quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Abraço o acaso mas o infinito me apavora

Foi por causa do Le Spleen de Paris que eu passei a me questionar acerca do valor de me embriagar. Tais vertigens não são para mim o que é para todo mundo (talvez não todo mundo, talvez para a maioria das pessoas). Nunca experimento alívio do peso do tempo. Abraço o acaso mas o infinito me apavora. Me embriagar é perder o controle e envelhecer a velocidade da luz. 
Não que haja alguma moral nisso.
Sou capaz de desfrutar do álcool, da poesia e da virtude mas me entregar é como estar a me afogar. 
Passei um ano aprendendo a nadar mas toda vez que perco o pé me desespero. A ausência de chão me assombra. Dizem que é possível aprender sobre a água observando navios, sua flutuação, a luz do sol incendiando as águas debaixo do casco. Um navio é uma caixa flutuante, um exagero das leis da física. Nadar também é um exagero das leis da física. Todo dia acordo desejando nadar sem medo da distância entre mim e o fundo. Venho pintando peixes, inventando barcos, esculpindo moluscos. É só um quarto mas em breve vai parecer o fundo do mar.  Talvez fosse mais fácil aprender a me embriagar observando os navios. Mas minha terra não tem navios. 

2 comentários:

  1. Triste e assustadoramente lindo. Estamos todos na ponta dos pés, tentando tocar o fundo e, ao mesmo tempo, manter a cabeça fora d'água. É tão difícil. E nossa terra não tem navios...

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