Ainda estou bem assustada com o assalto ao celular outro dia mas acho que já consigo falar sobre. Não sei se todos sabem mas eu sou apaixonada pelo corredor cultural da Praça da estação e Viadutos Santa Tereza. No dia eu estava passando sobre o viaduto três horas da tarde e, deslumbrada com a caminhada, decidi fazer um vídeo contando minha alegria (não precisa me chamar de trouxa, eu mesma já fiz isso umas cinquenta vezes).
Dois garotos em situação de rua me abordaram para tomar o celular. No susto travei o celular na mão e era meio patético, eles não pareciam estar muito seguros e arma que portavam simulava um aparelho de descarga elétrica que não dava choque de verdade. Em embate corporal com um deles acabei caindo no chão, sem soltar o celular. Ele estava bem assustado com o buzinaço e com minha reação. Meus óculos escuros (que eu amava) cairam e ele gritou ao outro que o ajudasse. Conseguiram arrancar o aparelho das minhas mãos. Eu vi o óculos e os vi descer correndo as escadas. Tinha que escolher: pegar os óculos ou persegui-los. Fiz a pior escolha. Eu corri atrás deles até o Edifício Central, onde os perdi. Fiquei sem o celular e sem os óculos.
Esse episódio me fez descobri algo perigoso sobre mim: a reação ao assalto.
E nesses tempos novos que estou vivendo tenho a impressão que não é a única coisa que vou nova que vou descobrir sobre mim.
quinta-feira, 28 de dezembro de 2017
quarta-feira, 6 de dezembro de 2017
uma ilha é um lugar completo
um dia triste
fundo branco
colorido abandonado
era bom quando
ainda acreditava
que havia onde chegar
caminho, e faz barulho
consegue ouvir o ruído
dos cacos aqui dentro?
sexta-feira, 1 de dezembro de 2017
moto perpétuo
nem bem amanhece
e o poeta rastreia
anseia o mistério do ouro
estuda alquimia
raiva, tristeza e fome
mastiga o pranto entre
os nacos de comida
cata a poesia
ordinária e invisível
entre as alimárias do dia
quinta-feira, 9 de novembro de 2017
náufraga
uma sede me consome
o mar do seu nome
lanço ao oceano
numa garrafa
dada a ilha
que me cerca
mas o frasco
não se afasta
insiste em oscilar
em minha orla
o mar do seu nome
lanço ao oceano
numa garrafa
dada a ilha
que me cerca
mas o frasco
não se afasta
insiste em oscilar
em minha orla
domingo, 29 de outubro de 2017
eles não estão prontos
criar filhas com braços fortes
para carregar bandeiras
ventres livres
para parir outro mundo
e um coração preparado
para a solidão
quinta-feira, 26 de outubro de 2017
outras maneiras de dizer
diz que falo muito do amor
porque não vê
o amor é uma faca
delicada, mas afiada
observe o amor
cortando o medo
quando retruco
tão lindo esse livro
sobre coisas de menina
esse poema de Ori
é o amor que secciona
o medo em sua fala
você diz
se entre os seus
não querem falar de Ori
não fale
mas, bater cabeça
diz o amor
também pode ser
dizer não
o amor aparta
entre os dentes
este seu susto
não discuta essa historia
de coisas meninas
o amor parte ao meio
a cena dos pardais
no terreiro e proclama
há outras maneiras
de se sentir em casa
o amor esmaga entre
os dedos o medo
agora, exato
enquanto te escrevo
esse poema de amor
porque não vê
o amor é uma faca
delicada, mas afiada
observe o amor
cortando o medo
quando retruco
tão lindo esse livro
sobre coisas de menina
esse poema de Ori
é o amor que secciona
o medo em sua fala
você diz
se entre os seus
não querem falar de Ori
não fale
mas, bater cabeça
diz o amor
também pode ser
dizer não
o amor aparta
entre os dentes
este seu susto
não discuta essa historia
de coisas meninas
o amor parte ao meio
a cena dos pardais
no terreiro e proclama
há outras maneiras
de se sentir em casa
o amor esmaga entre
os dedos o medo
agora, exato
enquanto te escrevo
esse poema de amor
segunda-feira, 23 de outubro de 2017
tão pouco
É pouco, tão pouco
um sorriso que sustente os dias
mas não o é esse canto dos grilos
a suportar a noite nos olhos?
enquanto você dormia
eu arava meu afeto, sutil
e leve como todo amor
deveria ser
um sorriso que sustente os dias
mas não o é esse canto dos grilos
a suportar a noite nos olhos?
enquanto você dormia
eu arava meu afeto, sutil
e leve como todo amor
deveria ser
sexta-feira, 20 de outubro de 2017
por culpa do imprevisto
que ruidosa é a chegada da noite
(ora, a quem eu quero enganar?
o silêncio que sua ausência impõe
nenhum verso abafa)
(ora, a quem eu quero enganar?
o silêncio que sua ausência impõe
nenhum verso abafa)
quinta-feira, 19 de outubro de 2017
dissecção
uma mulher lança mão
de táticas de peixeiro
e abre o ventre
entre as vísceras a bile
um fardo de fúria
(o que é isso? uma pedra?
um rim?)
há que se considerar
respeitosamente a história
antes de lançar fora um apêndice
não sabe o que fazer com a dor
de não ser só, só sua
a regularidade dos abismos
a atordoa, um poema às vezes
é uma belíssima adaga
de táticas de peixeiro
e abre o ventre
entre as vísceras a bile
um fardo de fúria
(o que é isso? uma pedra?
um rim?)
há que se considerar
respeitosamente a história
antes de lançar fora um apêndice
não sabe o que fazer com a dor
de não ser só, só sua
a regularidade dos abismos
a atordoa, um poema às vezes
é uma belíssima adaga
quarta-feira, 18 de outubro de 2017
Estrangeiros em nós mesmos seguimos inventando interlocutores que acolham nossas vicissitudes, amores que nos presenteiem com palavras, com manhãs ensolaradas.
Isso me faz pensar em quanto as invenções de Pessoa poderiam ser úteis nesses tempos de identidades fluidas. A propósito, penso que nunca mais vou ler o Pessoa sem me lembrar de você. Algumas pessoas, quando me atravessam, deixam fragmentos indeléveis.
Isso me faz pensar em quanto as invenções de Pessoa poderiam ser úteis nesses tempos de identidades fluidas. A propósito, penso que nunca mais vou ler o Pessoa sem me lembrar de você. Algumas pessoas, quando me atravessam, deixam fragmentos indeléveis.
segunda-feira, 16 de outubro de 2017
o dia não pode esperar
um gato caminha sobre o muro
elegante como só os gatos podem ser
contemplo-o como se pudesse ter um gato
(silêncio, um susto este pensamento)
paraliso como quem ouviu
o click da mina sob os pés
soletro meu nome para atendente
e finjo que sei quem sou
elegante como só os gatos podem ser
contemplo-o como se pudesse ter um gato
(silêncio, um susto este pensamento)
paraliso como quem ouviu
o click da mina sob os pés
soletro meu nome para atendente
e finjo que sei quem sou
domingo, 15 de outubro de 2017
a liberdade esse pássaro
desdobro resignada o mapa
há dias de mergulho em suas linhas
tocar o fundo com a ponta dos dedos
os estilhaços do meu peito chacoalham
numa sinfonia estranha
você disse, e tive que concordar
que mapas são artefatos de homens
irmã, nenhum bordado costura
meu peito em ruínas hoje
espero uma manhã luminosa
para trazer a memória
o que me dá alegria
há dias de mergulho em suas linhas
tocar o fundo com a ponta dos dedos
os estilhaços do meu peito chacoalham
numa sinfonia estranha
você disse, e tive que concordar
que mapas são artefatos de homens
irmã, nenhum bordado costura
meu peito em ruínas hoje
espero uma manhã luminosa
para trazer a memória
o que me dá alegria
nascer homem Adela Zamudio- Tradução de Norma de Souza Lopes
Nascer homem
Adela Zamudio
Tradução de Norma de Souza Lopes
Quanto trabalho ela tem
Para corrigir a falta de jeito
De seu marido, e em casa,
(Deixe-me assombrar-me)
tão inepto quanto estúpido
segue sendo o cabeça,
porque ele é o homem.
