segunda-feira, 21 de março de 2011

Me ame

Conversa difícil aquela, Gwen. Ela disse  que essa história de eu ser capaz de rir de mim mesma é baixa-estima. Por trás do deboche há uma falta de consideração por mim mesma. Fiquei confusa. 
As piadas pessoais são meu jeito de aceitar minhas falhas e incompetências. A verdade sobre mim. Sempre achei que esta história de estima me colocava num buraco sem fundo. 
Gostar de mim como sou é coisa difícil. Passei a vida mascarando raiva, medo culpa e falhas de caráter para que os outros gostassem de mim. Eu não sabia fazer isso por mim mesma. A consciência da fraude me perseguia. Sabia que mentia, mas também sabia que o verdadeiro eu não podia se revelar sem enfrentar a rejeição alheia.
Daí para as piadinhas acerca de mim mesma foi um pulo.
Visualiza, Gwenever: brincando eu podia me dizer de verdade, revelar toda a torpeza da minha alma. A dose cavalar de inveja, egoísmo e covardia que carrego em mim não parecia tão terrível quando dito em tom de troça.
Mas ela afirmou que isso é baixa-estima. 
Dorme com um barulho desse, minha querida geconida. Diante do espelho só vejo essa monstrenga que só se assume brincando.Por isso vou te pedir: só por hoje, dá para você me amar, Gwen? 

Norma de Souza Lopes

quarta-feira, 16 de março de 2011

Desesperar

Já te ocorreu que talvez a gente passe pela vida ser ser tão especial, Gwenever?
Pensei nisso hoje e confesso que a dor foi quase física. E se eu, essa quarentona  cismada a loba, não for realizar uma grande missão? E se o futuro promissor não chegar nunca?
Até aqui vivi a expectativa de uma promessa, intima e secreta de que em algum momento da minha vida eu iria acontecer, ascender como um cometa. Nunca havia me ocorrido, como aconteceu hoje, de duvidar dessa promessa. 
Mas essa dúvida muda tudo, Gwenever. No mês que vem completo quarenta e ainda não alcancei a fortuna tão desejada, não me tornei celebridade nem  uma grande líder.
Apesar das promessas da indústria farmacêutica não acredito que eu tenha muito tempo pela frente para fazer mais do que já fiz nessas quatro décadas. Tudo está ficando mais difícil. Percebo em mim limitações físicas e psicológicas que não haviam quando eu era mais jovem.
Escrevo isso e fico torcendo para esse  pensamento seja apenas umas daquelas ondas de pessimismo que dão e passam pois eu não poderia viver sem meus sonhos. E quem poderia, Gwenever?

Norma de Souza Lopes

quarta-feira, 9 de março de 2011

Meu nome é Genoveva e eu sou a lagartixa imaginária de Olívia. Olívia tem cinco anos é é uma menina muito especial. Apareci para ela no dia em que sua mãe foi embora. Não apareci à-toa. Não sou uma lagartixa muito fácil. Esse negócio de aparecer e ficar falando assim com menina de cinco anos foi por acaso. 
Aconteceu no dia em que ela acordou de madrugada e achou o pai chorando. O choro rugido atraiu Olívia para a cozinha. Naquela noite Olívia ficou sabendo:
_ Sua mãe foi embora, Olívia. Deixou a gente para seguir aquele bando de desocupados da escola de dança. Ela não volta nunca mais.
Geralmente eu prefiro ficar escondida na cabeça das crianças. Mas quando vi a menina chorando, enrodilhada nos braços do pai, tive pena. Quando vi no olho dele o medo da dor da menina decidi ajudar.
Logo que o pai deixou-a na cama cheguei bem pertinho e sussurrei:
_ Ei Olívia, você tem medo de lagartixa?
_ Eeeu nãão! Olívia respondeu soluçando.
_ Quer ser minha menina confidente?
_Queeero!
Nos primeiros dias não houve confidências. Olívia só chorava, soluçava e pedia pela mãe. Mas como eu a seguia por toda parte ela acabou demonstrando curiosidade.
_ Como você se chama?
_ Genoveva, e você?
_ Olívia. Por que você é tão branquinha?
_ Eu sou uma geconida. Lagartixas como eu só ficam dentro de casa. Acho que é por isso que sou branca assim.
No começo da conversa eu nem quis tocar no assunto. Sabia que a menina estava sofrendo com a partida da mãe. Olívia foi quem tomou a iniciativa.
_ Sabia que minha mãe foi embora?
_ Sabia. Foi nesse dia que eu apareci, você se lembra?
_ É mesmo. Você sabe por que ela foi embora?
- Sei não, Olivia. Mas sei de uma coisa muito importante: ela não foi embora por sua causa. Ela te ama muito.
Esse papo fora muito para um só dia. Então brincamos de esconde-esconde. Meia hora e Olívia já estava sorrindo.
O pai de Olívia ficava pasmo toda vez que via a menina virada para as paredes, conversando comigo. Achava que a filha tinha enlouquecido depois da partida da mãe. Ele não podia me ver porque era um adulto muito cético. 
No trabalho sugeriram para ele conversar comigo também. Mas como ele não sabia onde eu estava acabava conversando com as paredes. Olívia ria muito disso tudo.
Em alguns meses a coisa parecia ter melhorado. Faltavam três meses e já planejávamos o aniversário de seis anos de Olívia. Ia ter balões, cama elástica e até picolé. Até a pequena atender o telefone e começar a chorar. Era a mãe.


