segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Estudo da tração na sutileza da diferença poema de Maria Izabel Iorio

 1.

uma mulher molhada

sobre uma mulher molhada

é audível, sólido


2.

uma mulher sobre outra mulher

não é preliminar é pré

histórico


3.

uma mulher

para amar uma mulher

é preciso comer com as mãos


4.

uma mulher

para amar uma mulher

é preciso cortar as unhas


5.

colar a trajetória no epicentro:

uma mulher que ama uma mulher aprende a lamber as coisas por den-

tro 

sábado, 7 de outubro de 2023

 - Estive lá, onde tudo começa. 

- E era como?

- Me sentia grata. E sabia qual era a raiz do mal.

- E qual era?

- Não eram os homens. Nem as mulheres.  O mal é querer controlar. Controlar o que acontece: na minha vida, na vida dos outros...

- Parece difícil.

- Eu vi meu pai. O rancor ao pai, ao pai do pai, morava no meio de seu peito. Eu estava lá, podia arrancá-lo. Era como se todo o mal que atravessa a vida dos homens da minha família estivesse naquela teia negra no plexo de meu pai. Podia, mas não devia. Não arranquei. Voltei em prantos, mas não arranquei. 

- Lá, onde começam homens e mulheres, você quis escolher uma natureza?

- Não, não precisava escolher. Não precisava pensar. Não precisava nem dizer nada. Lá onde tudo começa, eu só precisava ser. 

sexta-feira, 29 de setembro de 2023

conselhos

meu amigo me disse

sua pose de namoradeira

na janela, a espera

não combina

com esse lance de pegação

na sua idade a paixão 

é um parque em ruínas

conceitual, lindo e inútil 


ok, faça suas canções de amor

disco voadores

discretos, singelos

só os atentos notam


mas não vá cumprir o cliche da poeta

imensa, intensa, exagerada

e acabar com tudo

na Ana Maria Braga 


não espere amores

ao modo do castelo de malbork

cada pedra daquela

aguardou séculos 

antes de se acomodar 


guarde o cansaço 

não é porque

você esteve por tanto tempo

equivocada

que agora vai dar em nada


se emocione

sem medo

com as sombras dos olhos

ou as pintas da pele 

do dorso das mãos dela

tão comoventes 

quanto lábios e sexo


meu amigo me disse

se arrisque

seja leve, feliz e apaixonada

por cinco minutos

cinco dias

cinco semanas

você nem tem mais cinquenta anos

para infinitas histórias de amor


viva o encontro 

como o poema do frank o'hara

uma conversa com o sol

pode ser bela

mesmo sendo a última

domingo, 10 de setembro de 2023

aquela dança

em minha lembrança 

lascas de um dia azul


queria ter dito

sem parecer vulgar

que eu poderia gozar

só por dançar com você


não há meios fáceis de dizer

todo orgasmo acaba

toda dança acaba


aceito o que não foi

como o outono

das folhas das arvores

alimentando a terra

segunda-feira, 14 de agosto de 2023

quinta-feira, 13 de julho de 2023

inútil

pode-se fazer as unhas
hidratar os cabelos
tomar um banho
(de chuveiro, de sol)
menos quando é noite
é difícil estar triste 
e só 
à noite

sabendo qual o melhor tipo
pode-se tomar 
algum metal
alumínio
magnézio
lítio

pode-se mirar o sol 
de olhos fechados 
o vermelho intenso 
das pálpebras 

pode-se
empregar o afeto
com o corpo
com o tempo
um ano tem 8.760 horas
(exceto as 2080 horas 
de trabalho e as 2600 horas 
dormindo)

