da episteme do afeto[1] , um recorte acerca da poesia brasileira e argentina nos anos 1990 e 2000. Para Leone, o poema é uma escrita que solicita o leitor, que pede a sua entrega. Dessa forma, produz afeto e uma relação entre dois corpos.

Poderíamos então dizer que, afinal de contas, a palavra poética implica uma transitividade (...)Portanto, o leitor não pode se subtrair, ignorar a própria presença frente ao texto; deve, pelo contrário, tomar posse, possuir o poema, incorporá-lo, sabendo que, nesse movimento, ao mesmo tempo que abre (revive) o corpo (morto) do poema, se abre à subjetividade que o enfrenta” (2014, p. 11)
Também o afeto, neste contexto, é uma categoria para analisar as estratégias de disseminação da poesia e investigar as práticas de ler, escrever e editar, bem como pela questão do relacional, isto é, pelos modos de “viver junto” (2014, p. 12) e a organização de coletivos artísticos. Para tanto a autora recorta um conjunto de obras poéticas dentro da grande área " poesia contemporânea" para dar conta do que ela chama de transitividade poética, em que escrita e leitura se relacionam a partir da ideia de afetação, de modificar e ser modificado por aquilo que se lê e se escreve. Embora ela ressalte que essa transitividade e afetividade não sejam características apenas da poesia contemporânea, brasileira ou argentina, justifica parte dos trabalhos poéticos produzidos nas últimas décadas no Brasil e na Argentina.

se constrói explicitamente a partir de uma cena de leitura que alimenta as escolhas afetivas e alimenta a continuidade dos afetos produzidos e, ainda, explicitam essas escolhas como as que guiam seus projetos ( 2014, p. 12).

 Em quatro capítulos, a saber  "Pensamento contemporâneo: o afeto em pauta", "Escolhas afetivas e edição de poesia",  "Poéticas do afeto endereçamento citação e nomes próprios" , "Repensando as escolhas afetivas: por gesto crítico" a autora observa que, se por um lado há uma ausência de representação política e projeto estético na geração que emergiu entre os anos de 1990 e 2000 por outro há a necessidade de lançar luz sobre os diversos vínculos criados entre o leitor e o poema, entre a leitura, a escrita e reescrita da produção contemporânea, encabeçada pelas relações construídas entre poeta, editor, leitor e crítico.  
Talvez o poema e a sua situação de publicação possam ser pensados como sintomáticos de um modo de editar, escrever e ler poesia que ganha força na produção poética do Brasil e da Argentina das últimas décadas. Modo de editar, escrever e ler que investe no que a edição, a escrita, e a leitura têm de prática coletiva, na qual o autor se dissemina, deixando de ser garantia do sentido e dono do escrito, deixando de ser garantia do sentido e dono do escrito, deixando de apelar a uma voz própria, e articulando diferentes tempos, espaços-vozes de forma não hierárquica nem identificatória. (2014, p.14)

Tomando como corpus a produção literária poética publicada em revistas, coletâneas, blogs e youtube (Cine Paissandu para Aníbal Cristobo).  Leone reconhece na poesia desse tempo um "affectiveturn"' ou “virada afetiva”, que teria se materializado na criação de variados “espaços de encontro e produção” de poesia, o que inclui editoras, oficinas, catálogos, coleções, revistas, antologias, além do trabalho de cada poeta compreendido como espaço afetivo (2014, p. 64). Discorre como as sociabilidades einter-relações afetam a produção poética atual.  Essas revistas e coletâneas publicadas física e virtualmente agrupam entre seus autores um conjunto de poetas que se uniram mais por conhecerem-se uns aos outros do que por algum outro fator orgânico. A partir de reuniões informais, que ocorriam por meio de uma divulgação não convencional, ganhou corpo uma produção poética que traz em comum uma série de características que, segundo di Leone, expressam essa sociabilidade nascida das “escolhas afetivas”.
Nesse sentido, segundo a autora, essas produções não podem ser observadas sem se levar em consideração a importância – identificada também em campos como a filosofia, a sociologia e a crítica de arte – da questão do relacional, dos modos de viver junto, dos coletivos artísticos, “com os seus desdobramentos na reflexão sobre a grupalidade, a comunidade, as aproximações e as distâncias entre o eu e o outro, e os efeitos e afetos” (2014, p. 20).
No primeiro capítulo, “Pensamento contemporâneo: o afeto em pauta”, Leone identifica uma espécie de “espírito de época” em que as escolhas afetivas são basilares tanto na poesia contemporânea quanto em outras áreas. Afeto aqui é tido como “afecção e como sentimento, para referir e insistir na sua dinâmica relacional, pela qual os sujeitos e discursos implicados são vulnerados, desfigurados e reconfigurados por essa força que varia de forma contínua” (2014, p. 20). Ou seja, ela entende afecção e afeto como semelhantes por entendê-los como envolvidos na concepção de escolhas afetivas (2014, p. 20).Por serem e exteriores, tangíveis, ainda que as fronteiras interior e exterior não sejam determináveis  (2014, p. 20).
Para construir sua argumentação Leone se apoia teoricamente emSpinoza e Deleuze (considerações acerca do afeto), Giorgio Agamben (o que é contemporâneo), Jean-Luc Nancy (comunidade inoperante), em Roberto Esposito (reflexão sobre comunidade), Manuel Castell (sociedade em redes), Nicolas Bourriaud (relações inter-humanas nas artes), Mario Perniola (pensamento sobre o sentir como já sentido), Florencia Garramuño (expansão do literário).
Com esse aporte Leone argumenta a partir do sentir, dos relacionamentos que permeiam a escrita de poesia e crítica na atualidade e também aponta para a necessidade de uma nova crítica, que em lugar de observar os objetos como fechados em si, devem percorrer os fluxos que os atravessam (2014, p. 40). Segundo Leone:

