quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

É uma droga saber que só me coube uma escolha, eu queria todas. Daqui há uma 20 horas essa febre terá passado. Só os astros mudam de lugar. Eu continuarei dando 25 passos para fora de casa para o trabalho e 25 passos para dentro de casa. Mas eu aceito esses jogos, ninguém poderá me acusar de não saber brincar. 
Voltemos no tempo, antes de eu ser mãe. Voltemos mais, voltemos ao ponto em que eu só pensava em malhação e pegação. Eu ainda sinto falta da dor ardente que é se apaixonar. Mas confesso que era uma droga, nunca foi melhor que hoje. Parecia bom, não fosse os caras que eu mais me amarrava me usando e jogando fora como um traste.  
Nenhuma figura se encaixa. Aqueles caras só existem na minha cabeça. Meu ideal era uma tolice. Os homens que atravessaram meu caminho  queriam sexo e eu queria me sentir segura. Hoje só me servem para escrever poesia. A segurança que tenho ninguém me deu,  eu mesma construí. 
Teve aquele, o primeiro de todos, aquele que me espancou até eu entender que ele não era bom para meu filho. Teve o outro, o sedutor. Não me amava de verdade. Fez sentir-me uma princesa, como fazia e faz a todas as outras. Ainda me faz tremer, mas é um espectro. 
Você pode estar se perguntando: mas é disso que se trata, relações? Digo sim, é disso que se trata. Mesmo em fase terminal, nossas maiores questões são as relações. 
Mas não me engano, isso não é literatura. É uma merda de confissão bêbada. Literatura de verdade é capaz de ficcionalizar-se. Seria literatura se eu concluísse dizendo que sou feliz para sempre com meus filhos criados, meu amante de tempo integral e meu emprego público. Mas isso eu não vou dizer. Não sei jogar tanto assim. 

NSL
31/12/14

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Festejos são a oportunidade de estar só e não dizer uma palavra. Dar lugar a essas tristezas que me trazem as retrospectivas. Justo agora que aprendi a ouvir os pensamento e não temer a viscosidade do que por aí chamam verdade, descubro que não prestei atenção ao caminho. 
Querer tão pouco está me parecendo uma ofensa à vida. Escolhi um homem para me amar, meus filhos cresceram e amam como se fossem os últimos. Aprendi que daqui a cinco anos nada terá importância mas fazia mais sentido quando eu era o centro de tudo
Tenho medo. O que vai ficar quando eu perder a poesia?

NSL
30/12/14

domingo, 21 de dezembro de 2014

dança da chuva

dança da chuva
[norma de souza lopes]

arrancar os dedos lenhosos
de meus pés descalços
fincados sobre o solo
raízes no cotidiano dor

do outro lado  
transmutar-me pedra
mínimo seixo
1, 2, 3, 4, 5
voltar


subir a montanha
do quênia
ou o grand canyon
sutil
quase infantil
sussurrar ao céu
o corte na mão
o custo da alma
esperar não
é qualquer dor
que traz a chuva

NSL
21/12/14

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

toda poesia é feminina

poesia universal 
que não fosse
poesia mulherzinha
não diria  
" viver não é necessário"
por que vida
é fêmea no cio

poesia universal 

que não fosse
poesia mulherzinha
não diria 
"minha terra tem palmeiras"
pois terra é fêmea
e gera a sua maneira

poesia universal 

que não fosse
poesia mulherzinha
não diria 
"ora direis, ouvir estrelas"
que estrelas são fêmeas
e chocas

poesia universal 

que não fosse
poesia mulherzinha
não diria 
"as almas são incomunicáveis"
que alma é anima
figura feminina

poesia universal 
que não fosse
poesia mulherzinha
não diria 
"sou um homem comum "
que comum a todos os homens 
é brotar do ventre que germina
NSL
09/12/14

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

desadornos

há quem me assopre
silenciosamente
e há quem
parecendo contente
com minhas conquistas
me ordene que pinte os cabelos
e as unhas
como a meter-me uma cunha
na alma

o silencio me entende
sou índia
só me pinto pra guerra
e pra dança

entendo o despeito
mas sou madeira de lei
a árvore do Diovani
de poesia
me enfeito

NSL
05/12/14





quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

dos outros 
espero mil sopros
para dispersar a sombra
pousada em meus ombros

pois o olho 
movimento convexo
só pra fora é que olha

fundo poço
adaga no plexo
autocomiseração

e o amor 
é essa carpa prateada
que não para em minhas mãos

NSL
03/12/14

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

tivesse corrido

tivesse corrido 
de mãos dadas contigo
a primeira vez 
que entrei no mar
garanto 
tinha aprendido
a me amar

jurei nunca mais passar 
pela sua rua
mas que droga
é o melhor lugar da cidade
para ver a lua

(vou perder muita poesia
no dia que esse amor cicatrizar)