Se alguma escreve versos
- "De alguns estes versos são
ela só subscreve;
(Deixe-me surpreender-me)
Se que ele não é poeta
Por que tal suposição?
Porque ele é o homem.
Una mulher superior
nas eleições não vota,
e vota no pior patife;
(Permita-me que me assombre)
com só saber firmar
votar num idiota,
porque é homem.
Ele se abate e bebe ou joga
em um revés da sorte;
ela sofre, luta e reza;
ela se chama “ser débil,
e ele se nomeia “ser forte
porque é homem.
Ela deve perdoar
se seu esposo lhe é infiel;
mas, ele pode se vingar;
(permita-me que me assombre)
em um caso semelhante
até pode mata-la,
porque é homem.
Oh, mortal!
Oh mortal privilegiado,
que de perfeito e cabal
gozas seguro renome!
Para ele que basta?
Nascer homem.
Daqui ó http://emmagunst.blogspot.com.br/2011/03/adela-zamudio-nacer-hombre.html
sexta-feira, 13 de outubro de 2017
extraordinário
eu sei amor, que o coração
é um velhaco pintando ilusões
espaços vazios nos átomos
transparências intangíveis
no centro dos nós
poucos afetos escapam
ao escrutínio da razão
quase sempre são
ordinários e vulgares
mas, olhe atento este frêmito
um Nilo turbulento a me irrigar
escolho nadar contra a corrente
isso de vencer a fluidez das águas
desde muito é um milagre
é um velhaco pintando ilusões
espaços vazios nos átomos
transparências intangíveis
no centro dos nós
poucos afetos escapam
ao escrutínio da razão
quase sempre são
ordinários e vulgares
mas, olhe atento este frêmito
um Nilo turbulento a me irrigar
escolho nadar contra a corrente
isso de vencer a fluidez das águas
desde muito é um milagre
quinta-feira, 12 de outubro de 2017
criptografia
daqui da minha janela
a noite já está acesa
e por sorte os fogos
se esgotam
queria dizer
"depois de mim
você não será feliz"
daquela maneira dramática
que dizem as mulheres
rejeitadas, mas falta um
"antes", só na sutileza
das letras no meu nome
se dá o encontro. do alto
a noite é muito bonita
a noite já está acesa
e por sorte os fogos
se esgotam
queria dizer
"depois de mim
você não será feliz"
daquela maneira dramática
que dizem as mulheres
rejeitadas, mas falta um
"antes", só na sutileza
das letras no meu nome
se dá o encontro. do alto
a noite é muito bonita
terça-feira, 10 de outubro de 2017
miragem
tanto ruído, amor
e ainda dormes, como pode?
compartilho contigo
essa manhã translúcida
limpa, intocada
ela suspende o peso
de todo atraso
também eu, quando cheguei
era tarde
e ainda dormes, como pode?
compartilho contigo
essa manhã translúcida
limpa, intocada
ela suspende o peso
de todo atraso
também eu, quando cheguei
era tarde
quinta-feira, 5 de outubro de 2017
em suspensão
no supermercado
estendendo roupas
lendo, escrevendo
corrigindo textos
maquiando
cozinhando
(só vagamente percebendo)
comprando cerveja, frutas, carne
a próxima mensagem
(anotando o que dizer
quando finalmente encontrá-la)
um uso apaixonado das coisas
a arte, a literatura
"quando a gente ama fecha os
olhos beijando" diz Grossman
em "Vie et destin"
no salão de beleza uma
mulher diz "estou apaixonada"
ao que todos se afastam
como de quem diz
"vou ao psiquiatra"
assovio
baixinho
non, je ne regrett rien
da piaf
e penso no luxo
da esperança
de voltar a amar
As mulheres choram Mercedes Reynoso Tradução de Norma de Souza Lopes
As mujeres choram.
Choramos por tudo:
porque amanhecemos
entre o soluço da noite
e a voracidade da luz mãe.
Porque quando o vazio
de uma voz despoja
as entranhas,
aprisiona,
e não há menor remédio
que limpar os grandes olhos
com verdade.
Choramos porque nos custa
crer que o corpo hospeda vida,
e depois o arrepentimento
de não desejá-la.
Choramos porque nos cremos donas
de nós mesmas,
porém entre o estado,
a igreja
tua mãe
teu pai
teu amante
a irmã
o vizinho
teus sonhos
teus deveres
a terra
o céu,
no sei já que caralho
porque amanhecemos
entre o soluço da noite
e a voracidade da luz mãe.
Porque quando o vazio
de uma voz despoja
as entranhas,
aprisiona,
e não há menor remédio
que limpar os grandes olhos
com verdade.
Choramos porque nos custa
crer que o corpo hospeda vida,
e depois o arrepentimento
de não desejá-la.
Choramos porque nos cremos donas
de nós mesmas,
porém entre o estado,
a igreja
tua mãe
teu pai
teu amante
a irmã
o vizinho
teus sonhos
teus deveres
a terra
o céu,
no sei já que caralho
é meu
IDIOTAS Mercedes Reynoso Tradução de Norma de Souza Lopes
De todas as idiotas
eu fui a única
que escolheu sexo sem compromiso.
De todas as idiotas
eu fui a única
que bebeu sozinha nos bares.
De todas as idiotas
preferi ser amiga com benefícios
a ser esposa com prejuízo.
De todas as idiotas
eu lhe liguei
só para ver se estava bem.
De todas as idiotas
desprezei ao homem insoso
só para estar sozinha.
De todas as idiotas
sou a que cozinha por amor aos aromas
e não pelos filhos.
De todas as idiotas
sou a que não teme falar
nem teme ficar calada
quando há tempos
em que as pessoas geralmente são
de escasso pensamento.
De todas as idiotas
sou a que ama mais a seus amigos
que a seus amantes.
De todas as idiotas
sou a que prefere mais um homem
com boa ortografia
que com um bom trabalho.
De todas, todas as idiotas,
nunca pretendi destacar-me,
nunca pretendi ser ou não ser,
nunca pretendi irritar,
abusar, ignorar,
sem dúvida até os mais idiotas
sabem que minha poesia é ruim,
que o álcool é o puro elixir
que dissolve meus dias de angústia.
E cada vez que observo minha janela,
O cigarro se dissipa,
a cama está vazia
e os poemas quietos;
e então sempre fui
a mais idiota
de todas.
eu fui a única
que escolheu sexo sem compromiso.
De todas as idiotas
eu fui a única
que bebeu sozinha nos bares.
De todas as idiotas
preferi ser amiga com benefícios
a ser esposa com prejuízo.
De todas as idiotas
eu lhe liguei
só para ver se estava bem.
De todas as idiotas
desprezei ao homem insoso
só para estar sozinha.
De todas as idiotas
sou a que cozinha por amor aos aromas
e não pelos filhos.
De todas as idiotas
sou a que não teme falar
nem teme ficar calada
quando há tempos
em que as pessoas geralmente são
de escasso pensamento.
De todas as idiotas
sou a que ama mais a seus amigos
que a seus amantes.
De todas as idiotas
sou a que prefere mais um homem
com boa ortografia
que com um bom trabalho.
De todas, todas as idiotas,
nunca pretendi destacar-me,
nunca pretendi ser ou não ser,
nunca pretendi irritar,
abusar, ignorar,
sem dúvida até os mais idiotas
sabem que minha poesia é ruim,
que o álcool é o puro elixir
que dissolve meus dias de angústia.
E cada vez que observo minha janela,
O cigarro se dissipa,
a cama está vazia
e os poemas quietos;
e então sempre fui
a mais idiota
de todas.
quarta-feira, 4 de outubro de 2017
RESENHA DA OBRA “POESIA E ESCOLHAS AFETIVA EDIÇÃO E ESCRITA NA POESIA CONTEMPORÂNEA” DE LUCIANA DI LEONE
Em "Poesia e escolhas afetivas:
edição e escrita na poesia contemporânea" Luciana di Leone propõe, a
partir da episteme
do afeto[1] , um recorte acerca da poesia brasileira e argentina nos anos 1990 e
2000. Para Leone, o poema é uma escrita que solicita o leitor, que pede a sua
entrega. Dessa forma, produz afeto e uma relação entre dois corpos.