Jeffrey Hall
da universidade do kansas, disse
que são necessárias 
60 horas 
para fazer um amigo
e 200 horas 
para fazer 
um melhor amigo
(quem tem 200
horas, meu deus?)
fecho o bloco de notas
a janela do site, do blog
lanço um sonoro
fodam-se as palavras
nem sempre 
a solidão é um luxo
Clarice

domingo, 2 de julho de 2023

Subjétil, amor

torcer a língua

no esforço

de dizer o amor

maquinar cenas

superfícies e suportes

nas quais o amor  escorra

nos corpos licorosos dos amantes


torcer a pena

e escrever aquele amor 

que nos faz perder 

o rosto

a família 

a cultura 

a tolerância

e os significados


escrever o amor como um mapa 

que nos ensine

amar em abandono

amar inumano

incorporal 

inorgânico


escrever um amor tátil, substância

amor às pedras

plantas

bichos

e cosmo


escrever um amor que raspe

o ranço dos discursos

um amor sonda

goiva

enxada

agulha 

linha 

coser

descoser

esgotar, sem medo ou vergonha

a miríade de eus 

que nos enchem

até criar espaços vazios para o amor


disparar  um amor projétil

que perfure

essa carne nossa de cada dia

até tocar

o corpo sem órgãos


escrever o amor dos corações suados

dos lençóis lambuzados

liberar a gagueira

os gritos

terrorismo poético

incêndios

coquetéis molotov do amor menor


escrever um amor potência

convulsão cósmica

tango sideral

até que esta escrita 

sublime e sutil nos atravesse

e imprima em nós

o incapturável amor


terça-feira, 27 de junho de 2023

menina do dedo verde

aposto que ninguém

precisa suportar, como eu

diaria e ininterruptamente

as teias da imaginação

esta aranha 

tecendo  nós

entre o passado 

e futuro


meus amigos me dizem

"se o sim não é claro, isso é um não"

mas a mais perfeita canção

dos úlimos tempos

conta uma história de um amor

que aconteceu

mesmo parecendo impossível


oito 

são as expressões

do amor incondicional

1- palavras amáveis

2- afetos palpáveis

3- aceitação total

4- compreensão e empatia

5- liberdade e autonomia

6- respeito e admiração

7- sincero perdão

8- apoio inabalável


a despeito desses medos 

plantados no passado

sussurando em minha nuca

contigo eu tentava

domingo, 25 de junho de 2023

fervorosa

Fogueira juninas podem ter diversos formatos, dependendo do santo que representa, da tradição e da criatividade de quem as faz. 

1. Uma fogueira em formato de pirâmide geralmente celebra São Pedro. É construída com troncos e galhos secos em camadas crescentes, formando um cone ou uma pirâmide. A base da fogueira é construída com troncos mais grossos. Em seguida, camadas sucessivas de madeira são adicionadas, com galhos e gravetos menores, formando uma estrutura que vai se estreitando em direção ao topo.

2. A fogueira de São João deve ser construída em formato circular, em uma base concentrica, plana e firme, geralmente no chão ou em uma estrutura de madeira. Pode ter um diâmetro uniforme ou ser mais larga no centro e se estreitar em direção às bordas.

3. A fogueira de Santo Antonio é construída em uma forma cônica, onde a base é menor e vai se alargando à medida que é construída para cima. É semelhante ao formato de pirâmide, mas com lados mais inclinados.

Não obstante o calor dessas tradições, você é a fogueira mais potente. A um, dez, cem ou mil quilômetros ainda  me aquece.