NSL
02/12/14

sábado, 29 de novembro de 2014

1974

há sempre um filho mais amado
e não adianta chorar
nunca fui eu

em 1978
foi ele que recebeu
a carta mais amorosa
que ela já escreveu

"walace no dia 3 de
dezenbro de 1974 vocen
ganho um avoré
agora dia 3 de dezenbro 
de voce está gando
estas lida coeca
com carinho 
da sua mãe
Nilma"

está tranquilo, mãe
hoje entendo
o filho mais amado
é sempre 
o mais necessitado

NSL
29/11/14

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Lua nova

 
Achei tão bonitinho ver você correndo hoje, daquele jeito que as pessoas correm, executando movimentos rápidos mas sem realmente se mover mas depressa.
De longe parece fácil calar esse seu parlatório com um beijo, cheirar o seu cabelo e pedir que você nunca me deixe. 
Mas como poderia te beijar?
Você nunca esteve comigo e eu nem olho no seu olho. 
Se você tiver uma ruga imensa na testa eu nem saberia.
A verdade é que eu não ligo se você tiver uma ruga imensa na testa.
Meu amor não encara você na real. 
Ele é uma entidade que transita entre o que você é e o que eu gostaria que você fosse. 
Por mais que eu aplique compressas e bálsamos neste amor, ele vai ser sempre como aqueles cortes cirúrgicos que cicatrizam mas em época de lua cheia zangam.
Há esta lua nova de maio, mas meu peito não sabe. Está tão inflamado de amor que chega a doer.
 


domingo, 23 de novembro de 2014

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Se quisesse eu inventava uma história. Seria uma história triste, atravessada por tragédia e solidões. Mas eu inventava. Se quisesse inventava até uma história feliz, dessas que todo mundo encontra um par, se casa ou fica grávida, que os vilões ficam loucos ou vão para a cadeia no final. História de abandono? Eu inventava. E essas histórias que terminam antes de acabar? Eu inventava também. História fantástica, com milagre, magia ou fenômeno? Eu inventava. Bastava querer.
Mas eu não quero. Não acho que valha a pena. Nem acho que valha a pena viver uma história. E eu acreditava, viu? Eu tinha um lema "invente uma história, acredite nela e viva-a todo dia". Mas isso acabou. 
Ando frouxa, ao sabor do acaso. E o meu acaso são dados viciados na sorte do crupiê. Quem é o crupiê? Todo mundo, menos eu. 
Antes de eu ficar assim, a mercê desses anjos distraídos, liberando o acaso sem pedágio, eu criava tudo. Me cansei de inventar porque isso foi o que fiz a vida toda. Eu sou uma pessoa inventava, sabia? Nem uma ruga, nem uma dobra, um fio de cabelo branco é real. Tudo que você vê em mim é ficção. 
Eu inventei a menina alegre, a adolescente maluca, a mulher de sucesso, a mãe ideal. Tudo de mentira. Houve dias que eu achei que a mulher triste era de verdade mas acabei compreendendo que eu a havia inventado também. 
Eu esgotei uma grande cota de invenção em mim mesma. E enfarei. Por isso não invento histórias. Mas se eu quisesse eu inventava. Ah, inventava. 

NSL
20/11/14
São tão miúdos esses meninos para quem conto história de tranças. Diante deles eu preciso calar a raiva pelos negros mortos. Ser griô é ter leveza e, às vezes, calar a dor.

NSL
20/11/14

terça-feira, 18 de novembro de 2014

invisível

as palavras que trocamos 
descrevem uma reta perfeita 
entre o seu e o meu ouvido
mas é patético 
o esforço de superfície

(no recôndito 
palavras lascivas 
rolam atracadas
famintas de si)

colóquios de verniz
não promovem encontros
entre mentes, línguas e corpos


NSL
18/11/14

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

É uma catástrofe que eu  esteja sempre atenta às artimanhas que usas
para vilipendiar quem odeias. Que me importa teus afetos?

Não sou mãe do mundo e de mim, nada podes tirar.

NSL
14/11/14



escrever é promover
a cópula da palavra
com a carne
ânsias de gerar um filho
chamado significado

sob o peso do rebento
que nunca nascerá
estar
eternamente grávida

NSL
14/11/14


quinta-feira, 13 de novembro de 2014

em todo canto alucino
o grito irado de minha mãe
não há exílio na infância

e em dias que amanheço
a alma em carne viva
queria morar nestas lágrimas


ao menos elas
correm para fora de mim

NSL
13/11/14


terça-feira, 11 de novembro de 2014

imersa

penas úmidas
naufrago entre redes imaginárias

meu sopro esculpiu 
este minúsculo aquário

um cargueiro desliza ao largo


NSL
11/11/14

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

torcicolo

fora de época
os ipés amarelos
contorcem-se
curvam em silêncio
seus pescoços
a espera de que os sem-teto 
cansados de ter medo
explodam num outono 
de cacos azuis
abram flores vermelhas 
sobre as peles brancas 
dos homens de bens