Poderíamos então dizer que, afinal de contas, a palavra poética implica
uma transitividade (...)Portanto, o leitor não pode se subtrair, ignorar a
própria presença frente ao texto; deve, pelo contrário, tomar posse, possuir o
poema, incorporá-lo, sabendo que, nesse movimento, ao mesmo tempo que abre
(revive) o corpo (morto) do poema, se abre à subjetividade que o enfrenta” (2014, p. 11)
Também o afeto, neste contexto, é uma
categoria para analisar as estratégias de disseminação da poesia e investigar
as práticas de ler, escrever e editar, bem como pela questão do relacional,
isto é, pelos modos de “viver junto” (2014, p. 12) e a organização de
coletivos artísticos. Para tanto a autora recorta um conjunto de obras poéticas
dentro da grande área " poesia contemporânea" para dar conta do que
ela chama de transitividade poética, em que escrita e leitura se relacionam a
partir da ideia de afetação, de modificar e ser modificado por aquilo que se lê
e se escreve. Embora ela ressalte que essa transitividade e afetividade não
sejam características apenas da poesia contemporânea, brasileira ou argentina,
justifica parte dos trabalhos poéticos produzidos nas últimas décadas no Brasil
e na Argentina.
se constrói explicitamente a partir de uma cena de leitura que alimenta
as escolhas afetivas e alimenta a continuidade dos afetos produzidos e, ainda,
explicitam essas escolhas como as que guiam seus projetos ( 2014, p. 12).
Em quatro capítulos, a saber "Pensamento contemporâneo: o afeto em
pauta", "Escolhas afetivas e edição de poesia",
"Poéticas do afeto endereçamento citação e nomes próprios" ,
"Repensando as escolhas afetivas: por gesto crítico" a autora observa
que, se por um lado há uma ausência de representação política e projeto
estético na geração que emergiu entre os anos de 1990 e 2000 por outro há a
necessidade de lançar luz sobre os diversos vínculos criados entre o leitor e o
poema, entre a leitura, a escrita e reescrita da produção contemporânea,
encabeçada pelas relações construídas entre poeta, editor, leitor e crítico.
Talvez o poema e a sua situação de publicação possam ser pensados
como sintomáticos de um modo de editar, escrever e ler poesia que ganha
força na produção poética do Brasil e da Argentina das últimas décadas. Modo de
editar, escrever e ler que investe no que a edição, a escrita, e a leitura têm
de prática coletiva, na qual o autor se dissemina, deixando de ser garantia do
sentido e dono do escrito, deixando de ser garantia do sentido e dono do
escrito, deixando de apelar a uma voz própria, e articulando diferentes tempos,
espaços-vozes de forma não hierárquica nem identificatória. (2014, p.14)
Tomando como corpus a produção
literária poética publicada em revistas, coletâneas, blogs e youtube (Cine
Paissandu para Aníbal Cristobo). Leone reconhece na poesia desse
tempo um "affectiveturn"' ou “virada afetiva”, que teria se materializado
na criação de variados “espaços de encontro e produção” de poesia, o que inclui
editoras, oficinas, catálogos, coleções, revistas, antologias, além do trabalho
de cada poeta compreendido como espaço afetivo (2014, p. 64). Discorre como as sociabilidades
einter-relações afetam a produção poética atual. Essas revistas e
coletâneas publicadas física e virtualmente agrupam entre seus autores um
conjunto de poetas que se uniram mais por conhecerem-se uns aos outros do que
por algum outro fator orgânico. A partir de reuniões informais, que ocorriam
por meio de uma divulgação não convencional, ganhou corpo uma produção poética
que traz em comum uma série de características que, segundo di Leone, expressam
essa sociabilidade nascida das “escolhas afetivas”.
Nesse sentido, segundo a autora, essas
produções não podem ser observadas sem se levar em consideração a importância –
identificada também em campos como a filosofia, a sociologia e a crítica de
arte – da questão do relacional, dos modos de viver junto, dos coletivos
artísticos, “com os seus desdobramentos na reflexão sobre a grupalidade, a
comunidade, as aproximações e as distâncias entre o eu e o outro, e os efeitos
e afetos” (2014, p. 20).
No primeiro capítulo, “Pensamento
contemporâneo: o afeto em pauta”, Leone identifica uma espécie de “espírito de
época” em que as escolhas afetivas são basilares tanto na poesia contemporânea
quanto em outras áreas. Afeto aqui é tido como “afecção e como sentimento, para
referir e insistir na sua dinâmica relacional, pela qual os sujeitos e
discursos implicados são vulnerados, desfigurados e reconfigurados por essa
força que varia de forma contínua” (2014, p. 20). Ou seja, ela entende afecção
e afeto como semelhantes por entendê-los como envolvidos na concepção de escolhas
afetivas (2014, p. 20).Por serem e exteriores, tangíveis, ainda que as
fronteiras interior e exterior não sejam determináveis (2014, p. 20).
Para construir sua argumentação Leone
se apoia teoricamente emSpinoza e Deleuze (considerações acerca do afeto),
Giorgio Agamben (o que é contemporâneo), Jean-Luc Nancy (comunidade
inoperante), em Roberto Esposito (reflexão sobre comunidade), Manuel Castell
(sociedade em redes), Nicolas Bourriaud (relações inter-humanas nas artes), Mario
Perniola (pensamento sobre o sentir como já sentido), Florencia Garramuño
(expansão do literário).
Com esse aporte Leone argumenta a
partir do sentir, dos relacionamentos que permeiam a escrita de poesia e
crítica na atualidade e também aponta para a necessidade de uma nova crítica,
que em lugar de observar os objetos como fechados em si, devem percorrer os
fluxos que os atravessam (2014, p. 40). Segundo Leone:
Seja nas propostas literárias expansivas, seja na atitude crítica ou
nas modulações do pensamento contemporâneo em diversas disciplinas, o que fica
mais e mais evidente é o interesse contemporâneo, o imperativo ético, de
mostrar os contatos, as afecções e os afetos, de pensar para além das
fronteiras genéricas e disciplinares, mas sem deixar de ouvir as singularidades
que elas possam ter. Ler a partir da noção de afeto participa dessa atitude,
pois ela torna impossível a procura ou a afirmação de identidades de autoria ou
originalidade claras (2014, p. 41).
Contudo Leone alerta para que tal
conceituação não seja esvaziada pelo elogio ou pelas repetições e palavras de
ordem, apaziguando as suas potências desestabilizadoras (2014, p. 41).
Leone abre o segundo
capítulo “Escolhas afetivas e edição de poesia”, apresentando o objetivo de
entender como se dá o fazer junto, nas poesias argentinas e brasileiras
contemporâneas. Observa que as escolhas afetivas muitas vezes são entendidas
como um dispositivo legitimador de práticas
endogâmicas, “nas quais o afeto seria sinônimo de relações especulares, dentro
de um grupo fechado de iguais” (2014, p. 44), procurando demonstrar, contudo,
que as relações são bem mais dissimétricas. Ressalta que tradicionalmente, o
trabalho editorial combina critérios econômicos, políticos e estéticos (2014, p.
44). Daí ela se esforçar em pensar como funciona a publicação de poesia em
editoras pequenas e independentes, uma vez que as grandes editoras não se
interessariam em divulgar novos poetas pelo grande risco financeiro. Observa
que essas pequenas editoras não se veem como concorrentes, mas como
garantidoras da continuidade de um projeto comum, ou seja, “antes que uma
lógica de lutas e concorrência, parece se destacar uma lógica de afetos
conviviais”, em que podem ser sobrepor as figuras e tarefas de escritor, editor
e leitor (2014, p. 56).
Percebe-se, no entanto, que os projetos
poéticos contemporâneos não possuem definições ou filiações, mostrando que o
agrupamento é muito mais em nível de amizade do que de busca por uma linhagem
de produção poética.
Assim Leone analisa casos de editoração
de livros de poesia e aponta, mais uma vez, para a crítica que a relação amical
pode levar a uma endogamia, ou seja, a formação de um círculo fechado de
poetas-amigos de difícil entrada. Para a autora essa crítica está fundada em um
desconhecimento do funcionamento das edições de livros e de blogs, assim como
uma resistência a tratar a afetividade como critério válido. Assim “em lugar de
assinalar negativamente a amizade e o afeto entre os organizadores e
participantes, o que tentamos mostrar é a importância da pergunta pelo
significado do sintoma da insistência no critério afetivo” (2014, p. 121).
