domingo, 26 de agosto de 2018

Consigo eles eram brandos, uma conversa macia, rotineira. Conosco a língua ácida, espessa que afinal nao éramos dignos de palavra. Chegar na enfermaria era como estar-lhes roubando algo: o tempo, a atenção. Por medo de rejeição ou das grosserias  a maioria de nós evitava demandar. Poucas enfermeiras nos tratavam como pacientes. Ficava sempre a sensação de ser um esmolem.
O preço, soube depois, seiscentos reais a diária. Preço de hotel de luxo para um hospital medíocre, quartos ordinários e alimentação insossa. 
No caderno trazido pelo amigo eu anotava as impressões acerca do lugar e dos pacientes.
Era curioso como as mulheres da ala se relacionavam como se fossem velhas amigas. Como se aquele não fosse um encontro fortuito, como se quase todas não fossem desaparecer umas das outras em semanas.
Era tolice eu pensar que essa era uma característica do hospital. As pessoas vivem desaparecendo da nossa vida. Me lembrei do caso da organização da estante.
Em 2012 conheci um poeta muito bom, comprei seus livros, fui às atividades que ele realizou na cidade, tornei-me amiga etc. Segui o protocolo que estabelecemos com um colega da poesia. Alguns meses depois soube de seus abusos com a esposa e decidi romper contato.
Sei que isso deixa o leitor curioso, é justo. Todo mundo quer conhecer os segredos de alcova dos sujeitos célebres. Mas confesso que não tenho intenção de contar quem é. O que quero demonstrar e a tese de que as pessoas desaparecem e às vezes nem nos damos conta.
Voltando à organização da estante em 2016, por causa de uma mudança de casa, fui reorganizar os livros e me deparei com os livros deste poeta. Fiquei muito surpresa. Eu havia me esquecido completamente dele. Minha memória, por quatro anos, havia deletado, esquecido o homem.
Na ocasião fiquei bem impressionada. Hoje entendo completamente. É como se, por economia de afetos, permanecesse em nós apenas os amigos relevantes.
Talvez por isso  nos primeiros dias de internação me mantive tão obtusa. O corpo de enfermagem não merecia consideração, dados os maus tratos. E poucas seriam as colegas de claustro que permaneceriam.

3 comentários:

  1. Hospitais e presídios parecem a mesma coisa, em alguns casos. Não estou querendo minimizar o problema dos presídios superlotados. Quero dizer a privação de liberdade e o fato de os pacientes serem tratados como algo menor que o humano.
    Sobre a economia de afetos, eu ando em déficit na minha balança comercial. Arrasto comigo as ausências e desaparecimentos. Não bastassem os mortos, que se acumulam com o tempo, também sou povoado pelos desaparecidos. E uns deixam buracos ainda mais fundos e doloridos. Ervas daninhas que se enraízam e deixam rachaduras irreparáveis em minha consciência.

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    1. Seu comentário para mim é como uma conversa. Me sinto muito feliz em tê-la com você. E somos o que somos e ainda nos amamos.

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    2. Gosto de vir aqui e retomar essa conversa. Obrigado por fazer parte da minha vida. Obrigado por ser essa pessoa tão disposta a compartilhar sua profundidade.

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