NSL
05/11/14


sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Reencontro

A casa estava cheia. Após o enterro, amigos e parentes vagaram entre os cômodos e não demonstraram interesse em partir. Conversavam até a alta madrugada sobre o falecido, sobre a fragilidade da vida, sobre a forma como se conheceram. Pulavam de um assunto para o outro como se o encerramento daquela conversa pusesse fim em algo maior, uma presença que eles não eram capazes de desfazer.
Enfim chegou a hora de dormir. Nenhum dos dois havia contado sobre a separação. Não acharam necessário. Não era uma pauta para aquele momento. Por isso foi natural que na divisão dos quartos os dois fossem encaminhados para um quarto com cama de casal. Não rejeitaram a ideia afim de não se enredarem em explicações. Simplesmente foram e se deitaram.
Derrotados pelo cansaço, foi fácil dormir. Mas, passadas as primeiras horas, ela acordou excitada e consciente da presença do corpo dele. Desejou que estivesse acordado também, mas não podia saber. Sua respiração não dava sinais de compasso ou descompasso.
Encostou as plantas dos pés em suas coxas, de uma maneira que poderia ter acontecido quando alguém se vira na cama. Sentiu o calor de sua perna e o desejo expandiu. Não sabe-se por causa do calor ou por estar acordado mesmo, ao cabo de alguns minutos ele afastou as pernas e tomou distancia na cama. Ela sentiu a pontada aguda da rejeição. Até que o dia amanhecesse experimentou os tremores desencadeados pelo desejo e pela fantasia do que aconteceria se ele acordasse e a tocasse. Por fim, não suportando mais, levantou, sentou-se a beirada da cama e calçou os sapatos deixados ali na noite anterior.
Ele então abriu os olhos. Perguntou se não estava cedo demais para sair da cama, com aquele olhar de quem sempre quer manter a conversa na superfície. Ela recusou-se a fazer o jogo. Contou como tinha sido aquele fragmento de noite ao seu lado. Falou do desejo de tocar e ser tocada e das fantasia que a afligiram. Falou de como se sentia confusa, uma vez que sentia que a separação havia sido a coisa mais sensata e que compreendia como o contato colocava em risco tudo que eles foram capazes de resolver sem litígios.
Enquanto falava olhava em seu rosto consternado. Ele demonstrava não ter vivido nem sombra daquilo que ela viveu aquela noite. Ele simplesmente dormira. Tentou acariciá-la, como se quisesse compensá-la pelos desejos não compartilhados à noite. Sorria confuso. Parecia não saber o que querer.
Ela entendeu que esta era a sua deixa. Desculpou-se e caminhou em direção ao banheiro. Já era manhã, tempo de voltar a sua vida. Entendeu que o desejo sempre estaria ali, imutável. Não era como uma casa ou uma mobília que se pode mudar, ou se desfazer. Aceitou isso como natural, podia viver com isso.

Quando abriu a porta do banheiro, já vestida para sair, apanhou sua bolsa sobre o criado. Ele ainda estava sentado, com as costas apoiadas à cabeceira, segurando os joelhos com as mãos. Deu-lhe um beijo na testa e deixou o quarto sem olhar para trás.

NSL
17/10/14

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

só posso rir

estes homens convictos
com seus sobrecenhos franzidos
como se soubessem tudo sobre tudo
só posso rir

rir é meu modo de dizer
que não sei tudo sobre tudo
mas penso que sei

renunciar a ingenuidade
é tão traumático
quanto perder a virgindade

NSL
15/10/14

sábado, 11 de outubro de 2014

um pouco de amor teria valido uma dança

ela me contava do pai e da mãe que se amavam
que cuidavam dos filhos com o mínimo
falava da mãe, que nunca a levou para fazer balé
uma bárbara, não compreendia o valor da dança
pensei, era uma família normal, fazendo o que devia fazer

na minha, reinava a aquiescência da mãe
e os socos e gritos
um pai sumido a fazer muita falta
na minha família era muito difícil
perceber a falta de amor
quanto mais a falta de balé
assentia concordando com a cabeça
mas só ouvi até parte do pai e da mãe
que se amavam

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

serena

de nada valiam minhas liçoes
contra as sombras em seus olhos
chorava de amor
e não era por mim

eu me despiria para você
não fosse o estrondo da queda
de seus olhos sobre minhas dobras

sem me exasperar
fechei o ziper da bolsa
lancei os cabelos
por trás das orelhas
e correspondi serena
seu olhar aturdido

levantei
e saí sem bater a porta
certa de que
apesar da carta da outra
em suas mãos
debaixo da almofada
você acariciava
minha lingerie
preta de cetim

NSL
10/10/14

Tué

Bastava a mãe gritar
está pronto o almoço
para  ele se mandar

no bar da esquina
sorvia a "boazinha"
a fim de abrir o apetite

cultivava o hábito
de passar horas
sobre o terraço
orando pela família

morreu crendo na cura
e na continuidade da união
que ele mesmo instalou

nenhum pai de sangue
faz calar a sua falta
nem cola os fragmentos
que se impuseram entre nós
depois da sua partida

NSL
10/10/14


Nas fotografias
cercadas de passado
a cabeça sempre tombada
o que vejo são os olhos
e que tristes!

tem aquelas
rodeada de sol
e de filhos
que nem por decreto
produzem saudades
nunca fostes feliz, mulher?

NSL
10/10/14

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

do hábito de cutucar feridas secas

neste livro que nunca vou ler
na memória da fome que perdi
no segundo que não viverei
repousa uma ferida incurável
que abro todo dia


NSL
09/10/14

travelling

distanciar-me a ponto de ver-te apenas
os portões pichados
os telhados
distanciar-me a ponto de ver-te apenas
as luzes enfileiradas
sentir saudades do mal cheiro
de suas ruas
do trottoir dos maconheiros
e de suas putas
de longe desfazer o asco
da feiúra geográfica
disfarçada na gente atrasada
aprisionada num mundo sem amor

NSL
09/10/14
Pudesse eu nunca mais te mirava
aprisionava-te naquela manhã de setembro
no banho de piscina
na tarde em seu braços
fugidos naquele velho motel

Pudesse eu não ouvia sua conversa
de velho reacionário
sua impudícia diante da beleza do sexo
das meninas de 17 anos