No terceiro capítulo, “Poéticas do afeto:
endereçamento, citação e nomes próprios”, Leone vai além da matriz
convivial na edição e passa a apontar como ela funciona como matriz de escrita
poética. Assim a autora apresenta diferentes marcas textuais que aparecem na
obra dos poetas como, por exemplo, o de “apresentar o próprio texto como
deformado por diferentes vozes” (2014, p. 171), materializados no uso de aspas,
caixas de diálogo, signos de interrogação. Outra marca observada é o uso do
nome próprio de lugares, nomes e textos que referem à momentos concretos na
vida literária, assim como o uso de diversos tipos de citação. Analisando as
produções de Aníbal Cristobo (blog Yodebería
estar haciendootra cosa) e Marília Garcia (videoAçaí ou cine Paissandu para Aníbal Cristobo), Leone retoma a ideia de trânsito e
percurso citada na sua introdução para concluir que:
Trata- se de gestos de destinação e endereçamento que possibilitam uma –
provisória, falha, vulnerada, imprópria – configuração do eu. Por isso, se a
arte contemporânea insiste nos percursos é porque eles se realizam apenas para
ser afetados, como única forma de criar algum tipo de pertencimento,
ou de comunidade, quando as cartografias e as identidades declararam seu
definitivo enfraquecimento. (2014, p. 157).
Assim, como todo traslado é afetivo, cabe à arte contemporânea, mediante
as falhas do mapa operar contra esse enfraquecimento das cartografias e das
identidades e em favor do pertencimento e do encontro.
No quarto e último capítulo “Repensando
as escolhas afetivas: por um gesto crítico”, Leone diz propõe como conclusão
instalar o incômodo afetivo a partir da inquietação produzida pela poesia (2014, p. 164). Em suas próprias palavras, ela se preocupa
com a:
naturalização dos modos de consagração predominantes na poesia
produzida nas últimas décadas – a do meu tempo, a dos meus amigos
–, modos da consagração das quais a crítica participa intimamente. Daí que a
tarefa assumida tenha sido, desde o começo, a desnaturalização desses modos – e
não a sua desativação! A tarefa de tornar mais transparentes as tramas da
consagração literária, decorrente de escolhas editoriais assim como estéticas,
que estão em jogo tanto nas coleções e antologias, quanto nos procedimentos de
citação e endereçamento trabalhados nos poemas. ( 2014, p.164)
O livro, de alguma maneira panorâmico e
ao mesmo tempo interpretativo, evidencia o esforço de desvelar “as tramas
da consagração literária” como provenientes de escolhas editoriais e de
escolhas estéticas, que aparecem nas antologias, oficinas e blogs por ela
analisada. A desnaturalização dos critérios afetivos e transitivos que a autora
propõe faz parte de um exercício em “reinvestir – de incômodo – esse afeto, e
sua relação com ideias de comunidade e amizade, tão caras ao nosso pensamento crítico”
(2014, p. 164). Ela propõe que suas reflexões críticas
sobre as escolhas afetivas possam ser úteis para pensar outros campos poético,
artístico ou social, incitando para a possibilidade de que novas formas de
organização social ou comunitária no nosso tempo. Segundo ela, uma poética das
escolhas afetivas encena relações dissimétricas, entre corpos que se afetam uns
aos outros, contribuindo para a possibilidade acima mencionada.
O que atravessa o trabalho de Leone em
“Poesia e escolhas afetivas…” é que a autora cuida de evidenciar que a produção
poética deixa de ser vista como produto de uma mente genial, para se mostrar
como relacional – com outros textos, outros autores, amigos e de “desnaturalizar”
as relações entre editores, leitores e autores, ressaltando, contudo, que não é
necessariamente prejudicial essa rede. A relação com o “extra-literário”, isto
é, questões de editoração, sociais e culturais, aparecem como fazendo parte e
construindo o “intra-literário” afetivo, dialógico, relacional, mas muitas
vezes também arbitrário, mas também numa perspectiva de trânsito, de encontro e
de diálogo. Sua análise contribui para que cuidemos dessa categoria afeto na
análise das produções poética contemporâneas de maneira a evitar o vício das
“palavras de ordem”, que podem mascarar percepções mais críticas transformar
questões sobre os aspectos afetivos e corporais na produção de um saber
literário em algo pacificador e que não nos modifique. Em uma entrevista de
novembro e dezembro de 2015 para o blog “Bliss não tem bis” a autora disse que,
se escrevesse o livro naquela data, ele seria outro. Em suas palavras ela
afirma que “Hoje, acho que eu tentaria lançar os
fios mais longe, sabe? Tentaria ir para a literatura medieval para poder falar
da Marília, eu acho que hoje eu faria isso…”. Entendemos como Leone que uma
análise do contemporâneo prescinde de analisar comparativamente as tramas do
passado para compreender para onde esta ética e estética do afeto pode nos
encaminhar.
[1] Como descritos por Spinosa e Deleuze
Referências
Luciana di. Poesia e escolhas afetivas: edição e escrita na poesia contemporânea. Rio de Janeiro: Rocco, 2014. Destaco queresenha foi realizada a prtir da obra disponível na plataforma eletrônica do Scridb e por isso é importante estar atento a paginação, que não acompanha as páginas da obra impressa.
Ver https://pt.scribd.com/document/356293771/Luciana-Di-Leone-Poesia-e-Escolhas-Afetivas-Edicao-e-Escrita-NaPoesia-Contemporanea acesso em setembro e outubro de de 2017.
http://blissnaotembis.com/blog/2015/11/entrevista-com-luciana-maria-di-leone-outras-cenas-de-leitura-e-muito -dificil-viver-junto-num-poema-1a-parte.html acesso em setembro e outubro de 2017.
terça-feira, 3 de outubro de 2017
dantesco
em dias obscuros
atravesso de mãos dadas
eu e o meu guerreiro
nove círculos
três vales
dez fossos
dez fossos
quatro esferas
meu guerreiro
é a minha pasárgada
iluminada
segunda-feira, 2 de outubro de 2017
Xadrez -Rosario Castellanos - Tradução de Norma de Souza Lopes
Porque éramos amigos e, às vezes, nos amávamos;
talvez para acrescentar outro interesse
aos muitos que já nos obrigavam
decidimos jogar jogos de inteligência.
Pusemos um tabuleiro em frente a nós
equitativo em peças, em valores,
em possibilidade de movimentos.
Aprendemos as regras, lhes juramos respeito
e começou a partida.
Estamos aqui faz um século, sentados, meditando
ferozmente
como dar o último golpe que aniquile
de modo inapelável, para sempre, ao outro.
Daqui ó http://www.poesiademujeres.com/2012/05/ajedrez.html
talvez para acrescentar outro interesse
aos muitos que já nos obrigavam
decidimos jogar jogos de inteligência.
Pusemos um tabuleiro em frente a nós
equitativo em peças, em valores,
em possibilidade de movimentos.
Aprendemos as regras, lhes juramos respeito
e começou a partida.
Estamos aqui faz um século, sentados, meditando
ferozmente
como dar o último golpe que aniquile
de modo inapelável, para sempre, ao outro.