Seja nas propostas literárias expansivas, seja na atitude crítica ou nas modulações do pensamento contemporâneo em diversas disciplinas, o que fica mais e mais evidente é o interesse contemporâneo, o imperativo ético, de mostrar os contatos, as afecções e os afetos, de pensar para além das fronteiras genéricas e disciplinares, mas sem deixar de ouvir as singularidades que elas possam ter. Ler a partir da noção de afeto participa dessa atitude, pois ela torna impossível a procura ou a afirmação de identidades de autoria ou originalidade claras (2014, p. 41).

Contudo Leone alerta para que tal conceituação não seja esvaziada pelo elogio ou pelas repetições e palavras de ordem, apaziguando as suas potências desestabilizadoras (2014, p. 41).

Leone abre o segundo capítulo “Escolhas afetivas e edição de poesia”, apresentando o objetivo de entender como se dá o fazer junto, nas poesias argentinas e brasileiras contemporâneas. Observa que as escolhas afetivas muitas vezes são entendidas como um dispositivo legitimador de práticas endogâmicas, “nas quais o afeto seria sinônimo de relações especulares, dentro de um grupo fechado de iguais” (2014, p. 44), procurando demonstrar, contudo, que as relações são bem mais dissimétricas. Ressalta que tradicionalmente, o trabalho editorial combina critérios econômicos, políticos e estéticos (2014, p. 44). Daí ela se esforçar em pensar como funciona a publicação de poesia em editoras pequenas e independentes, uma vez que as grandes editoras não se interessariam em divulgar novos poetas pelo grande risco financeiro. Observa que essas pequenas editoras não se veem como concorrentes, mas como garantidoras da continuidade de um projeto comum, ou seja, “antes que uma lógica de lutas e concorrência, parece se destacar uma lógica de afetos conviviais”, em que podem ser sobrepor as figuras e tarefas de escritor, editor e leitor (2014, p. 56).
Percebe-se, no entanto, que os projetos poéticos contemporâneos não possuem definições ou filiações, mostrando que o agrupamento é muito mais em nível de amizade do que de busca por uma linhagem de produção poética.
Assim Leone analisa casos de editoração de livros de poesia e aponta, mais uma vez, para a crítica que a relação amical pode levar a uma endogamia, ou seja, a formação de um círculo fechado de poetas-amigos de difícil entrada. Para a autora essa crítica está fundada em um desconhecimento do funcionamento das edições de livros e de blogs, assim como uma resistência a tratar a afetividade como critério válido. Assim “em lugar de assinalar negativamente a amizade e o afeto entre os organizadores e participantes, o que tentamos mostrar é a importância da pergunta pelo significado do sintoma da insistência no critério afetivo” (2014, p. 121).
No terceiro capítulo, “Poéticas do afeto: endereçamento, citação e nomes próprios”, Leone vai além da matriz convivial na edição e passa a apontar como ela funciona como matriz de escrita poética. Assim a autora apresenta diferentes marcas textuais que aparecem na obra dos poetas como, por exemplo, o de “apresentar o próprio texto como deformado por diferentes vozes” (2014, p. 171), materializados no uso de aspas, caixas de diálogo, signos de interrogação. Outra marca observada é o uso do nome próprio de lugares, nomes e textos que referem à momentos concretos na vida literária, assim como o uso de diversos tipos de citação. Analisando as produções de Aníbal Cristobo (blog Yodebería estar haciendootra cosa) e Marília Garcia (videoAçaí ou cine Paissandu para Aníbal Cristobo), Leone retoma a ideia de trânsito e percurso citada na sua introdução para concluir que:

Trata- se de gestos de destinação e endereçamento que possibilitam uma – provisória, falha, vulnerada, imprópria – configuração do eu. Por isso, se a arte contemporânea insiste nos percursos é porque eles se realizam apenas para ser afetados, como única forma de criar algum tipo de pertencimento, ou de comunidade, quando as cartografias e as identidades declararam seu definitivo enfraquecimento.  (2014, p. 157).