Pudesse eu nunca mais pousava os olhos
sobre este seu triste envelhecer

NSL
09/10/14



quarta-feira, 8 de outubro de 2014

quinta-feira, 2 de outubro de 2014


azul, neon em fuga
suor, cabelos, crânio
encruzilhada
glote fechada

para meu governo
nenhum naco de solidão

NSL
02/10/14


domingo, 28 de setembro de 2014

soslaio da manhã

porque encarna todas as musas
e planta um céu em mim
danço, canto e desejo
beijos sutis

e escrevo para repetir ad eternum
tua sensualidade

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

não fosse a distancia
e um antigo conselho terapêutico
"evite os brutos"
eu seria livre para te amar

NSL
26/09/14


quarta-feira, 24 de setembro de 2014

tudo para

era só uma pergunta
sobre a validade da geladeira
e falei 1 hora inteira
sobre obsolescência programada
e isso é quase sempre assim 

mas quando você
explora meus lábios
busca a língua
corre a ponta dos dedos
sobre toda dobra de pele
circula o médio e o polegar 
sobre protuberâncias
umbigo
clitóris
seios
pelos

e lança o sussurro fatal
um chamado gutural
desejo de invasão
cala meu pensamento
sufoca a razão

daí sou só corpo que vibra
dos cabelos 
aos artelhos
e em qualquer pedaço da pele
posso gozar

NSL
24/09/14



terça-feira, 23 de setembro de 2014

carrego minhas sombras cuidadosamente
a fim de evitar sua expansão 
sobre sombras alheias
há muitos ombros frágeis por aí

NSL
23/09/14

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

na concha vazia do amor

há  roupas espalhadas pelo  chão
e na letra da canção
a palavra compartilhar

amar é suportar a desordem

sábado, 20 de setembro de 2014

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

redundância

são meninos
e meninas
e se amam

e mais 
não preciso
escrever

nesses amores
a poesia
já está escrita

NSL
17/09/14

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Quem captura seu corpo?

Combater o tirano é estar cúmplice de seu poder de captura. Servir ao tirano é estar cúmplice de seu poder de captura. Fortalecer e se apropriar da força essencial do próprio corpo é exercer a potência criativa máxima do ser a partir do acontecimento. E exercer a capacidade de variação. Poder é o extremo oposto de potência.

Norma de Souza Lopes
amo gente
mas é diferente
o amor à gente
que toco
com o olho
que eu ouço
em carne
e osso

NSL
09/09/14

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Jim, o peixe beijoqueiro

Você ia gostar de conhecer o Jim. Jim era um peixe. Dizer assim peixe, sem mais seria pouco.
Jim era um peixe diferente. Não diferente tipo o Patinho Feio ou o Nemo. 
Ele era diferente porque gostava de beijar. E de ser beijado.
Beijava todo mundo: criança, adulto, bicho, planta. Todo mundo mesmo.
Mas também era bravo.
Você pode estar se perguntando:
_ Será que todo mundo gostava disso?
Eu já lhe respondo. Tinha gente que gostasse, mas a maioria não gostava.
Tinha quem não gostava de beijo.
Tinha quem não gostava do Jim.
E tinha quem, não gostando de beijo, mas querendo saber beijar, detestasse o Jim.
Jim seguia beijando assim mesmo.
Ás vezes brigava com quem o detestava.
Apanhava feio às vezes.
Um dia conheceu uma baleia Jubarte, dessas bem perguntadoras. 
Ela perguntava o tempo todo.
_ Por que beijo?
_ Por que todo mundo?
_ Por que brigar?
O Jim não sabia responder mas ficava com as perguntas ondeando na cabeça. (No mar as perguntas não martelam na cabeça, ondeiam, você sabia?)
Ele nadou com essa baleia por um bom tempo. Tempo suficiente para algumas respostas começarem a marear em sua cabeça. (No mar as respostas não pipocam, mareiam, você sabia?)
A primeira resposta veio no dia em que ele foi beijar uma ostra e ela se aproveitou dele para ser carregada pelos sete mares durante uma semana. 
A resposta: não dá para sair por aí beijando quem exige recompensa.
A segunda resposta quando ele beijou um cardume inteiro de sardinha e elas o ignoraram em pleno Festival das Marés.
A resposta: não dá para sair por aí beijando quem não está pronto para ser amigo.
A terceira resposta veio no dia em que ele tentou beijar um Baiacu-de-Estouro que tinha fama de invejoso e brigão. Essa você pode imaginar. Deu briga.
A resposta; tente não beijar invejosos e brigões. Mas, se brigar, tente conversar sobre isso depois, tente resolver. Não se esqueça nunca de se perdoar. Algumas brigas são impossíveis de evitar.
As outras respostas foram surgindo aos poucos. Todo dia Jim descobria uma coisa nova sobre beijar e ser beijado.
Hoje ele beija menos. Ganha menos beijos. Briga menos também.
Mas você acredita que ele não se sente triste por isso?
Quando bate o aperto da falta de beijo ele salta sobre o espelho d'água e lasca um beijo em si mesmo.
Funciona que é uma beleza.

NSL
08/09/14
do alto
miro o abismo
acolho  miragem

no fundo
sou artificie
de degraus

NSL
08/09/14

domingo, 7 de setembro de 2014

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Eu não sei escrever Nietzsche

Eu não sei escrever Niezsche
Eu não sei escrever Nietsche
Eu não sei escrever Nietzche
Eu não sei escrever Nietzshe
Eu não sei escrever Nitzsche
Eu não sei escrever Nietzsche
Quem se importa
Eu nem sei se sei ler Nietzsche

NSL
05/09/14

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Tem dia que torço pelo bandido
Mas temo que ele mate meu filho
Tem dia que eu sou tão contraditória
Quem ataca melhor o fornecedor do mau
as criança de HK
ou os menino do sarau?