Daqui ó http://www.poesiademujeres.com/2012/05/ajedrez.html
sábado, 30 de setembro de 2017
toda manhã me sussurra seu nome
já te contei do meu silêncio?
era insuportável o peso do mundo
em cada palavra
rasgar mapas poderia ser divertido
não perfurasse
irremediavelmente a rotina
já não quero ouvir
what changes when you change?
o que me aborrece na pergunta
é o que ela esconde
quantos quarteirões há
daqui até você?
outra vez em braços
que não são seus
amanheço
era insuportável o peso do mundo
em cada palavra
rasgar mapas poderia ser divertido
não perfurasse
irremediavelmente a rotina
já não quero ouvir
what changes when you change?
o que me aborrece na pergunta
é o que ela esconde
quantos quarteirões há
daqui até você?
outra vez em braços
que não são seus
amanheço
terça-feira, 26 de setembro de 2017
segunda-feira, 25 de setembro de 2017
risco
num restaurante vegetariano, desinteressadas
conversamos sobre a diferença da ideia
de bem e de mal na bíblia, no alcorão
e no popol vuh (uma churrascaria teria sido
melhor, a gente pensa, mas ninguém fala)
te conto que em sua juventude kierkegaard
era apelidado de "gaflen" porque espetava
as idiossincrasias dos amigos e conhecidos
você me explica sua opinião sobre o pecado
de betsabéia, o tendão de aquiles na história de
sören, divido meu açaí com você e me pergunto
quanto tempo ficarei acordada para ver
o quanto você é bonita quando dorme
quando é que nossas peculiaridades
nos afastarão, quando é que encontros
como esse acontecerão em outro plano
que não o da minha imaginação
esqueço aquele bambo da corda solta
no ar e salto para o susto do risco
penso, como toda mulher apaixonada, que
cortar os dedos nas folhas novas do livro
esquecer os óculos, as chaves já é um sinal
de começo em nossa história de amor
conversamos sobre a diferença da ideia
de bem e de mal na bíblia, no alcorão
e no popol vuh (uma churrascaria teria sido
melhor, a gente pensa, mas ninguém fala)
te conto que em sua juventude kierkegaard
era apelidado de "gaflen" porque espetava
as idiossincrasias dos amigos e conhecidos
você me explica sua opinião sobre o pecado
de betsabéia, o tendão de aquiles na história de
sören, divido meu açaí com você e me pergunto
quanto tempo ficarei acordada para ver
o quanto você é bonita quando dorme
quando é que nossas peculiaridades
nos afastarão, quando é que encontros
como esse acontecerão em outro plano
que não o da minha imaginação
esqueço aquele bambo da corda solta
no ar e salto para o susto do risco
penso, como toda mulher apaixonada, que
cortar os dedos nas folhas novas do livro
esquecer os óculos, as chaves já é um sinal
de começo em nossa história de amor
testemunha
presenciar um beijo adolescente
cinquenta e sete segundos
de beijo de língua
no corredor do CEFET
cinquenta e sete segundos
e entender o Kundera em "A insustentável leveza do ser"
" A sensualidade é a mobilização máxima dos sentidos: observa-se o outro intensamente, procurando captar seus menores ruídos."
2a versão
testemunho
[norma de souza lopes]
cinquenta e sete segundos
de beijo de língua
adolescente
no corredor
e aquela frase
que o Kundera falou
- a sensualidade é a mobilização
máxima dos sentidos:
observa-se o outro
intensamente, procurando
captar seus menores ruídos.
cinquenta e sete segundos
de beijo de língua
no corredor do CEFET
cinquenta e sete segundos
e entender o Kundera em "A insustentável leveza do ser"
" A sensualidade é a mobilização máxima dos sentidos: observa-se o outro intensamente, procurando captar seus menores ruídos."
2a versão
testemunho
[norma de souza lopes]
cinquenta e sete segundos
de beijo de língua
adolescente
no corredor
e aquela frase
que o Kundera falou
- a sensualidade é a mobilização
máxima dos sentidos:
observa-se o outro
intensamente, procurando
captar seus menores ruídos.
domingo, 24 de setembro de 2017
pergunta
ainda não era noite
quando algo em seus olhos
saltaram da tela
e suplicaram
"me escreve um poema de amor?"
(como se, sem amar,
isso fosse possível)
quando algo em seus olhos
saltaram da tela
e suplicaram
"me escreve um poema de amor?"
(como se, sem amar,
isso fosse possível)
sábado, 23 de setembro de 2017
nas estrelas
sejamos sinceros
se danço, canto, choro
ou faço poesia
estou em carne viva
carne
viva
é sempre uma busca
que faz sentir
mas não faz sentido
o que não significa dizer
que seria capaz de orbitar
um sistema que não fosse meu
Hercólubus tem seu gêmeo
o sol, ao acaso, aqui perto de nós
e transita noutra órbita
(é engraçado dizer "o sol, perto"
quando isso significa anos-luz)
cito a astrologia e me lembro
que pode parecer
insólito para as pessoas
comuns, no geral
legítima é a luz e o calor
e isso basta
queria mesmo era lembrar
um detalhe que virasse verso
neste poema para que
você se reconhecesse
mas não temos história
(arrepio só de imaginar
que me lê agora)
se danço, canto, choro
ou faço poesia
estou em carne viva
carne
viva
é sempre uma busca
que faz sentir
mas não faz sentido
o que não significa dizer
que seria capaz de orbitar
um sistema que não fosse meu
Hercólubus tem seu gêmeo
o sol, ao acaso, aqui perto de nós
e transita noutra órbita
(é engraçado dizer "o sol, perto"
quando isso significa anos-luz)
cito a astrologia e me lembro
que pode parecer
insólito para as pessoas
comuns, no geral
legítima é a luz e o calor
e isso basta
queria mesmo era lembrar
um detalhe que virasse verso
neste poema para que
você se reconhecesse
mas não temos história
(arrepio só de imaginar
que me lê agora)
intervalo
entre nós
a distância
e a dúvida
traço entre as palavras
como naquelas provas de história
nas quais quem acerta a resposta
presencia um pequeno milagre
segunda-feira, 18 de setembro de 2017
sábado, 16 de setembro de 2017
versos sobre acontecimentos
na periferia
também foge-se
da indigência da vida social
num churrasco na laje
há há tanta leveza e vínculo
quanto um cheeseburger
na esquina da julieta
algo me consome por dentro
e não é a dor
também foge-se
da indigência da vida social
num churrasco na laje
há há tanta leveza e vínculo
quanto um cheeseburger
na esquina da julieta
algo me consome por dentro
e não é a dor
se eu lhes puser a língua
deixaria o gueto
da poesia contemporânea?
deixaria o gueto
da poesia contemporânea?
quinta-feira, 14 de setembro de 2017
ombros
tudo porque quis
procurar no poema
o que escapa
ser medeia de amor
e rancor
(o ódio não é o contrário
companheiros talvez)
cada qual a seu modo
esconde crenças e medos
malogros impronunciáveis
imersos na mesma água
da agonia contemporânea
(a ironia é o novo
mal do século)
destilei entre os dedos
a carcaça de um dia
um dia inteiro, inútil
dói horrores
fosse o brotar de uma asa
eu nem chorava
procurar no poema
o que escapa
ser medeia de amor
e rancor
(o ódio não é o contrário
companheiros talvez)
cada qual a seu modo
esconde crenças e medos
malogros impronunciáveis
imersos na mesma água
da agonia contemporânea
(a ironia é o novo
mal do século)
destilei entre os dedos
a carcaça de um dia
um dia inteiro, inútil
dói horrores
fosse o brotar de uma asa
eu nem chorava
segunda-feira, 11 de setembro de 2017
XXXIV Ana Maria Oviedo Palomares Tradução de Norma de Souza Lopes
E quando enfim compreender que o amor bonito o tinhas comigo
Não servirá de nada
e não vou me importar
que te arranques a alma pensando em nossas noites,
que o despeito te feche as portas do mundo
cada vez que te beijem outros lábios,
que de tanto ansiar seu coração se torne uma pedra vermelha,
fera enjaulada,
como eu rogo agora.