quarta-feira, 21 de junho de 2023

matinal

- busca atentamente entre os cabides uma blusa que combine com a saia verde -
"até que enfim vai esfriar"
- no canto da cama, sob os lençóis desarrumados e uma vastidão de cobertas, olho com preguiça e emito um suspiro profundo - 
'e se eu não for trabalhar hoje?'
- prova a cacharrel mostarda e se move diante do espelho. pelo olhar parece estar satisfeita -
'quer controlar a imagem que irá despejar sobre o mundo'
- debaixo de minhas pálpebras ainda posso ver sua pele, como se ela ganhasse um filtro delicado -
"bobeira é não viver a realidade"
- lança aquele olhar que dá quando o verso que canto a agrada -
'ela tem asas e sabe voltar. quando foi que deixei de ter medo? será isso o fim do amor romântico?'
" sabia que já houve mulheres com quadros histéricos de paralisia da mandíbula só por ter beijado outra mulher?"
'parece bem esses dias, vai voltar mais vezes sem sombras'
- me levanto, faço o café -
"você também sente essa alegria com o primeiro café?"
'e se eu não performasse nunca mais? no domingo, enquanto eu dançava de olhos fechados, fiquei confusa. é difícil me conectar com o agora e, ao mesmo tempo, lembrar que os outros me olham'
"se der tempo, passa no supermercado hoje, precisamos de ovos"
"vamos assistir o eu tu ele ela da chantal akerman na sexta?"
"não sei se gosto desses seus filmes que querem mostrar a realidade toda"
"tem umas cenas que você vai gostar"
"é o alarme das 6:35? tenho que ir, bom trabalho lá hoje"

terça-feira, 13 de junho de 2023

experimente o risco de descer uma escada

lavar os pés, cada um de uma vez

experimente o borbulho d'água

na língua, ao dizer cachoeira

experimente dizer "é preciso" 

para uma cachoeira

ignore o roxo nas nádegas

experimente se mover em uma motocicleta

a 117 quilômetros por hora

arvores

morros

vacas

nuvens

em disparada

meu peito dói quando digo solidão e não vejo o horizonte

domingo, 4 de junho de 2023

guardiã

às quatro, às sete
os amantes se encontram
dos seus beijos, risos
extraio poemas
que vertem vida
entre meus dedos

compungidos
os amantes me ovacionam
me consagram 
sacerdotiza do amor
incapazem de notar
as paredes do túmulo
em minhas pálpebras

sábado, 3 de junho de 2023

 Mês passado estive em uma atividade místico-imersiva com o Igor Guimarães, regada a músicas mântricas, xamânicas, canções relacionadas do candomblé, á natureza, new age e até uns sambas . No ponto alto do rolê tive uma percepção. Vi o Igor circulando, conectando e orquestrando os fluxos e pensei, é um DJ bruxão.  

Me senti imensa, plena e feliz por estar ali e por ter me aberto para ser tocada daquela maneira. 

Escrevo isso aqui porque venho pensando muito em música. Herdei mais de trezentos CDS de meu irmão, que faleceu ano passado e cada um deles me lembra uma fase do Wotan, Manter estes CD’s e ouví-los de vez enquanto me gera sentimentos muito bons de lembrança e gratidão.

Mas tudo isso, neste grupo, é apenas um preâmbulo para dizer uma coisa bem boiola: amo a discotecagem da Fê. Ela me comove sobremaneira. Isso aqui era para ser um poema falando mas entendi que só a prosa iria alcançar a potência do que eu quero declarar, nos afetos envolvidos no trabalho de DJ que eu quero citar.

Um DJ, e a Fernanda em especial, nos lança uma música, produz um fluxo e nos convoca a ouvir, sentir e dançar. Tem fluxo de rio, de chuva, de tempestade. Ela tem aquele jeito de olhar o público, dobrar a cabeça sobre o fone, dedilhar as teclas como um leme no temporal. O som ganha vida, conversa conosco e a pista de dança que se acende. As batidas, os pulsos elétricos se estendem como feitiço sobre a gente. Faz relâmpagos de notas ecoarem no corpo , e os batimentos cardíacos respondem, ondas sísmicas e alquimia sonora. 

Ela circula, conversa e volta. Se você é de dança, se dá vazão para essas ondas, vai rodopiar hipnotizado. Ou vai parar um segundo olhando pro ar, vai vibrar aquelas palavras, aquelas notas. E tem aquele momento em que ela apresenta músicas novas, que passam a incorporar nosso repertório sonoro. 

Ontem eu estava no samba com a Carol e senti a diferença do fluxo. Todos dois manipulam nossas emoções, mas nós, da Mulherada linda, já estamos conectadas com algumas melodias, com uma frequência que a Fé produz e que agencia nossos afetos. 

