quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

INESPERADO



Ela resolveu contar. Tinham um  acordo desde os tempos de namorados. Se apaixonassem-se por outra pessoa deveriam contar. Disse haver cedido ao flerte de um colega de faculdade. Talvez porque não se sentisse feliz na relação. Achava que havia acabado.
Ele pareceu reagir bem. " Quem é ele?" e "O que te atraiu?" Ela respondeu a tudo temerosa. E se de dentro daquela calma oceânica desaguasse um tsunami? 
Não desaguou. Continuaram conduzindo o cotidiano e organizando a provável separação. Partilha, filhos, casa. Tudo daria certo. Mas cessaram os toques, os desacordos, os risos. No lugar só o silêncio.
O outro parecia feliz com o desfecho. Não teria desgastes e teria a mulher para si. Dava ares de quem ganhou uma partida de cartas. O romance deixaria o status de flerte. Talvez pudesse avançar. 
Mas o inesperado começou numa manhã daquelas. Corriam para tomar café, arrumar os filhos e sair no horário para o trabalho quando o olho dela tocou o olho dele de modo demorado. Algo no olhar provocou saudades de um tempo em que o amor havia visitado os dois. Ela suspirou. Mas durou apenas dez segundos. Continuaram suas vidas.
Na faculdade sentiu aspereza no toque do outro. Um certo contrair no estômago  que lembrava asco. Estranhou a sensação. Faltou a aula no dia seguinte.
Em casa procurou no marido aquele olhar. Lá estava ele. Um silêncio quente, um apetite fluido que invadia os dois. Se desejaram. Quem pode nos impedir, somos casados?
Depois que os filhos dormiram ficaram enlaçados na cama, sentindo aquele toque morno da saudade nos corpos. Pura fruição um do outro. No calor do coito faminto ela pensou que o amava. Mas não teve coragem de dizer. Não sabia se desejo era amor.
Proibiu o outro de aproximar-se. Pediu que se afastasse. Ele brigou, ligou, xingou e ameaçou até aceitar. Despeitoso, passou a denegri-la entre os colegas. Por fim aceitou que o romance não poderia ser.
A calma com que o marido recebeu os ataques do outro fora surpreendente. Como ele podia não odiá-la ao expô-lo a isso? Mas ele não odiou. Olhava-a pensativo, tocava-a com delicadeza e amava-a com volúpia.
Um dia ela desejou rudezas. Os filhos na casa da avó, o apartamento só para eles. Não conseguiram nem chegar ao quarto. 
De pé, com as pernas dela enlaçadas em sua cintura ele a amou vigorosamente. De longe era possível ouvir os gritos e gemidos. 
A boca dela perto do ouvido, um sussurro. E ele só pode sentir o prazer esvair de si. Ela havia murmurado "Eu te amo."
Ele também a amava.

Norma de Souza Lopes


2 comentários:

  1. O inesperado era para ser o normal, mas o sentimento de posse que inade a qualse todos tornam i nesperado quase impossível no cotidiano. Sua narrativa é que não deixou margem nenhuma, pois é sempre uma delícia. Um abraço, Norma! Paz e bem.

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  2. Espectaculo amiga!! Está aqui um texto muito bonito!! Mil beijokas e bom fim-de-semana querida!!

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