quarta-feira, 29 de abril de 2015

arrancar penas bambas

são reais
os olhos vermelhos
entre as folhagens?

arrancar penas bambas exige
meticulosa atenção

a cada pena destacada
um olhar desaparece

cuidar para não gastar
muito tempo nesse trabalho
deslumbrar-se
diante do amarelo morno
do sol de outono

segunda-feira, 27 de abril de 2015



Olívia tem dois olhos
de onde saem sombras
com o terceiro olho
ela canta uma canção
e as adormece

Olívia cuida muito bem
do seu terceiro olho
ela o pinta todos os dias

às vezes Olívia se esquece
de alimentar o terceiro olho
e ele mastiga seus dias
lentamente





NSL
27/04/15

quarta-feira, 22 de abril de 2015

depois de partir

parada no portão
a bicicleta do pai parecia ter asas
quando chegou naquele dia, à tarde
vinte e três anos depois de partir

parecia que a qualquer momento a bicicleta levantaria voo


NSL

22/04/15

domingo, 12 de abril de 2015

Encantamento

Teve o Vavá e seu amor em forma de feijoada que demora três dias para ficar pronta. Teve a Mariana Botelho que chegou bem cedinho para irmanar comigo. Teve o Ravi, apaixonado pelas "gainhas" e me chamando de tia norma. Teve o Erre Amaral que, príncipe demais, atrasou a volta pra casa pelo encontro. Teve a Adriane Garcia que, minha irmã amor, foi "maravilhosa" como sempre achando o amor lá naquele ovo da clarice, teve o Luís, o único cientista que eu conheço, gentleman, achando a física na clarice. Teve a Neuza cantando até me fazer chorar Ali Babá e os quarenta ladrões e tantas outras dos disquinhos. Teve o Clovis Souza lendo o pequeno príncipe e nos mostrando em nós nossos cabelos cor de trigo. Teve a Simone Teodoro, rememorando, irmanando é distribuindo aquele amor suave tão dela. Teve o Samuel Medina meu principe lindo, que eu venho apresentando pruns 800 meninos e meninas, nosso herói da literatura fantástica. Teve a Karol Elias, minha irmã linda que chegou cedo, foi e voltou, foi e voltou e terminou a noite conosco. Teve o Edgar Junior que disse ter sentido uma grande tristeza por ter ficado só com o panelão de feijoada, que foi e voltou, foi e voltou e que finalmente (uhuhu) comprou meu livro. Teve gente que veio e comeu rapidinho. Teve gente que levou pro pai e pra mãe. Teve eu que esqueci de mandar um embornal de feijoada pra esse povo todo e provavelmente vou ter que comê-la por uma semana. Teve o Jonathan Lucena que pairou presente todo tempo. Teve muita coisa que eu não tou lembrando aqui e se vocês lembrarem eu acrescento. Ah, e teve a Clarice Lispector, gente. É, teve a Clarice.

NSL
12/04/15

Lista de constatações para uma possível crônica de viagem:

- só porque juntam uma galinha com um sapato não significa que sou obrigada a comprar o par;
- borboletas só vivem um dia (e se prestam a fotografias antes do fim);
- pássaros de cabeça vermelha não se prestam olhares míopes;
- conversas de bruxas adormecem os homens;
- há que se revesar o riso e o choro;
- sanfonas são excelentes antídotos contra a tristeza;
- conversas devem incluir;
- três livros de poesia, um Cortázar e minisaraus estarão garantidos;
-um violão é muito bom. Dois são magníficos;
- águas de cachoeira endurecem os cabelos (e podem deixar alguns repentinamente carecas);
- cachoeiras não curam bebedeira;
- esquecer escovas e fio dental pode ser desagradável;
- é muito lindo quando a lavagem da louça se revesa sem escalas;
- homens entendem de carnes cozidas e assadas e mulheres entendem de cachoeira;
- hi-fis são excelentes para os videomakers;
- verifique atentamente as contas de restaurantes;
- acampamentos podem ser precários mas nunca, nunca mesmo, devem faltar risadas.

NSL
07/04/15

quinta-feira, 9 de abril de 2015

De mudança mais uma vez. E eu, que reclamava da casa ser meio torta, já vinha me acostumado com suas poucas janelas, suas portas discretas. 

Três anos e eu nunca mudei nenhum móvel de lugar.

Mais uma vez. Mais uma vez. Mais uma vez.

No entanto aqui dentro nada mudou. Conservo minha estrutura bovina, pesada, atada ao chão. Um esforço absurdo para não me mover, desejo inútil de aprisionar o tempo, o espaço. 

Tão diferente das borboletas. Seu trabalho primoroso em constituir asas coloridas, crisálidas, voos tão perfeitos quanto danças. 

E viver apenas um dia!

Borboletas batem asas até em nossas línguas. Escuta esse papilio, belbellita do latim, Babele do ídiche, papallona do catalão, mariposa do castelhano, pinpilinpauxa do basco, papillon do francês, farfalla do italiano, butterfly do inglês, Schmetterling do alemão, Bábotschka do russo, kelebek do turco, parpar do hebraico, petalouda do grego, kipepeo do suaíli, Kaba-kaba do filipino, rama-rama do malay, fluture do romeno, pillangó do húngaro, liblikas do estoniano, panapaná do tupi.
Achava curioso que elas posassem às minha fotografias com tanta naturalidade. Me assustei ao saber que borboletas me procuravam perto do fim, como se quisessem me contar acerca do efêmero. 
Espero que me perdoem, bruxas voadoras. Fui arrancada da pupa antes da hora. Mas não sofram. O amor me salvou. Se vivo pesada é por amor. Tanto que vibro diante de qualquer amor, os meus e os alheios. Estuo numa frequência absurda. 
Pensando nisso não parece tão sério me mudar. O amor não muda. Ele vai ser sempre isso, uma lagarta, que mesmo estando pronta, renunciou às asas. 


NSL

08/04/15



terça-feira, 7 de abril de 2015

quarta-feira, 1 de abril de 2015

das poesias e das orquídeas

das coisas inúteis que se listam por aí
poesia e orquídeas são algumas delas
orquídeas prestam-se muito mal a transformar-se em cadeiras
e poesias não costumam responder bem quando tomadas com drágeas   

eucaliptos não
você não precisar esperar cinco anos
diante de um eucalipto a fim de vê-lo florir
e apesar de eucaliptos e orquídeas serem sensíveis ao vento
orquídeas o são por puro capricho

poesia e orquídeas são realmente coisas muito inúteis

NSL
01/04/15