Duas mulheres correndo na praia- Pablo Picasso
Bom dia Gwenever! Fico olhando você assim desenvolta pelas paredes, quase atlética e me ocorre que sua estética parece estar muito adequada à sua espécie. Você é simétrica, branquinha e esguia. Não posso imaginar uma lagartixinha como você sendo rejeitada pela aparência.
Penso nisso porque estou encerrando as férias cinco quilos mais gorda. E olha que eu já estava inadequada quando elas começaram. Isso me leva a outra reflexão. E daí? Não estou doente, o aumento de peso reflete a abastança de meu período de repouso e a economia do meu corpo. Que me importa se não pareço as quarentonas da Avon?
Quero dar um basta, Gwenever. Percebo que minha cara nordestina, minha pele amarela, uma certa assimetria do rosto me fizeram preterida nos meus círculos sociais desde a infância. E eu sempre me desculpei por isso. A culpa é o sentimento que os padronizados incutiram em mim.
Por vezes tentei me espelhar nos icones de beleza da mídia, mas a imagem nunca era a minha. Mesmo quando conseguia bons resutados com os artifícios conhecidos como academias, tratamentos, clareamentos e maquiagens o espelho me devolvia a imagem de minha estética ao avesso.
Você já foi gorda , Gwenever? Saiba que de toda despadronagem, esta é a pior. A menos que eu fosse a comediante do grupo, meu destino era sempre o alijamento social. E eu não tenho vocação para cômica. Daí você pode imaginar o meu tormento. Gordinhas como eu são classificadas como vorazes contumaz. Eu escolho ser gorda por comer demais. E comer de menos é passar fome, Gwenever!
Nenhuma minoria preconceituada sofre como um gordinho. Vejam os gays e os negros. Consegue imaginar um movimento negro para branquear. Ou de um movimento gay para se heterosexualizar? Mas é assim conosco. Não temos movimento, não pressionamos nem mídia nem produtores e tudo que recebemos são dicas de como emagrecer. Das mirabolantes às misticas, nenhuma promove a auto-aceitação.
Meu basta tem esse recado: não venham pensando que vou correr atrás de valor social lapidando minha aparência física. Não há felicidade nisso, ninguém me engana mais. Quero mesmo é realizar meus sonhos como escritora, professora ou qualquer outra identidade que me aprouver no caminho que não esteja associada ao consumo. Mesmo sendo imoralmente feia, serei feliz. Quero ser livre dessa corpolatria que as mulheres da minha geração são vitimas.
E ainda faço carteirinha, visto camisa, boton e boné do primeiro movimento gordo que tivermos nesse país, Gwenever.
Norma de Souza Lopes
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