_ Volta pra casa, mãe.
...
_ Mas você nem deu tchau...
...
_ Você não gosta de mim...
...
_ Tá mãe, eu também te amo, tchau viu.
Foram duas semanas de chororô. Nem os preparativos para a festa tiravam Olívia do quarto. Assumi meu posto de largatixa-guarda-costas-imaginária e passei a seguir a menina em silêncio por onde ela fosse. Até que veio a pergunta. 
_ Por que ela não gosta de mim, Genoveva?
_ Ela te ama, minha flor.
_ Por que ela não volta então?
_ Os adultos tem jeitos estranhos de amar, Olívia. Às vezes amam assim, de longe, sabe?
_ Eu queria ela aqui comigo.
_ Eu sei...


Esperei silenciosa por duas semanas até que a garota voltasse a falar no aniversário. E tudo aconteceu como o esperado. Os amiguinhos da escola  vieram, dançaram, comeram e brincaram. No final da tarde as remanescentes abraçaram Olívia demoradamente, daquele jeito que só as amigas do peito fazem. E foram embora deixando sozinhos Olívia, o pai e eu.
Já ia puxar conversa quando vi a menina sentar no colo do pai e passar a mão em seu rosto. 
_ Você também sente falta dela, pai?
_ Sinto sim, minha pequena.
_ Porque ela foi embora?
_ Acho que ela não me amava mais.
_ Mas ela me deixou também.
_ Ela deve ter pensado que  não havia outro modo de se separar, Olívia. 
_ Que bom que nós ficamos juntos , né pai? A gente não ficou sozinho.
_ Bom mesmo, querida. E ainda temos nossos amigos. Fiquei impressionado com o tanto de convidados no seu aniversário.
_ Foi divertido, não foi? Quero de novo o ano que vem.
_ Com certeza você terá.
Os dois ainda ficaram conversando por horas. Eu de minha parte entendi que Olívia não vai precisar de uma lagartixinha imaginária por muito tempo. Minha hora de ir embora havia chegado. Há muitas meninas tristes por aí. 

domingo, 6 de março de 2011

Resenha de " A Sombra do Vento"

Depois de longos três meses concluí a leitura de" A Sombra do Vento" de Carlos Ruiz Zafón. Não que a obra seja ruim. A tradução impecável de Márcia Ribas nos trás um história densa e bem escrita.
A principio suas 464 me deixavam com preguiça.  Mas lá pela metade do livro a história esquentou e eu acabei pesquisando acerca da Espanha de 1945 para resolver meu problema de contextualização, que estava tornando o livro meio árido para mim.
A obra tem valor. Zafón usa inúmeras imagens para descrever os lugares, as pessoas e seus sentimentos. Apresenta metáforas primorosas. As intrigas vividas por Daniel Sempere, dos 11 aos 17 anos vão avolumando a história. A partir das 300 páginas não consegui largar o livro. Começa com um fato curioso: não se lembrando do rosto da mãe morta, Daniel recebe um presente fantasmagórico de seu pai. Uma visita a uma biblioteca secreta no centro histórico de Barcelona, o Cemitério dos Livros Esquecidos, da qual retira um exemplar de " A Sombra do Vento, obra de um tal Julian Carax.
Fascinado com o livro, Daniel passa a perseguir a história de seu autor e descobre que alguém vem queimando todas as obras. Descobre ainda e o exemplar que possui pode ser o último existente. 
Sua busca o coloca frente a frente com uma história tenebrosa de amor e ódio envolvendo todas as pessoas que cercaram Carax desde a juventude.
A história apresenta romance, suspense, perseguição policial, elementos sobrenaturais  e até uma leve contextualização do meio do século XX na Espanha. 
A sombra de Carax, Daniel compreende que sua obra está relacionada com a história de amor que viveu com uma Penélope Aldaya, filha da alta sociedade barcelonense. Ele também vive sua própria história de amor com Beatriz Aguilar, irmã de seu melhor amigo.
Como cena de fundo, a deslumbrante Barcelona ainda intocada pelos modernismos da América consumista, vai aos poucos despertando em nós aquilo que todo leitor busca, a curiosidade voyer de saber outras vidas, de entrever desfechos impressionantes. 
Recomendo a obra para quem gosta leitura volumosas e histórias robustas. Certifico que o desfecho é impressionante.

Norma de Souza Lopes