terça-feira, 21 de maio de 2019

pasodoble

Finalmente compreendo que não há coincidência nesse padrão de rejeição que experimento desde a infância. É uma escolha meticulosa pelo que não está pronto para acontecer, como alguém que cutuca uma ferida quase seca para que volte a sangrar. Há um gozo em mergulhar na tristeza, chorar diante do espelho, imaginar o próprio funeral. Como se só fosse possível exercer minha potencia a partir do banzo da autocomiseração. Que ganho haveria com o exercício deliberado da infelicidade? A felicidade já me ensinou alguma coisa? Suspeito que a alegria só me tira coisas, mesmo assim insisto. Não se escapa à tristeza do desamor sem transformar a rejeição em poesia. Transformamos desamor em metáfora como quando olhamos água condensada e vemos beleza no azul do firmamento ou quando miramos nuvens, o arco-íris. Também o fazemos com o grito de fome dos pássaros transformando-o em música. Um desperdício de infelicidade, posso dizer. Diante de mim um menino que aprendeu a amarrar os sapatos sorri, ainda não contaminado pelo medo de fracassar. Deixo a leveza disso fazer escorrer minhas sombras e revelar minhas transparências. Mais um passo nessa dança entre alegria e tristeza. Talvez essas pequenas coisas me devolvam o desejo pelos amores possíveis. Norma de Souza Lopes

Um comentário:

  1. Os amores impossíveis também podem ser desejados. Acho que isso está até mais perto dessa infelicidade cultivada. Acho que fazemos isso porque pensamos que a sabedoria está na dor, na tristeza. Isso consta lá em provérbios. No luto a gente pondera. A alegria é animal.

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