Bom, fim da boiolagem Fê, fim da rasgação de seda mulherada. Amo ter vocês para encontrar, para fluir, para compartilhar essa experiência.

segunda-feira, 29 de maio de 2023

chachoeiras não engravidam nosso coração

 


ela vai embora

é incrivel como é possível sentir solidão antes da hora

e nem é como se fosse para sempre

a eminência da sua partida tem me feito prestar atenção no agora

num gosto de café, num tom de voz, na temperatura do vento

enquanto a gente se desloca de moto sobre o boulevard

talvez a marília garcia estivesse falando disso 

quando cita o infraordinário, do George Perec

 

outro dia mesmo disse aos meus amigos

-  quero escrever um livro que não seja triste, um livro de amor

não demorou para isso se transmutar em vontade de amor

o que será que chegou primeiro

o medo da futura solidão ou o desejo por amor?

 

durante muito tempo eu gostei de fingir  

que todo amor era pra sempre

que todo encontro era perfeito

que constância vale mais que duração

gostava de acreditar 

que amar demais era meu superpoder

gostava (secretamente é claro) da dor profunda

física 

que nos causam a falta, o ciúme e a rejeição 

a gente aprende na infância a gostar de banho frio

de jiló

de nó apertado nos cabelos

depois aprende a se amar

a ter vergonha de amar

depois a gente aprende a amar os filhos

tenho tanta vergonha de amar demais

não os amigos, nem os filhos

não é ridículo amar os filhos


cultivo um amor especial pelas cachoeiras

cachoeiras são meu dispositivo perfeito 

para me ligar ao agora

experimente caminhar sobre o lodo 

das pedras de uma cachoeira 

sem estar conectada

é como descer uma escada

não se desce uma impunemente uma escada 

sem estar ancorado no agora

cachoeiras são banho frio e lambida

amor e combate

cachoeira sussuram "eu te amo" 

sem engravidar nosso coração

possivelmente o amor das cachoeiras 

seja tão gratuito 

quanto o amor aos filhos 

 

naquele dia você me abraçou

sussurou "eu te amo"

eu já te amava

e estava distraída

engolida por essa laguna

do fato de ela ir embora

seu sussurro, sem querer

fecundou meu coração

 

mas não tem nada não

sigo achando lindo

que você ame

e continue cuidando

da sua história de amor

e, da solidão

e da dor 

ainda tenho as cachoeiras 



 


domingo, 28 de maio de 2023

tomando distância, o que é amor?


é tão fácil esquecer 
que quase tudo 

é medo de suportar 

a solidão ou a morte

e que nem todo mundo

é para por na boca

sábado, 27 de maio de 2023

ensaio




sossega poeta

você vai escrever


sob as cobertas

na madrugada

nossos pés se tocavam

e sabíamos que nos amávamos


mas não se esqueça

que isso ainda não é o amor

é só poesia

quinta-feira, 25 de maio de 2023

lista

compor com o cinza puro de maio

as tantas coisas que me fazem mulher

taciturna, histérica, perturbada, sombria

desdenhosa, egoísta, frenética

vaidosa, profana, orgulhosa


em dias frios como hoje 

manter os olhos cerrados

é um risco permitir que as nuvens

toquem a linha d'água de meus olhos

quarta-feira, 24 de maio de 2023

interdito

uma tarde inteira

repetindo a exaustão

não é possível

não, não, não


mas meu coração, cristina

continua querendo

ancorar navios no espaço

terça-feira, 23 de maio de 2023

velando o morto

CUIDANDO DOS MORTOS


Poema de Malena Martinic


Eu tenho sujeira suficiente nas minhas unhas.

É que eu enterrei você.

Árdua foi a tentativa de eliminá-lo. Difícil foi a tentativa.

Quase uma quimera e, por vezes, uma utopia... uma das mais complicadas.

Foi difícil, acima de tudo, convencer o coração.