NSL
04/0914

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Leveza das pedras

Tanta solidariedade com a dor alheia
E sou sempre posta fora de combate
Porém agora inventei de tornar-me uma mulher de pedra
Não ao modo dos homens
Homens se relacionam de maneira estranha com as pedras
Muddy Waters queria pedras que rolassem e não criassem limo
Na mágoa de Lupicínio, quis que a amada rolasse 
Como as pedras que rolam na estrada
Sem ter nunca um cantinho de seu
O que não era diferente de da ira de Dylan
Queria que a musa sofresse como uma pedra rolando
A pedra de Cabral era a da escrita, objetiva e anti-lirica
(vamos combinar, poesia sem música? Ah, não Cabral!)
E a pedra de Drummond até hoje no meio do caminho
Mas eu não! Estou me tornando pedra ao modo das mulheres
Há dores paralisantes para as quais não há remédio
Diante delas assumirei a leveza silenciosa das pedras
Nem muito nem pouco tempo
O suficiente para estar forte
E nunca, nunca perder a ternura

NSL

03/09/14



Para Gláucia Carneiro, que me atravessou há pouco

 A coisa mais honesta sobre a dor. Ela nos constitui porque constitui o mundo. Gosto de uma explicação que recebi certa vez. O tragos era o bode que ia à sacrifício, ao sabor de cantos e danças, para emular questões humanas. Grande sabedoria Grega. Daí as tragédias que saltaram da literatura para a vida dos homens.
Dizendo de outra maneira a melhor coisa a fazer é, respeitado o luto,  dançar e cantar diante de nossas tragédias cotidianas. Elas são nossa catarse para nos tornar mais potentes.  Se dançar ainda for difícil em decorrência do luto extremo, ajuda tirar a dor dentro e conversar com ela, como velhos amigos.
Executando movimentos pendulares entre a dor e o prazer, movidos pelo desejo, é assim que vamos nos constituíndo.
E lembre-se: é bom que cada um de nós, indiscriminadamente, tenhamos todos nossos dias de pedra e  dias de ilha. Quando assim for, por um tempo, pouco espaço haverá para o humano, seremos sobre-humanos, sub-humanos, mas estaremos fora do humano.
Fora do humano, pedra feita, experimentaremos a ausência da dor e do prazer. Um segundo basta para nos fazer retornar e continuar, muito mais humanos.
Obrigada pela visita
NSL
03/09/14

Dancemos

Descobri minha potencia na quinta série. Dançava ao som de "Menina Veneno" do Ritchie no pátio da escola durante o recreio. Rolava uma treta de autógrafo, uma fila de admiradores armada pela oitava série. Eu me sentia o próprio Sol. Dancei até a sétima serie quando,  a partir de um insight devastador, percebi que aquela fila, que ocasionalmente me abordava,  significava a forma mais cruel de humilhação- a pseudoindulgência com alguém que é considerado tolo. Desde estão enterrei minha potência enquanto dança,  continuar com aquilo me parecia patético. Fui fazer outras coisas. Ser professora, poeta, escritora. E como toda pessoa que enterra por fraqueza sua vontade, tornei-me um ser esquizofrênico que transita entre a gueixa gauche e um tsunami. Hora agrado, hora soterro quem está a minha volta. Trata-se de uma existência muito triste. Gueixa porque coloco tudo que em mim é arte a serviço do outro. Tsunami por que, as pequenas rachaduras que se formam no mar do meu inconsciente, no contato com o outro abusivo, somado a uma paciência elástica, quando tensionada ao máximo, explode e fere todo mundo. 
Gostaria muito de trazer comigo apenas a delicadeza das gueixas. Invejo a capacidade das gueixas de dançar, cantar, agradar e silenciar. Mas a equação não fecha porque dentro de mim mora um monstro doido para explodir. Este monstro deseja executar um balé alucinante, misto de dança, som e voz, para elevar a máxima potencia minha capacidade de fruir e também de impressionar a todos. 
Com o tempo a ausência de fruição, o tamponamento executado pelo outro (quem quer um monstro deste como colega de trabalho? Quem suporta esta esquizofrenia?) foi me tornando um ser ressentido com a vida. Fui ficando  cada vez mais reclamona, reativa e até aquilo que ainda podia ser alguma arte (dar boas aulas, escrever com qualidade) foi ficando esmaecido. 
Tenho dançado de madrugada, passos de Chapeleiro Maluco, mas sei que perdi o bonde do Bolshoi, do Municipal, do Grupo Corpo. E eu não queria ser menos que isso.
Porém preciso achar uma válvula para o ressentimento. Algo difícil de fazer. Leio dia e noite, escrevo dia e noite, medito sobre isso dia e noite mas o ressentimento permanece como um espinho na carne. E eu não escrevo isso à toa não. Aqui todo mundo parece estar exercendo sua máxima potência. Isso me confunde.  Não fosse prosa talvez este fosse meu "Poema em linha reta", uma maneira de dizer que estou consternada por ter ficado de fora daqueles dois por cento que exerce sua potência máxima (esta cifra é do Clóvis de Barros, não concorda reclama com ele.)
Também é uma forma de te contar que, se você se sente no máximo, vibre mesmo, pois é algo muito difícil de alcançar. 