Assim, como todo traslado é afetivo, cabe à arte contemporânea, mediante as falhas do mapa operar contra esse enfraquecimento das cartografias e das identidades e em favor do pertencimento e do encontro.
No quarto e último capítulo “Repensando as escolhas afetivas: por um gesto crítico”, Leone diz propõe como conclusão instalar o incômodo afetivo a partir da inquietação produzida pela poesia (2014, p. 164). Em suas próprias palavras, ela se preocupa com a:

naturalização dos modos de consagração predominantes na poesia produzida nas últimas décadas – a do meu tempo, a dos meus amigos –, modos da consagração das quais a crítica participa intimamente. Daí que a tarefa assumida tenha sido, desde o começo, a desnaturalização desses modos – e não a sua desativação! A tarefa de tornar mais transparentes as tramas da consagração literária, decorrente de escolhas editoriais assim como estéticas, que estão em jogo tanto nas coleções e antologias, quanto nos procedimentos de citação e endereçamento trabalhados nos poemas. ( 2014, p.164)

O livro, de alguma maneira panorâmico e ao mesmo tempo interpretativo, evidencia o esforço de desvelar “as tramas da consagração literária” como provenientes de escolhas editoriais e de escolhas estéticas, que aparecem nas antologias, oficinas e blogs por ela analisada. A desnaturalização dos critérios afetivos e transitivos que a autora propõe faz parte de um exercício em “reinvestir – de incômodo – esse afeto, e sua relação com ideias de comunidade e amizade, tão caras ao nosso pensamento crítico” (2014, p. 164). Ela propõe que suas reflexões críticas sobre as escolhas afetivas possam ser úteis para pensar outros campos poético, artístico ou social, incitando para a possibilidade de que novas formas de organização social ou comunitária no nosso tempo. Segundo ela, uma poética das escolhas afetivas encena relações dissimétricas, entre corpos que se afetam uns aos outros, contribuindo para a possibilidade acima mencionada.
O que atravessa o trabalho de Leone em “Poesia e escolhas afetivas…” é que a autora cuida de evidenciar que a produção poética deixa de ser vista como produto de uma mente genial, para se mostrar como relacional – com outros textos, outros autores, amigos e de “desnaturalizar” as relações entre editores, leitores e autores, ressaltando, contudo, que não é necessariamente prejudicial essa rede. A relação com o “extra-literário”, isto é, questões de editoração, sociais e culturais, aparecem como fazendo parte e construindo o “intra-literário” afetivo, dialógico, relacional, mas muitas vezes também arbitrário, mas também numa perspectiva de trânsito, de encontro e de diálogo. Sua análise contribui para que cuidemos dessa categoria afeto na análise das produções poética contemporâneas de maneira a evitar o vício das “palavras de ordem”, que podem mascarar percepções mais críticas transformar questões sobre os aspectos afetivos e corporais na produção de um saber literário em algo pacificador e que não nos modifique. Em uma entrevista de novembro e dezembro de 2015 para o blog “Bliss não tem bis” a autora disse que, se escrevesse o livro naquela data, ele seria outro. Em suas palavras ela afirma que “Hoje, acho que eu tentaria lançar os fios mais longe, sabe? Tentaria ir para a literatura medieval para poder falar da Marília, eu acho que hoje eu faria isso…”. Entendemos como Leone que uma análise do contemporâneo prescinde de analisar comparativamente as tramas do passado para compreender para onde esta ética e estética do afeto pode nos encaminhar.






 [1] Como descritos por Spinosa e Deleuze

Referências

Luciana di. ​Poesia e escolhas afetivas: edição e escrita na poesia contemporânea. Rio de Janeiro:  Rocco, 2014. Destaco que​resenha foi realizada a prtir da obra disponível na plataforma eletrônica do Scridb e  por​ ​isso​ ​é​ ​importante​ ​estar​ ​atento​ ​a​ ​paginação,​ ​que​ ​não​ ​acompanha​ ​as​ ​páginas​ ​da​ ​obra​ ​impressa.​ ​
Ver  https://pt.scribd.com/document/356293771/Luciana-Di-Leone-Poesia-e-Escolhas-Afetivas-Edicao-e-Escrita-NaPoesia-Contemporanea​​ ​acesso​ ​em​ ​setembro​ ​e​ ​outubro​ ​de​ ​de​ ​2017.

http://blissnaotembis.com/blog/2015/11/entrevista-com-luciana-maria-di-leone-outras-cenas-de-leitura-e-muito -dificil-viver-junto-num-poema-1a-parte.html​​ ​acesso​ ​em​ ​setembro​ ​e​ ​outubro​ ​de​ ​2017. 




terça-feira, 3 de outubro de 2017

dantesco

em dias obscuros
atravesso de mãos dadas
eu e o meu guerreiro
nove círculos
três vales
dez fossos
quatro esferas

meu guerreiro
é a minha pasárgada 
iluminada

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Xadrez -Rosario Castellanos - Tradução de Norma de Souza Lopes

Porque éramos amigos e, às vezes, nos amávamos;
talvez para acrescentar outro interesse
aos muitos que já nos obrigavam
decidimos jogar jogos de inteligência.

Pusemos um tabuleiro em frente a nós
equitativo em peças, em valores,
em possibilidade de movimentos.

Aprendemos as regras, lhes juramos respeito
e começou a partida.

Estamos aqui faz um século, sentados, meditando
ferozmente
como dar o último golpe que aniquile
de modo inapelável, para sempre, ao outro.

Daqui ó http://www.poesiademujeres.com/2012/05/ajedrez.html