Ele sempre me joga uma luta dos antípodas.

Nunca concorda com meu corpo ou com o que penso.

Tenho um coração covarde, pouco lúcido e crente.

Tão esperançoso com essa coisa de amor, como se fosse verdade.

Tive longas reuniões discutindo o imperativo de sua morte.

Mas ele saiu com isso do lado esquerdo, do fio vermelho, desde sempre.

Eu tenho um coração idiota. Sei.

Então, depois que acabou o espaço para o debate inteligente, comecei a mentir para ele.

Eu disse ao meu coração que ia te amar.

Que suas imbecilidades eram, em suma, encantadoras.

Que não te querer não significava te abandonar.

Não querer queimar... não era tão grave assim.

Que eu gostava de fingir.

Que adorava seus cheiros, suas brincadeiras e sua falta de jeito.

E sentou-se calmamente entre os lençóis bagunçados, sem dormir mais,

e brindamos com rum em silêncio.

Meu coração e eu finalmente concordamos.

Com o coração adormecido, embriagado e envenenado. Foi assim que passei a noite.

Com o coração espasmódico e trêmulo, assim caminhei por esta rua.

E eu matei você com certeza. Sem vingança. Com alívio.

Roí unhas, engoli sujeira.

Com o coração jogado na sarjeta é possível matar... viver.


VELANDO AL MUERTO


Tengo suficiente tierrita en mis uñas.

Es que acabo de enterrarte.

Arduo fue el intento de eliminarte. Difícil fue el intento.

Casi  una quimera y, por momentos, una utopía... de las más enrevesadas.

Resultó difícil, sobre todo, convencer al corazón.

Siempre me juega un combate desde las antípodas.

Nunca acuerda ni con mi cuerpo ni con lo que pienso.

Tengo un corazón cobarde, poco lúcido y creyente.

Tan esperanzado él con esto del amor, como si fuera cierto.

Tuve largas reuniones argumentando lo imperioso de tu muerte.

Pero él salía con esto del lado izquierdo, del hilo rojo, del para siempre.

Tengo un corazón idiota. Sépanlo.

Así que, acabado el espacio del debate inteligente, le empecé a mentir.

Le dije al corazón que iba a quererte.

Que tus imbecilidades resultaban, en fin, encantadoras.

Que no desearte no implicaba abandonarte.

Que no arder de ganas... no era tan grave.

Que me gustaba fingir.

Que adoraba tus olores, tus chistes y tus torpezas.

Y se sentó en silencio entre las sábanas desordenadas, de dormir no más,

y brindamos con ron pero en silencio.

Mi corazón y yo, por fin de acuerdo.

Con un corazón dormido, intoxicado y en ponzoña. Así recorrí la noche.

Con un corazón espasmódico y trepidante, así recorrí esta calle.

Y te maté con certeza. Sin venganza. Con alivio.

Mordí uñas, tragué tierra.

Con un corazón arrojado a patadas a la alcantarilla es posible matar... para vivir.

segunda-feira, 22 de maio de 2023

abraço

porque você demoliu meus planos de eremita

há quatro ossos em minha pelve

que estão todos sitiados

sabia que três dias de cerco destroi uma cidade?

 

nietzsche acreditava que a reatividade 

era uma forma de negar a potência da vida

mas eu queria saber se ontem

você comeu,, bebeu, dançou

ou chorou

pareço circunspecta

mas posso ser bem territorialista

 

esse poema é só um corpo de palavras

tentando abraçar você

Poema de Aixa Rava
Adaptação de Norma de Souza Lopes

Penso enquanto corto as batatas
como cozinho para mim faz tempo
ela cozinhava para nós
que eu gostaria de cozinhar para você
cozinhar você nesta panela
reduzi-la com um bocado de cogumelo
mágico
sal e pimenta a gosto, refogar levemente
com cebola roxa e pimenta vermelha
colocar as batatas por baixo e por cima
não te preocupes
Está quente mas o aroma é extraordinário.
Você estaria fofa, quase tanto quanto você é
dourada
assim como seu cabelo fica no verão,
Eu te comeria com mordidas desesperadas
tê-la em mim como nunca antes.