NSL
03/09/14
03:43

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Minha poesia é bosta

Fodam-se aqueles que acham que o poeta é artificie, artesão
que a poesia deve ser vendida em eventos e lançamentos
minha poesia é excremento, sai mais de dentro que das mãos
minha poesia é bosta, ,é cuspe é gozo
pode até haver um orgasmo melhor que o outro
pode até haver quem pague
mas minha poesia é corpo
a poesia é a minha potência
sai de debaixo da pele
de debaixo do músculo
de debaixo das artérias
de dentro dos ossos
se quiser pagar meus pedaços 
que pague
mas mesmo que enriqueça 
a porra do dono do espetáculo
não poderia parar de postar
como não poderia deixar de cagar

NSL

01/09/14

domingo, 31 de agosto de 2014

para não falar de fugas

dói e ainda morro diante da notícia de assassinatos de pobre, preto e índio  

me pego suando sob um espremedor para moer uma mandioca fazendo um escondidinho de carne

desejo ir novamente até jacaraípe para ver uma baleia jubarte dando saltos diante de um arco-íris como se compreendesse o quanto de sonho espero dela 

dou aulas sobre Riobaldo e Diadorim e de como eles encenam a história do bem, do mau e do mundo 

três horas da manhã e eu ainda não posso dormir de tão contente, estou de volta

NSL
28/08/14


Transitar fora e dentro do mundo com leveza é coisa para poucos. Circular por um mundo recheado da intromissão do outro, ou do grande Outro como quer a psicanálise é tarefa difícil para quem não tem o espirito endurecido. De um lado clamores nietzscheanos para que amemos o mundo tal qual ele é, abraçar o acaso a moda de Espinoza. De outro os idealistas  nos convocam continuamente á luta para mudar o mundo. Talvez o certo seja este caminhar claudicante, como quem salta pedras em um rio, tentando sempre achar o caminho do meio entre um e outro, sem, no entanto, nunca livrar-se  da sensação ser incompetente tanto em um quanto em outro. 

NSL
31/08/14

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

vadios

um único dia
assim é a vida 
de uma mulher
(é o que nos dizia 
madame wolf)

no black mirror
os números chamam
todo dia tem show

alarmes inúteis
aqui dentro 
o tempo segue 
em slow


Segundo a medicina, falado especificamente das bactérias, as adaptadas são as que mais matam. São chamadas de superbactérias porque superam aos ataques dos atitibióticos e permanecem vivas.


São super assim como um superesportistas, superoficiais, supergirls e superboys, supermodelos, superman superiores, superwoman. São super porque são adaptadas. O são porque resistem a doses altíssimas de medicamento e são capazes de mudar a própria estrutura. Mas elas quase sempre matam os organismos onde se instalam. Matam por que alimentam-se do fracasso desses organismos vivos para desenvolver a própria cepa. Não que haja uma ética bacteriológica, é simples código de sobrevivência.


O dicionário Michaelis define adaptado como tornado apto, acomodado, ajustado.São palavras que não parecem combinar com o exercício de luta desses seres. Transmissão genética, transmutação de DNA não parece combinar com palavras como ajustado ou acomodado.


As bactérias que desaparecem com o tratamentos vão se deixando dizimar pelas doses normalizantes de antibióticos.

São duas horas da manhã e eu estou aqui tentando resolver essa equação difícil. Eu não sei realmente a qual cepa pertenço. Não sou nem quero ser super nada, principalmente quando isso significar fazer parte desse espetáculo tétrico que vejo por aí. Mas venho camaleonando desde o berço para sobreviver. E isso me coloca nunca condição especial.

Mas que vai ensinar esses meninos pretos de favela a mutar? Quem vai ensinar essa mulheres violentadas a mutar? Quem vai ensinar esses dependentes químicos a mutar? Quem vai ensinar esses homosexuais timidos a mutar? Quem vai ensinar essas familias se teto, sem terra a mutar? E tantos outros que eu não posso me lembrar?

Eu estou isolada, mas isso não me impede de crer que cepas inteirar irão se levantar mutante, outro ser, o homos empoderados, e mostrar que não trata-se de ser super mas de ser humano.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

encruzilhadas


não há nada
só a impossibilidade de voltar

quisera repetir Rimbaud
mas comecei tão tarde


sair cena implica
em estar dentro demais
de mim

para suportar
este lirismo escolar
deveria bastar
o canto do passarinho
no pé de amoreira
no entanto
são cantos de fome
ou acasalamento

tudo esvaziou-se
e em breve
o fio da poesia
romperá
serão dias
de liberdade

NSL
26/08/14



sábado, 23 de agosto de 2014

melancólicas

estilingue
tiro ao alvo
bugalha
malha 
berimbau

e eu com essas pedras melancólicas  
de Drummond
e de Cabral 

NSL
23/08/14



quinta-feira, 21 de agosto de 2014

tanto filme de 36
e só 4 fotos
a vida continua
mas é uma ladeira 
de pedra escorregadia
em tiradentes
meus sonhos 
produzem poemas
melhores que os meus 

NSL
21/08/14

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

foco

vê aquela pedra na ponta da linha de anzol lá no fio de alta tensão
e a outra ponta aqui perto da janela desse apartamento?
podia se um tênis, um bibelô desses herdados de minha mãe
mas é uma pedra
é a pedra que eu guardava de uma viagem que fiz a são josé do rio preto
uma pedra lisa bonita, redonda
o anzol onde amarrei a pedra eu guardo desde uma pescaria frustrada com meu pai. 
o peixe se mexeu depois de morto e com o susto eu o deixei escapar
e sabe porque eu, como um menino que persegue pipas emaranhadas nos fios, lancei uma pedra no fio de alta tensão?
tudo isso se deu por que eu não suporto mais olhar para mim
não aguento mais sondar cada dor, cada memória como se fossem uma respostam para minha infelicidade
quero passar dias mirando aquela pedra
pensando em tudo que ela é e eu não sou
quero abstrair-me de mim em favor daquela pedra preta e roliça que eu recolhi em são josé do rio preto no ano de 1992 

