sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

SLOW MOTION

SLOW MOTION

Ébrios por amor possuem histórias bonitas. Conheci um memorável. Manuel Sansão era seu nome. Morreu de cirrose, aos 38 anos. Quando o conheci ele já era aquele tipo de bêbado-clown a quem as pessoas provocam só para rir um pouco. Inventava motes que perduram até hoje. Era o astro do time de futebol de várzea da comunidade, não pela destreza com a bola mas pela pândega em campo. Curiosamente (o nome Sansão era verdadeiro) era dono de uma força descomunal. Sóbrio era pau para toda obra: despachar entulhos, capinar lote, carregar material de construção etc.
Sansão contava que nasceu na cidade mineira de Pirapora e lá viveu até os vinte e sete anos. Se formou profissionalmente como garçom e já era Maitê de um grande restaurante quando se apaixonou por uma beldade piraporana.  O romance avançava de vento em popa e Sansão já fazia planos para se casar quando descobriu que a menina navegava em outras águas. Nosso bom rapaz se desesperou e procurou a Ponte Velha para um mergulho final.
Sozinho, melancólico e amargurado buscou forças para o pulo quando o som automotivo de um Chevrolet possante passou tocando uma canção conhecida de Wanderley Cardoso: 

Parece que eu sabia 
Que hoje era o dia 
De tudo terminar
 
Pois logo notei 
Quando telefonei 
Pelo seu jeito de falar 

Eu nunca pensei 
Quem eu tanto amei 
Fosse assim me desprezar 

Mas o mundo é grande 
Vou nem sei pra onde 
Alguém há de me amar 

Já que terminamos 
Só resta agora 
O adeus final

Te amar demais 
Ser um bom rapaz 
Foi o meu mal  

A falta de coragem, somada a beleza poética da canção dissuadiu nosso herói de seu pulo fatal e ele, que sabia para onde ir, veio dar em Belo Horizonte, na casa de seus irmãos. Aqui fazia pequenos serviços, suficiente para pagar seu mergulho na bebida. Deixou de ser garçom.

Ouvimos essa história dezenas de vezes da boca do próprio Sansão. Ele também fazia versos, levantava carros e contava piadas como ninguém. Nós ríamos muito, talvez por não saber que diante de nós ele executava o salto frustrado na Ponte Velha. O bom rapaz passou quase dez anos mergulhando profundamente na bebida.  Um salto em câmera lenta.

NSL
17/12/10

Um comentário:

  1. Como disse o Vander Lee: " romanticos são loucos, desvairados..." É uma história bem triste, Norma, mas um belo conto. Abraços. Paz e bem.

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