Quando enfim compreender
terei conjurado seu nome,
e se não passar nunca,
pior para ti,
que tiveste a maravilha do fogo entre as mãos
e não te queimaste.
sexta-feira, 8 de setembro de 2017
só mais uma vez
tarelam sobre o que é ser
mulher as desvantagens do
feminismo como quem descreve
a experiência de fumar
sem arder no peito e nos
olhos a fumaça
ou como um letreiro em neon
um sol e uma palmeira na fachada
de um bar, numa noite escura
homem, silêncio
ser mulher, sentir o peso
desse legado
não é algo que se faça
sem ter sido marcado
pelos ferros atávicos
do patriarcado
mulher as desvantagens do
feminismo como quem descreve
a experiência de fumar
sem arder no peito e nos
olhos a fumaça
ou como um letreiro em neon
um sol e uma palmeira na fachada
de um bar, numa noite escura
homem, silêncio
ser mulher, sentir o peso
desse legado
não é algo que se faça
sem ter sido marcado
pelos ferros atávicos
do patriarcado
quarta-feira, 6 de setembro de 2017
domingo, 3 de setembro de 2017
daquele algo que saltou
faltava uma semana para me formar na quarta-série, num tempo em que se comemorava até a formatura do jardim de infância. eu girava nos pilares da varanda e jurava nunca me envergonhar do que eu era aos onze anos (deus, me pergunto todo dia, como pude adivinhar tão cedo? como pude?)
na casa ao lado um pai, uma mãe e um cachorro cuidavam de conduzir o protocolo da família feliz e dos três filhos bem sucedidos (certa vez ela me disse - você pensa que não mas todo mundo é castrado, a todos faltam algo - então porque a minha falta parecia cortar mais?)
vergonha e raiva, vergonha e raiva, cada uma segurando uma mão, me empurrando numa bicicleta com rodinhas - até acionar a máquina por dentro - que coisa maravilhosa esse carnaval do desejo - desatar o nó na garganta que a obrigação de ser completa, bonita, sábia e santa plantou em mim.
na casa ao lado um pai, uma mãe e um cachorro cuidavam de conduzir o protocolo da família feliz e dos três filhos bem sucedidos (certa vez ela me disse - você pensa que não mas todo mundo é castrado, a todos faltam algo - então porque a minha falta parecia cortar mais?)
vergonha e raiva, vergonha e raiva, cada uma segurando uma mão, me empurrando numa bicicleta com rodinhas - até acionar a máquina por dentro - que coisa maravilhosa esse carnaval do desejo - desatar o nó na garganta que a obrigação de ser completa, bonita, sábia e santa plantou em mim.
sexta-feira, 1 de setembro de 2017
mastigando as migalhas dos dias
por que ama as coisas desse mundo
ela lava e passa uma infinidades de
calças e camisas e vestidos e
sacode obsessiva o pó da casa
espera pelo sussurro que, como
nos primeiros tempos, irá a seduzir
e possuir e desesperada perde a voz
e chora equívoca diante do bibelô
quebrado
a voz retorna em forma de um grito
desesperado na madrugada um
bramido de gjallarhorn e ela
o silencia pintando e repintando
as paredes de branco vivo em
solidariedade a assepsia que
a família tanto ama
ele ergue os pés ante o aspirador
escreve poemas e espera que
amanhã ela esteja menos atarefada
menos cansada para o servir
ela lava e passa uma infinidades de
calças e camisas e vestidos e
sacode obsessiva o pó da casa
espera pelo sussurro que, como
nos primeiros tempos, irá a seduzir
e possuir e desesperada perde a voz
e chora equívoca diante do bibelô
quebrado
a voz retorna em forma de um grito
desesperado na madrugada um
bramido de gjallarhorn e ela
o silencia pintando e repintando
as paredes de branco vivo em
solidariedade a assepsia que
a família tanto ama
ele ergue os pés ante o aspirador
escreve poemas e espera que
amanhã ela esteja menos atarefada
menos cansada para o servir
quarta-feira, 30 de agosto de 2017
paixão arbitrária
trançam meus cabelos, me pintam
retiram meus anéis para brincar com
eles por cinquenta minutos e tentam
fugir da ordem das filas
intermináveis
almoço repetição mochilas escovação
se batem, se ajudam, se tocam como irmãos
e irmãs e isso é de uma beleza indizível
já sei a resposta para a pergunta que fazia
quando enlouqueci pela primeira vez
quando me perguntava como suportavam
o trabalho os caixas de supermercado
uma porção de raiva pra nos trazer alegria
trago um poema
entalado na garganta
um poema que luta
pra ser paz
e revolução
um poema que grita
deixem em paz
o corpo das mulheres
ele olha para fora
e não quer sair
o poema entalado
na garganta quer dizer
já acabou
mas te amo
como Gil
amava Drão
um poema
entalado na garganta
não é uma boa companhia
para se levar a passear
por aí
entalado na garganta
um poema que luta
pra ser paz
e revolução
um poema que grita
deixem em paz
o corpo das mulheres
ele olha para fora
e não quer sair
o poema entalado
na garganta quer dizer
já acabou
mas te amo
como Gil
amava Drão
um poema
entalado na garganta
não é uma boa companhia
para se levar a passear
por aí
segunda-feira, 28 de agosto de 2017
instantâneo
quase meio século para
entender que apesar da força
salto e voo são a mesma coisa
entendo seu medo
quatro mil terminações
nervosas a mais
um corpo de onde tudo
nasce e tudo morre
parece mesmo assustador
sombras me alheiam
mas não me tomam
estou perdida
não sei onde estou
não sei onde vou
mas faz um click surdo quando
desligo a tristeza por dentro
entender que apesar da força
salto e voo são a mesma coisa
entendo seu medo
quatro mil terminações
nervosas a mais
um corpo de onde tudo
nasce e tudo morre
parece mesmo assustador
sombras me alheiam
mas não me tomam
estou perdida
não sei onde estou
não sei onde vou
mas faz um click surdo quando
desligo a tristeza por dentro
Against Therapy Adán Méndez
Recordo que Anna Freud contava
o estranho que era Ferenczi,
um diálogo, sobretudo,
que se fez inolvidável.
—Uma hora, não sei
me está parecendo um prazo muito forçado
estou lhes dando mais tempo
deveríamos dar-lhes todo o tempo que quisessem.
—Mas se um paciente quer toda a tarde?
E os que esperam lá fora?
Aí Ferenczi ficou pensando
um momento ficou pensando
e afinal me disse:
—Talvez devêssemos ter um único paciente.
Anna Freud seguramente não soube
(o diário se publicou 50 anos depois)
mas Ferenczi naquele dia, ou no seguinte,
fez umas anotações a respeito.
Necessito do efeito sedante do amor
pelo menos tanto como meus pacientes.
Eu também necessito ser o paciente único de alguém.
http://www.antoniomiranda.com.br/Iberoamerica/chile/adan_mendez.html
quinta-feira, 24 de agosto de 2017
acontecimento
congelo um evento
em vermelho
vivo onde o amor
é uma experiência
feliz e pergunto
gosta de maçã?
se me acha real
pinte-me de rosa
pink em sua
lembrança, jogue
a chave fora deste
momento, certo é só
um modo de dizer
algemas e armaduras
acredito em mágica
adivinho sua risada
mudar para sempre
é só o que se pode ter
em vermelho
vivo onde o amor
é uma experiência
feliz e pergunto
gosta de maçã?
se me acha real
pinte-me de rosa
pink em sua
lembrança, jogue
a chave fora deste
momento, certo é só
um modo de dizer
algemas e armaduras
acredito em mágica
adivinho sua risada
mudar para sempre
é só o que se pode ter
quarta-feira, 23 de agosto de 2017
à praça da estação
deveria ser grande coisa dizer
cheguei até aqui
não fosse esse preto
testemunhando o luto
é tão embaraçoso
estar sempre aprisionada
em sonhos de amor
socorro primavera
te quero inteira
em vestes sumárias
na praia da estação
cheguei até aqui
não fosse esse preto
testemunhando o luto
é tão embaraçoso
estar sempre aprisionada
em sonhos de amor
socorro primavera
te quero inteira
em vestes sumárias
na praia da estação
segunda-feira, 21 de agosto de 2017
advento
[norma de souza lopes]
pode ler as linhas
da palma de minhas mãos?
um mapa do sítio onde
se possa existir longe dos medos
e capturas tão comuns às
pseudo histórias de amor
quem era você quando
o homem pisava a lua?
fosse nascida estaria pronta
a admirar seu sorriso pueril
e dizer amo o que a sua trilha
sonora me diz de você
é de um mal gosto agudo um eclipse
cuja visão não reconcilie nossa distância
principalmente agora que tomei
de suas mãos em concha, um amor
doce como fruta
pode ler as linhas
da palma de minhas mãos?
um mapa do sítio onde
se possa existir longe dos medos
e capturas tão comuns às
pseudo histórias de amor
quem era você quando
o homem pisava a lua?
fosse nascida estaria pronta
a admirar seu sorriso pueril
e dizer amo o que a sua trilha
sonora me diz de você
é de um mal gosto agudo um eclipse
cuja visão não reconcilie nossa distância
principalmente agora que tomei
de suas mãos em concha, um amor
doce como fruta
Canção de amor para tempos difíceis María Elena Cruz Varela Tradução de Norma de Souza Lopes
Difícil escrever te quero com loucura.