Está claro
que eu ainda não consigo
cozinhar para outra



COCINAR

Pienso mientras corto las papas
mientras cocino para mí como hace tiempo
cocinaba para nosotros
que yo querría cocinarte a vos
cocinarte en esta cacerola
reducirte con un bocado de hongo
mágico
salpimentarte a gusto, rehogarte apenas
con cebolla morada y pimiento rojo
ponerte las papas debajo y encima
no te preocupes
hace calor pero el aroma es extraordinario.
Quedarías tierno, casi tanto como sos
dorado
así como se vuelve tu pelo en el verano,
te comería a mordiscos desesperados
tenerte dentro como nunca antes.

Está claro
que todavía no puedo
cocinar para otro.

domingo, 21 de maio de 2023

tênue

lembra-se daquele dia na praça da matriz

quando corremos atrás do pardais só para fingir que voávamos?

juntas não há constrangimento em ser infantil


lembra da máquina de música movida a moedas

quem usa moedas hoje em dia, meu bem?


a gente se encontra

nestas pedras gastas da leste

xeque-mate você disse, é uma bebida de morte

e nem com isso aprendi


fito seu sorriso largo, um rio amazonas 

atravessando a semana de bh

outro dia te vi pedindo vinho 

no bar do antônio

ele caprichando

é sempre assim pra você 

a vida te dá extras

olhando sem muita vigilância

você nem parece fazer tanta força

para ser feliz


arquiteto planos 

para poder continuar te amando

sem essa tralha do amor romântico

mas, se me distraio

já estou citando adélia, adília, drummond

querendo inventar um poema 

onde habitamos sós


simulo uma sereia

a espera que você

possa me desejar


queria pousar

em você, meu amor

como quem põe flores 

em seus cabelos

escondê-las na bagunça dos cachos

até que imperceptível

elas gravitassem pelo ar

indolores

sábado, 20 de maio de 2023

caixa preta

na curva do seu silêncio

minha imaginação traça cenas

de olhos fechados

posso ver o tijolos amarelos 

do meu 

ao seu peito


amor, você diz (como diz a todo mundo)

e meu rosto se tinge

(três segundo é o tempo que o sangue gasta do coração até o rosto)


você nunca vai saber

agora sobrou apenas a estática

mas killing Me Softly With His Song

na versão de Fugees

era a nossa canção

quinta-feira, 18 de maio de 2023

ainda não é um poema de amor

o amor é sem fundo, misterioso

não há nada de transparente no amor

é iluminado 

colorido 

intenso

no amor canções apalpam nossa alma


entrar no amor num salto sem rede

manter os olhos acessos

semicerrados

ouvidos atentos

atados

voracidades


há que se investir no combate 

ser ao mesmo tempo

caça e caçador


saber dos riscos de sair de si em busca de um objeto

entrar no amor não como quem cultiva cogumelos

controla o vento 

a água

a luz 

o calor

não como quem fuma 

e se deixar tragar pelo vapor


transar os meios

ignorar os fins

tocar sem fundir


garantir a economia das distâncias

consumir a intimidade

fruir a diferença

e a dinâmica integral

da existência de cada um



quarta-feira, 17 de maio de 2023

coragem poeta

ainda não é um poema de amor

mas coragem, poeta

a fonte não se esgotou 

e você não estava quebrada, afinal


plante uma pausa

para esquecer fugas desesperadas

a respiração sufocada

os chuveiros quebrados

o feijão esquecido no congelador


já era hora

de largar as sombras

desfrutar beijos famintos

amores cerebrais

colher pequenos abraços às oito horas

dar pinta de outdoor


reconheço que nada

no amor

é indolor

mas a poesia é pra sempre

e para si, poeta

você também é para sempre