NSL
20/08/14



terça-feira, 19 de agosto de 2014

Para chegar a praça Sete, o caminho que eu faço parte da Estação Lagoinha. Caminho até a praça Rio Branco e penso muito.Pensar muito é meu defeito de fábrica.  Me pergunto como é que pode uma pessoa levantar-se um dia e ir embora, deixar emprego família, filhos e finar-se no mundo. Conheço muita gente que fez isso. Dói como queimadura em quem fica.
Tem gente que, apesar da repulsa, fica. Mas faz da vida de todo mundo algo tão infernal que nem valia a pena ter ficado. 
Porém há casos piores. Conheci um cara que não teve coragem de ir mas se enforcou com uma toalha no banheiro. Se é difícil  recuperar-se de um abandono, imagine disso. 
É, escolher entre o eu e o outro é muito difícil.
Sigo pela Afonso Pena. Há muita gente no Centro. E eles se movem alucinadamente.
Não consigo abandonar o desejo de pará-los e perguntar:  
__Correr para quê se o destino é a morte? 
Posso ver em seus rostos, estão todos na superfície, ainda conseguem um pouco de ar. Só eu vivo esse afogamento continuo que nunca me deixa esquecer: vivemos sob o controle de um sistema econômico selvagem, sustentado pela miséria de muitos, pela psicologia do consumo e a obsolescência programada, cujo controle é feito pela mídia, estado e policia e cujo ideário é uma normatividade moralista e burguesa que não dá brecha para minoria. Penso isso o tempo todo. O tempo todo. O tempo todo.
Na praça Sete tem Duelo de MC's. Muita gente. Mas é diferente. No palco uma batalha de palavras me faz arrepiar. O pensamento muda de lugar. Os braços para cima. O Hoo e a rima me faz emergir. Em volta a fumaça rola solta. Mas eu consigo respirar.
E depois que acaba desço a Amazonas até a praça da Estação. Prefiro esse caminho para voltar para casa. 

NSL
19/08/14

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

caríssimo doutor

caríssimo doutor 
vejo em meu horizonte 
uma coisa muito séria 
é tanta adaptação
e tanto  remédio
que vou acabar virando
uma superbactéria

NSL
18/08/14




Pretérito Imperfeito

A gente se sentava às bordas das casas à noite porque naquele tempo não havia calçada, só uma terra vermelha, um pó fino nas épocas secas e muita lama em épocas de chuva, o que era apropriado para o jogo de finca e de bolinhas de gude. 
Oito,  nove garotos, algumas meninas, mais garotos que garotas. Eu estava sempre no meio. Ter irmãos meninos me abria algumas portas. Tratávamos de tudo, apelidar os adultos,  aulas de Nuncgaku (pau de vassoura amarrado com barbante), cobra de meia na rua, histórias de terror, salada mista, tamanco de lata, perna de pau, carrinho de rolimã.
Então eu me pego contando isso e parece que todas as ocasiões em que brinquei em minha infância cabem num único pacote. Me pergunto porque contamos o passado assim como se ele fosse  um pretérito imperfeito que se repetiu infindáveis vezes, quando a maioria das coisas aconteceram apenas uma vez. 
O fato de você me emprestar as revistas do Fantasma  é um exemplo. Quantas vezes você fez isso realmente? Parece que foi a minha infância toda. Mas será mesmo? E quantas vezes nos realmente brincamos juntos, viajamos juntos, conversamos sobre fotografia? 
E o pior, de maneira bilateral nos relacionamos depois de jovens. Eu, como de costume, amando mais. O amor acabou e você me fez lembrar o dia em que mandou uma carta de amor colada dentro de uma das revistas, fato do qual em nem me lembrava. E eu fico aqui tentando catalogar a memória, lembrar qual revista, lembrar que palavras de amor seriam essas. Não me perdoo por ter ignorado a maldita carta na infância. É como se ela sozinha pudesse ter interrompido todas as minhas outras trágicas histórias de amor.

NSL
18/08/14

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

quando era pequena
me desensinaram a brincar
por isso não esperem
que eu escreva um poema dadá

