quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Comecei a escrever como um afogado que se agarra a um galho de árvore às margens de um rio. As águas que me sufocavam era o desejo, o medo, a culpa e a raiva. Incontroláveis, esses sentimentos me assolavam. Em 2008 já compreendia isso. Assim me expressei em "Mordida da Gata" para meu filho:


Aos borbotões 
ejaculam de mim 
raiva, desejo e medo
 
Posso controlá-los? 
ao menos sei 
posso sentí-los  


E meu filho 
que me quer mãe 
a tocá-lo 
ressente-se 
da mordida da gata 
que afasta o filhote
 
Escuta meu filho 
quanto plantei 
em mim 
essa raiva 
esse desejo 
esse medo 
você ainda 
não estava na história 

Chora não meu filho 
a enchente passa 
no seu lugar 
ficarão águas tranqüilas


Quando era capaz de chegar à superfície de minha existência apresentava uma identidade flutuante, uma cortiça sobre as águas avassaladoras figurada pelos alteregos alheios. Vitima de uma culpa insondável cedia a qualquer autoridade que me parecesse  consistente. Uma amálgama de personas que soterravam minha essência.
Isso não se dava sem dor. Me afligia viver uma vida inteira ao sabor desses sentimentos avassaladores. Sabia que se não me afirmasse como pessoa minha história  seria apagada. Então passei a escrever.
Aspirava com a escrita extrair de mim as dores insanas. Sondá-las no papel me fazia crer que eu tinha controle sobre elas. No branco do papel minhas escrituras pareciam arrancar das mãos da morte a chave do esquecimento.
Troquei a culpa e a falta de identidade pela criação literária.
Foi Nietzsche  que disse, em " O Saber Alegre", que "toda a arte e toda a filosofia podem ser consideradas como remédios da vida, ajudantes do seu crescimento ou bálsamo dos combates: postulam sempre sofrimento e sofredores".
A cura é visível. Apesar da sombra de biografias como a de Virginia Woolf e de Sylvia Plath, com toda sua poética do suicídio, acredito que o papel da escrita, assim como o papel da arte, deve se servir a vida e não à morte. Portanto acredito na autenticidade da cura que vivencio.
Tenho desfrutado do prazer da escrita como quem degusta uma iguaria. Agora resta saber se minhas escrituras alcançarão a imortalidade uma vez que que vivemos tempos em que os mecenas suplantam os literatos. Ser lido está fácil, com a mídia dos blog e dos sites de literatura. Publicar no entanto, é um poder que não se arranca fácil das mãos das grandes editoras.
Contudo eu acredito na força da palavra.  É Barthes que afirma que a "palavra, nós a embalsamamos, como uma múmia para fazê-la eterna. Precisamos durar um pouco mais que nossa voz, para a comédia da escritura inscrever-se não se sabe onde."
Tenho comparado biografias, investigado histórias, consultado leitores e me convenço cada vez mais que qualquer história é digna de ser contada. E nada mais fácil que contar uma em que eu fui a personagem. 
Minha narrativa é rica de uma onisciência que eu não possuía no passado. Há também um certo gosto por palavras polissêmicas que adicionam sabor às minhas escrituras. Os leitores que o digam.
Caminho essas novas sendas saltitante como uma menina a quem pediram para colher flores. Sigo dizendo não aqueles seres descritos em "Torque" :



Esses seres ascéticos do meu mundo
Querem por minha alma num torno
Como não posso ser sozinha
Vou seguindo e me tornando

Ainda digo não a isso
e tiro todos de mim
vou ser feliz sozinha
apascentar sonhos e flores

Norma de Souza Lopes


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