Até a medula. Que será de minhas mãos
se lhes roubam a magia sonora do corpo?
Difícil. Muito difícil um poema de amor neste tempos.
Acontece que tu está. Feroz em tua evidência.
Acontece que estou. Contrafeita. À espreita.
E acontece que estamos.
A lei da gravidade não nos perdoa.
Difícil é dizer te quero neste tempos.
Te quero com urgência.
Quero fazer um aparte. Sem dúvidas e sem armadilhas.
Para dizer te quero. Assim. Simplesmente.
E que teu amor me salva do uivo noturno
quando a loba demente da febre me arrebata.
Não quero que me doa a falta de ternura.
Mas amor. Que difícil é escrever que te quero.
Assim. Entre tanto cinza. Tanta moléstia junta.
Como posso aspirar a transparência.
Retomar esta voz tão desgastada.
Esta costume antigo para dizer te quero.
Assim. Simplesmente. Antigamente. Digo.
Se todo é tão difícil. Se tudo dói tanto.
Se um homem. E outro homem. E logo outro. E outro.
Destroçam os espaços onde se guarda o amor.
Si não fosse difícil. Difícil e tremendo.
Se não fosse impossível esquecer essa raiva.
Meu relógio. Seu tic- tac. A rota para o cadafalso.
Minha sentença ridícula com esta corda falsa.
Seu não fosse difícil. Difícil e tremendo.
Plasmaria este verso com sua cadência tosca.
Se fosse tão simples escrever que te amo.
Até a medula. Que será de minhas mãos
se lhes roubam a magia sonora do corpo?
Difícil. Muito difícil um poema de amor neste tempos.
Acontece que tu está. Feroz em tua evidência.
Acontece que estou. Contrafeita. À espreita.
E acontece que estamos.
A lei da gravidade não nos perdoa.
Difícil é dizer te quero neste tempos.
Te quero com urgência.
Quero fazer um aparte. Sem dúvidas e sem armadilhas.
Para dizer te quero. Assim. Simplesmente.
E que teu amor me salva do uivo noturno
quando a loba demente da febre me arrebata.
Não quero que me doa a falta de ternura.
Mas amor. Que difícil é escrever que te quero.
Assim. Entre tanto cinza. Tanta moléstia junta.
Como posso aspirar a transparência.
Retomar esta voz tão desgastada.
Esta costume antigo para dizer te quero.
Assim. Simplesmente. Antigamente. Digo.
Se todo é tão difícil. Se tudo dói tanto.
Se um homem. E outro homem. E logo outro. E outro.
Destroçam os espaços onde se guarda o amor.
Si não fosse difícil. Difícil e tremendo.
Se não fosse impossível esquecer essa raiva.
Meu relógio. Seu tic- tac. A rota para o cadafalso.
Minha sentença ridícula com esta corda falsa.
Seu não fosse difícil. Difícil e tremendo.
Plasmaria este verso com sua cadência tosca.
Se fosse tão simples escrever que te amo.
sábado, 19 de agosto de 2017
agosto
de mãos dadas com o poder, o amor
é a véspera da melancolia
talvez seja este, agosto
o seu papel, ser
pastor de distanciamentos
artesão do vazio
para o que virá a ser
(mas está tão feio o terreiro
depois dessa poda
do cosme amarelo)
é a véspera da melancolia
talvez seja este, agosto
o seu papel, ser
pastor de distanciamentos
artesão do vazio
para o que virá a ser
(mas está tão feio o terreiro
depois dessa poda
do cosme amarelo)
quinta-feira, 17 de agosto de 2017
Tem nove anos. Chegou com uma meia dúzia de pedras na sala e distribuiu entre as colegas:
_ Um presente para você, você e você... Sorri feliz com seu feito.
Uma colega pega o presente, observa e lança pela janela.
Ela chora de soluçar:
_ Jogou... fora... o meu... presente...
A professora indaga:
_ Porque você jogou fora?
_ Professora, ela colocou um chicletes mastigado e duro aqui na minha mesa.
_ Era uma pedra... Um presente..
_ Porque fez isso, não se joga fora um presente. Não precisa chorar, vá lá lavar seu rosto.
E observa a menina procurar o chicletes caído do lado de fora da janela...
(e eu pensando em quanto isso se parece com fazer poesia)
_ Um presente para você, você e você... Sorri feliz com seu feito.
Uma colega pega o presente, observa e lança pela janela.
Ela chora de soluçar:
_ Jogou... fora... o meu... presente...
A professora indaga:
_ Porque você jogou fora?
_ Professora, ela colocou um chicletes mastigado e duro aqui na minha mesa.
_ Era uma pedra... Um presente..
_ Porque fez isso, não se joga fora um presente. Não precisa chorar, vá lá lavar seu rosto.
E observa a menina procurar o chicletes caído do lado de fora da janela...
(e eu pensando em quanto isso se parece com fazer poesia)
Vim para perder - Dianan Moncada - Tradução Norma de Souza Lopes
Volto sobre a mesma fenda como uma máquina deteriorada.
Volto sobre o mesmo erro,
sobre a mesma caça de brancos espelhos.
Volto, mesmo sabendo que a palavra me é sensualmente inútil,
mesmo sabendo que não darei nunca com nenhum maldito prego
sabendo que nada poderei dizer
sobre os lobos afogados na carniça do meu tédio.
Vim com o poema
-cegamente-
para perder.
daqui ó http://www.lamajadesnuda.com/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=1167:diana-moncada&catid=60:poetas-de-caracas&Itemid=168
Volto sobre o mesmo erro,
sobre a mesma caça de brancos espelhos.
Volto, mesmo sabendo que a palavra me é sensualmente inútil,
mesmo sabendo que não darei nunca com nenhum maldito prego
sabendo que nada poderei dizer
sobre os lobos afogados na carniça do meu tédio.
Vim com o poema
-cegamente-
para perder.