NSL
14/08/14

Eu fico olhando esse seu cabelo curto, Harano, e fico indignada. Além de baterem, prenderem, ainda cortam o cabelo? Sei o que significa o ai, ai, ai da sua mãe, a dona Helena. Como proteger se é preciso deixar livre? 
Fico imaginando você  no Deic, lendo Cavaleiros do Zodíacos. Sabia que meu filho aprendeu um tanto sobre luta, respeito ao próximo, amizade, cordialidade, honra, generosidade  e sabedoria no Cavaleiros do Zodíaco?
É preciso lutar. Estive muito tempo lutando em escolas, salas de aula, tentando resgatar uma sociologia, uma filosofia e uma ética soterrada pelos resquícios da ditadura. É preciso, ao modo de Paulo Freire, levar aos alunos uma educação humanizadora. Mas há uma  roda dentada movida pelo primordialmente pelo Banco Mundial, que nos atropela em forma de avaliações, prazos, planilhas, desvalorização e trabalho burocrático que me deixou muito doente. 
Não que eu tenha deixado de lutar. Fui a algumas manifestações, ergui algumas bandeiras, ainda ajudo financeiramente algumas brigadas pela internet. Mas estou realmente muito doente. 
Acredito em você. Acredito em você de um jeito curioso. Crer em jovens como você, a Elisa Quadros e em tantos outros é com estar enviando meu último  Qi ("氣") para que vocês tenha forças para lutar contra esse mundo onde a valor econômico significa mais que seres humanos. 
Ontem Morreu Robin Williams. Acho que ele não estava gostando muito do mundo como ele está. Mas também morreu Nicolau Sevcenko. Apesar de ser historiador e ao contrário de Williams, Sevcenko era otimista acerca do mundo. Numa dessas conversas acerca do mal estar com o mundo globalizado perguntaram a ele:
__ Resta-nos o suicídio?
Ao que ele respondeu como era de costume:
___ Uau! Oh não! Espero que seja um grande gesto de amor à vida, amor ao ser humano, lutar contra princípios que se colocam a frente do ser humano, à frente da natureza e à frente das relações harmoniosas entre os seres. 
Para mim parece claro que você Harano, também opta pelo legado de Sevcenko e sua crença em outro mundo. Eu de minha parte continuo enviando Qi's. 

NSL
14/08/14




quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Sussurros

Certa vez ouvi contar a história sobre uma criança abandonada, acho que da Françoise Dolto, uma psicanalista de criança, que me impressionou muito. 
Trata-se da história de uma crianças foi deixada em um abrigo por sua mãe sem nenhuma explicação ou documento. Ela tinha dois anos mas parecia ter nove meses. Anoréxica, olhos embaçados, tez seca e rachada, sempre urinada, coriza abundante e lágrimas, muitas lágrimas. Ela parecia ser uma criança inacessível. Já levava em si um ar de louca. 
Um dia uma das cuidadoras, acho que a própria Dolto,  começou a sussurrar coisas no ouvido da criança. Dizia que ela tinha escolhido viver, e que era ela que escolhia, por amor a sua mãe que a havia rejeitado, ser rejeitável por todo mundo para que todo mundo fosse como sua mãe. Sussurrava ainda que sua mãe a havia rejeitado para que pelo menos uma delas tivesse a chance de ser feliz. E essa poderia ser ela.
Esses sussurros pareciam surtir efeito sobre a criança, uma vez que ela começou a olhar, sorrir, comer, ganhar peso, ficar limpa. A criança demonstrou um desenvolvimento memorável nos anos seguintes.
Esta história me faz pensar no valor daqueles sussurros. 
Crianças precisam de sussurros que nomeiem um mundo seguro, até que elas mesmas possam emitir os próprios sussurros,circulando por esse mundo inseguro que temos por aí. Ou até que elas possam fazer poesia, simulacros de sussurros que acalmam ou atormentam a alma.

NSL
13/08/14

terça-feira, 12 de agosto de 2014

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Em outubro ele faz vinte. E sempre me pareceu muito feliz. Acho a alegria dele tão preciosa que acabo facilitando sua vida, protegendo-a como quem guarda uma pequena brasa.  Isso causou alguns estragos. Nada que a própria vida não se encarregue de corrigir. 
Gosta de conversar sobre tudo, fazer perguntas, sondar primeiro antes de viver. Lembro-me de uma vez que ele me fez descrever como seria um beijo por mais de meia hora sem nunca demonstrar estar satisfeito com as respostas. Mandei ele ir viver. Ele não me deu alternativas.
Conversávamos hoje sobre os rumos que sua vida vai tomar e ele parecia preocupado com as mudanças. Disse para não se preocupar pois as coisas costumam dar certo para caras como ele. Ele me pediu para explicar. Decidi usar a mim mesma como exemplo numa alegoria na qual uma criança sofre uma queda enquanto corre. 
__ Suponha que sou uma menina que está correndo e brincando. Então esta menina sofre uma queda grande o suficiente para ralar os joelhos e sangrar. Sou o tipo de menina que fica no chão chorando, soterrada pelo ressentindo com a queda. A vida não costuma ser boa para meninas assim. Já você é alguém que cairia, avaliaria o sangue nos joelhos ensaiaria o choro, olharia os colegas correndo à sua frente, desistiria do choro e continuaria correndo. Com esse tipo de menino a vida costuma ser muito generosa. 
Ele riu e perguntou se sempre haveria a queda, se não dava para evitá-la. Não expliquei muito, acho que ele já sabia a resposta. Sempre haverá uma queda. Não fez nem uma pergunta sobre meninas que ficam chorando no chão. Isso ele já sabe. Desde que nasceu assiste ao triste espetáculo em que tento afastar os escombros e me levantar. 

NSL
11/08/14

domingo, 10 de agosto de 2014

rastros

Emudeci quando você perguntou
como eu me sentia estando tão bonita
a garota sarada das aulas de natação
mas 1993 vai longe
e isto não é um fato
é um  rastro no hipocampo

matamos um dia inteiro de trabalho
nadando só nós na piscina universitária
nos demos aquele dia de presente
mas 1997 vai longe
e isto não é um fato
é um rastro no hipocampo

tenho 43 e um córtex vigilante
ante às artimanhas de minhas glândulas 
e suas campanhas em favor do amor  
mas me tornei paleontóloga de rastros
rastros de memória que trazem dedicatórias 
dizendo "seremos felizes para sempre"

NSL
10/08/14