segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Ponho borboletas pela boca todo dia.
Abro a boca já com a pinça na mão pronta para sacar, já na glote, pequenas
borboletas.
Avalio meticulosa suas asas. Cada uma traz escrito perguntas, daquele modo
que espalha o pó dessas borboletas, aquele mesmo que quando pequenos
nossas avós nos pediam para evitar pois, se levado aos olhos, podiam nos
cegar.
Perguntas que eu não sou capaz de responder.
Essa de hoje trazia como ranhura “o que é sorte? ”
Há dias que mais que uma me saem pela boca. Ontem mesmo foram três.
Tenho-as guardadas em uma caixa, uma vez que ao atravessar minha
garganta, as pobrezinhas morrem.
Quando sou capaz de responder as perguntas inscritas em suas asas elas
revivem. Foi assim com “porque nem todo mundo é feliz? ” e com o “qual a
diferença entre o amor e a paixão? ”
Às vezes me pego em apuros, como no outro dia, no trabalho, quando uma
belíssima, de asas amarelas saiu com a pergunta “porque realmente você faz
isso todos os dias? ” Quase não tive tempo de me esconder no banheiro para
escondê-la no bolso do casaco.
Ultimamente o número de borboletas a saírem vem aumentando
sobremaneira. Para evitar o embaraço evito sair de casa. A caixa está repleta.
Arquiteto planos para evitá-las: fico de boca fechada por dias. Mas basta uma
distração e da boca aberta sai dezenas delas. Tento engolir mas acabo por
regurgitá-las.
Confidenciei meu problema a uma amiga intima, dessas que trazem sempre
um sorriso no rosto, iluminada e bem resolvida. O que ela me contou deixou-
me espantada. Ela coloca pintinhos pela boca. Desses novos, vivos,
amarelinhos e bem acariciáveis. Mas ela nem chega a ler as perguntas,
imediatamente torce o pescoço das pequenas aves e lança no lixo.


NSL
22/08/15

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Ela atravessa o largo e de longe já pode vê-los parados na entrada do morro.
_ Beco sete ou Beco dez?
Como uma múltipla escolha em que a nota é a vida há que se responder e esperar que a resposta não ative o gatilho da HK.
_ Espera, não é você a tia que dá aula pro meu irmão?
_ O Denilson? É claro.
_Vaza tia que a chapa tá quente.
Ela sobe o morro pensando onde tudo vai parar. Pensa no quanto vem parando. No quanto parou quando o Pedro Araújo foi morto em 2012. Deu um rasante de vendedor a usuário e foi apagado por causa das dívidas. Doze anos meu Deus. Doze anos e dezessete tiros!
Queria tudo muito rápido, casa, carro roupa de marca. Chegou a comprar uma motocicleta 50 cilindradas mas não segurou a fissura. Parou também.
Lembra dos meninos do sarau, batalhado para arrastar a meninada para longe dos fornecedores. Câmera lenta. O fornecedor do mal não para, seja no shoping ou no morro, ele não para nunca. 24 quadros por segundo.
Escuta muito. Pena de morte, maioridade penal, aquisição de armas, auto-defesa. Quem vai extinguir quem?
Pensa em história. Nas inúmeras aulas de história que já   assistiu ou aplicou. Como começaram aquelas guerras ruidosas dos livros de história?
Bobagem. Isso não interessa. Interessa como termina. Quem ganha é ou será sempre o fornecedor do mal.

NSL
18/08/15

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

casa nova


um coqueiro de seis metros
um abacateiro em flor
quatro bananeiras
e uma casa-ovo


um papagaio que canta axé
e parabéns para você
(no quintal vizinho)

o horizonte na forma de um morro
salpicado de casas
ou luzes coloridas
dependendo da hora

acabo de ganhar a chance de olhar para fora




NSL
05/08/15