daqui ó http://www.lamajadesnuda.com/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=1167:diana-moncada&catid=60:poetas-de-caracas&Itemid=168
domingo, 13 de agosto de 2017
crônica de um evento noturno
cinco minutos depois que saímos
eles entraram, roubaram e atiraram
é estranho pensar que
enquanto eu, meio alta
fotografava nós dois
pelas ruas do bairro
alguém quase foi morto
crueldade e principalmente
raiva de quem não
aceita a impotência
péssimo encontro
e a gente brincando
de novo de se amar
cabe tudo isso no mundo
não que eu não tenha raiva
é que converso com ela
entendo até aquela raiva das
manas nos saraus
ela vem desde a mil avó
escutar em silêncio
é o caminho
acolher até dissipar
a tristeza de agosto
não foi bela
uma radiografia
mostra-a tão feia
quanto o corpo
depois do amor
e das orações
vaidade demais, eles dizem
toda essa exposição
mas a luz às vezes
sai dos seus olhos
de quem vê
como na olympia de manet
eu sei, sou escrava
e cúmplice de minhas paixões
mas no meu desejo
me reinvento
não sou signo
sou acontecimento
é estranho pensar
que nós saímos
cinco minutos antes
eles entraram, roubaram e atiraram
é estranho pensar que
enquanto eu, meio alta
fotografava nós dois
pelas ruas do bairro
alguém quase foi morto
crueldade e principalmente
raiva de quem não
aceita a impotência
péssimo encontro
e a gente brincando
de novo de se amar
cabe tudo isso no mundo
não que eu não tenha raiva
é que converso com ela
entendo até aquela raiva das
manas nos saraus
ela vem desde a mil avó
escutar em silêncio
é o caminho
acolher até dissipar
a tristeza de agosto
não foi bela
uma radiografia
mostra-a tão feia
quanto o corpo
depois do amor
e das orações
vaidade demais, eles dizem
toda essa exposição
mas a luz às vezes
sai dos seus olhos
de quem vê
como na olympia de manet
eu sei, sou escrava
e cúmplice de minhas paixões
mas no meu desejo
me reinvento
não sou signo
sou acontecimento
é estranho pensar
que nós saímos
cinco minutos antes
terça-feira, 8 de agosto de 2017
ternuras inventadas
não entendi nada
daquele sonho
dos armários abertos
no consultório
"me desculpe outra vez"
você disse
e dormiu satisfeito
a noite inteira
com sua justiça
ok, tenho todo amor que preciso
sem fazer meu mundo ruir
quero desistir
mas ajudava
se você fizesse
aquelas coisas idiotas
que todos fazem
no primeiro encontro
derreter satélites
é a metáfora mais bonita
para uma fantasia
daquele sonho
dos armários abertos
no consultório
"me desculpe outra vez"
você disse
e dormiu satisfeito
a noite inteira
com sua justiça
ok, tenho todo amor que preciso
sem fazer meu mundo ruir
quero desistir
mas ajudava
se você fizesse
aquelas coisas idiotas
que todos fazem
no primeiro encontro
derreter satélites
é a metáfora mais bonita
para uma fantasia
domingo, 6 de agosto de 2017
8029 dias
recusa brincar com abismos
ignora o por-do-sol
insiste em minhas ruínas
se encanta com a teimosia de um
dos bicos de meus seios
tão simples como a água
e a sede, seu lugar
é dentro de mim
ignora o por-do-sol
insiste em minhas ruínas
se encanta com a teimosia de um
dos bicos de meus seios
tão simples como a água
e a sede, seu lugar
é dentro de mim
alegoria
demora semanas, meses até
quis um acontecimento
para eu colocar nesse poema
que funcionasse como
um enigma
da alegria do encontro
mas não me lembro
de nada singular
só da gente brigar
o tempo todo e daquele
grafitti que provavelmente
você nem vê
da sua janela
quis um acontecimento
para eu colocar nesse poema
que funcionasse como
um enigma
da alegria do encontro
mas não me lembro
de nada singular
só da gente brigar
o tempo todo e daquele
grafitti que provavelmente
você nem vê
da sua janela
anunciação
entrando o anjo disse-me
alegra-te cheia de graça
eis que conceberá
é dará luz à poesia
(e no meu ouvido segredou
serás a invenção de si,
só de si e de mais ninguém)
então respondi
que a poesia
faça de mim a sua serva
e que eu seja
a mais bela invenção
e o anjo retirou-se
alegra-te cheia de graça
eis que conceberá
é dará luz à poesia
(e no meu ouvido segredou
serás a invenção de si,
só de si e de mais ninguém)
então respondi
que a poesia
faça de mim a sua serva
e que eu seja
a mais bela invenção
e o anjo retirou-se
sexta-feira, 4 de agosto de 2017
que não amava ninguém
é nos sonhos
em que podemos voar
que percebemos a fábula
e não queremos acordar
ei, sei que estou perdida
mas ouça, eu estou bem
o choro em posição fetal
só dura até ano que vem
todo mundo finge que é
o centro do universo
comigo não seria diferente
ser a primeira
na quadrilha de alguém
vai ter que ser suficiente
que percebemos a fábula
e não queremos acordar
ei, sei que estou perdida
mas ouça, eu estou bem
o choro em posição fetal
só dura até ano que vem
todo mundo finge que é
o centro do universo
comigo não seria diferente
ser a primeira
na quadrilha de alguém
vai ter que ser suficiente
segunda-feira, 31 de julho de 2017
replay
gosto de não trabalhar no centro
isso faz com que a cidade se torne especial
é manhã de segunda do último dia do mês de julho
aqui nesta fronteira do mundo
carteiros e coletivos estão no horário
torço pela volta dos dias de verão no chafariz
da Praça da Estação, onde até os sem-teto são literários
nesses dias líquidos, cheios de jogos e de imagens
trabalhadas, encontros analógicos são a melhor experiência
você fica sempre tão bonita vestida para sair
virava fácil um graffiti dos gêmeos
o silêncio sempre me pareceu algo bem desafiador
talvez por permitir qualquer palavra no seu oco
talvez por eu nunca ser capaz de me calar
há um rumor do que você não diz
que conversa com essa mulher estranha
e selvagem que eu sufoco em mim
pouca gente sabe, mas depois de Ten
Eddie Vedder nunca mais foi frentista
saber se rasgar às vezes nos tira do lugar
mas já entendi que você não vem
o que me transforma nesse replay
infinito dos últimos verso de Black
isso faz com que a cidade se torne especial
é manhã de segunda do último dia do mês de julho
aqui nesta fronteira do mundo
carteiros e coletivos estão no horário
torço pela volta dos dias de verão no chafariz
da Praça da Estação, onde até os sem-teto são literários
nesses dias líquidos, cheios de jogos e de imagens
trabalhadas, encontros analógicos são a melhor experiência
você fica sempre tão bonita vestida para sair
virava fácil um graffiti dos gêmeos
o silêncio sempre me pareceu algo bem desafiador
talvez por permitir qualquer palavra no seu oco
talvez por eu nunca ser capaz de me calar
há um rumor do que você não diz
que conversa com essa mulher estranha
e selvagem que eu sufoco em mim
pouca gente sabe, mas depois de Ten
Eddie Vedder nunca mais foi frentista
saber se rasgar às vezes nos tira do lugar
mas já entendi que você não vem
o que me transforma nesse replay
infinito dos últimos verso de Black
Dois poemas de Sam Shepard - Tradução Norma de Souza Lopes
Desde a grama alta
até borda do pátio asfaltado
te vejo me esquadrinhar
te vejo quando não sabes que miro
e cada mirada que roubo
adiciona um dia a minha vida
ultimamente está mais difícil de te capturar
ou estou ficando velho
ultimamente está mais difícil de te capturar
********
Já vi praticamente
todos os narizes arrumados
todos os dentes clareados
e todas as tetas remoçadas
que posso suportar
Vou regressar
à mulher natural
daqui ó http://emmagunst.blogspot.com.br/2010/05/cronicas-de-motel-2.html
até borda do pátio asfaltado
te vejo me esquadrinhar
te vejo quando não sabes que miro
e cada mirada que roubo
adiciona um dia a minha vida
ultimamente está mais difícil de te capturar
ou estou ficando velho
ultimamente está mais difícil de te capturar
********
Já vi praticamente
todos os narizes arrumados
todos os dentes clareados
e todas as tetas remoçadas
que posso suportar
Vou regressar
à mulher natural
daqui ó http://emmagunst.blogspot.com.br/2010/05/cronicas-de-motel-2.html
sábado, 29 de julho de 2017
tão potente quanto suas mãos
o que parece ser a sua beleza
esteve sempre depositada
em minhas retinas e as meninas
dos meus olhos são volúveis
podem amar milhões
tivesse sido atento
teria entendido meu fetiche
por suas mãos
agora não importa mais
antes de desistir preciso dizer
porque não aceito tão pouco
pontes são melhores
que escadas, pseudoencontros
consistência fluida
me fazem esquecer
que a minha história
é mais bonita
que a do Robinson Crusoé
sei que é o clichê
mas quem perde é você
meu veneno mais doce
será te olhar e te ver
tão desimportante
quanto verdadeiramente é
não raro um poema
assassina projetos de amor
ouça os gritos
este ordena
PARE DE SE RASGAR
não é de hoje que costuro
as recusas com palavras
esteve sempre depositada
em minhas retinas e as meninas
dos meus olhos são volúveis
podem amar milhões
tivesse sido atento
teria entendido meu fetiche
por suas mãos
agora não importa mais
antes de desistir preciso dizer
porque não aceito tão pouco
pontes são melhores
que escadas, pseudoencontros
consistência fluida
me fazem esquecer
que a minha história
é mais bonita
que a do Robinson Crusoé
sei que é o clichê
mas quem perde é você
meu veneno mais doce
será te olhar e te ver
tão desimportante
quanto verdadeiramente é
não raro um poema
assassina projetos de amor
ouça os gritos
este ordena
PARE DE SE RASGAR
não é de hoje que costuro
as recusas com palavras
quarta-feira, 26 de julho de 2017
A verdade sobre a poesia que ninguém contou
Tive dias em que um arco-íris
era apenas refração da luz solar em gotas d'água
que o som dos pássaros só comunicava sua fome
que um náufrago era aquele obrigado a continuar vivo
Eu pensava que não existia poesia.
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