sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Funciona assim: o terreiro é o território dele. É lá onde fica o galinheiro, as bananeiras, o pé de mamão e parte do pé de amora (a outra parte é do vizinho). Como seu território há um contrato implícito afirmando que nas coisas do terreiro eu apenas aprecio, não decido. É claro que em questões óbvias, como no caso do galo índio, que estava matando o galo pedrês, minha sugestão valeu o galo índio à passarinho no domingo. Às vezes decido o destino dos ovos também. Mas nada mais que isso. Diria que estou mais para consul que embaixador do terreiro. 
Há coisa engenhosas lá. Ninhos suspensos, proteção de bananeiras, armadilhas. O galinheiro era frequentado por pombos que comiam a ração das galinhas. Então ele instalou uma gaiola dessas que só tem a parte de cima e começou a capturar os pombos. Cada dois pombos valiam dois quilos na casa de ração. Com isso as coisas mudaram. Ou os pombos ficaram espertos ou mudaram de ares. Vem pouco por aqui agora. A gaiola foi ficando vazia e ele resolver guardar nela as galinha chocas, até que elas perdessem o choco. Funciona bem, a julgar pela quantidade de ovos saudáveis que nosso galinheiro produz. 
Esta manhã no entanto aconteceu algo curioso. Estávamos nos dois tomando café e observando as duas galinhas chocas na gaiola quando apareceu uma pomba branca do lado de fora tentando alcançar o milho dentro da gaiola. Ele levantou-se lentamente (está com o joelho machucado de um tranco que levou outro dia) e tentou pegar a pomba. Ela obviamente voou, um voo fraco, mas longe o suficiente para estar fora de risco. Perguntei se ele queria pegá-la por que ela era branca e ele disse disse rispidamente que não. Disse que não conseguiu por causa do joelho. Estranhei a rispidez, geralmente ele não o é. Ele pareceu não ter gostado deu citar o fato da pomba ser branca. 
Continuamos ali numa conversa sobre a família de saí-andorinha  que estava frequentando o pé de amora. Ele levantou-se para pegar mais café e eu pude observar a pomba branca de volta às bordas da gaiola, tentando pegar o milho. Ela parecia fraca de fome. Tive ganas de afastar a gaiola e facilitar a chegada da pomba até o milho. Mas aquele era o território dele. 
A impossibilidade de lidar com aquilo me fez virar o pensamento. Pensei em minha reflexões acerca da sorte, do acaso. Se eu resolvesse o problema da fome daquela pomba naquele momento eu seria sua sorte. Mas e eu? Quem seria a minha sorte? O que ela estaria fazendo naquele  momento? Porque minha sorte nunca se levantava?
Isso durou pouco. Ele, o dono do terreiro, que já havia terminado seu café, levantou-se, pôs uma pequena pedra debaixo da beirada da gaiola. por onde a pomba pode entrar e comer com avidez todo o milho que havia dentro dela. 
Pensei comigo, ele é a sorte da pomba. Mas só é a sorte da pomba se nada quiser dela, se tiver facilitado sua entrada gratuitamente. Se não for mantê-la presa depois.
Contei a ele sobre minha vontade de ajudar a pomba e sobre minha surpresa com seu gesto. Chamei-o de dono da sorte da pomba. Ele riu. 
E contou-me porque fez aquilo. Ajudar uma pomba branca poderia aumentar sua sorte em ganhar na mega sena.

NSL
08/0/14

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