quarta-feira, 9 de março de 2011

Meu nome é Genoveva e eu sou a lagartixa imaginária de Olívia. Olívia tem cinco anos é é uma menina muito especial. Apareci para ela no dia em que sua mãe foi embora. Não apareci à-toa. Não sou uma lagartixa muito fácil. Esse negócio de aparecer e ficar falando assim com menina de cinco anos foi por acaso. 
Aconteceu no dia em que ela acordou de madrugada e achou o pai chorando. O choro rugido atraiu Olívia para a cozinha. Naquela noite Olívia ficou sabendo:
_ Sua mãe foi embora, Olívia. Deixou a gente para seguir aquele bando de desocupados da escola de dança. Ela não volta nunca mais.
Geralmente eu prefiro ficar escondida na cabeça das crianças. Mas quando vi a menina chorando, enrodilhada nos braços do pai, tive pena. Quando vi no olho dele o medo da dor da menina decidi ajudar.
Logo que o pai deixou-a na cama cheguei bem pertinho e sussurrei:
_ Ei Olívia, você tem medo de lagartixa?
_ Eeeu nãão! Olívia respondeu soluçando.
_ Quer ser minha menina confidente?
_Queeero!
Nos primeiros dias não houve confidências. Olívia só chorava, soluçava e pedia pela mãe. Mas como eu a seguia por toda parte ela acabou demonstrando curiosidade.
_ Como você se chama?
_ Genoveva, e você?
_ Olívia. Por que você é tão branquinha?
_ Eu sou uma geconida. Lagartixas como eu só ficam dentro de casa. Acho que é por isso que sou branca assim.
No começo da conversa eu nem quis tocar no assunto. Sabia que a menina estava sofrendo com a partida da mãe. Olívia foi quem tomou a iniciativa.
_ Sabia que minha mãe foi embora?
_ Sabia. Foi nesse dia que eu apareci, você se lembra?
_ É mesmo. Você sabe por que ela foi embora?
- Sei não, Olivia. Mas sei de uma coisa muito importante: ela não foi embora por sua causa. Ela te ama muito.
Esse papo fora muito para um só dia. Então brincamos de esconde-esconde. Meia hora e Olívia já estava sorrindo.
O pai de Olívia ficava pasmo toda vez que via a menina virada para as paredes, conversando comigo. Achava que a filha tinha enlouquecido depois da partida da mãe. Ele não podia me ver porque era um adulto muito cético. 
No trabalho sugeriram para ele conversar comigo também. Mas como ele não sabia onde eu estava acabava conversando com as paredes. Olívia ria muito disso tudo.
Em alguns meses a coisa parecia ter melhorado. Faltavam três meses e já planejávamos o aniversário de seis anos de Olívia. Ia ter balões, cama elástica e até picolé. Até a pequena atender o telefone e começar a chorar. Era a mãe.


_ Volta pra casa, mãe.
...
_ Mas você nem deu tchau...
...
_ Você não gosta de mim...
...
_ Tá mãe, eu também te amo, tchau viu.
Foram duas semanas de chororô. Nem os preparativos para a festa tiravam Olívia do quarto. Assumi meu posto de largatixa-guarda-costas-imaginária e passei a seguir a menina em silêncio por onde ela fosse. Até que veio a pergunta. 
_ Por que ela não gosta de mim, Genoveva?
_ Ela te ama, minha flor.
_ Por que ela não volta então?
_ Os adultos tem jeitos estranhos de amar, Olívia. Às vezes amam assim, de longe, sabe?
_ Eu queria ela aqui comigo.
_ Eu sei...


Esperei silenciosa por duas semanas até que a garota voltasse a falar no aniversário. E tudo aconteceu como o esperado. Os amiguinhos da escola  vieram, dançaram, comeram e brincaram. No final da tarde as remanescentes abraçaram Olívia demoradamente, daquele jeito que só as amigas do peito fazem. E foram embora deixando sozinhos Olívia, o pai e eu.
Já ia puxar conversa quando vi a menina sentar no colo do pai e passar a mão em seu rosto. 
_ Você também sente falta dela, pai?
_ Sinto sim, minha pequena.
_ Porque ela foi embora?
_ Acho que ela não me amava mais.
_ Mas ela me deixou também.
_ Ela deve ter pensado que  não havia outro modo de se separar, Olívia. 
_ Que bom que nós ficamos juntos , né pai? A gente não ficou sozinho.
_ Bom mesmo, querida. E ainda temos nossos amigos. Fiquei impressionado com o tanto de convidados no seu aniversário.
_ Foi divertido, não foi? Quero de novo o ano que vem.
_ Com certeza você terá.
Os dois ainda ficaram conversando por horas. Eu de minha parte entendi que Olívia não vai precisar de uma lagartixinha imaginária por muito tempo. Minha hora de ir embora havia chegado. Há muitas meninas tristes por aí. 

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