quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Da perda e da recompensa

Não adianta Gwenever. Quero deixar esse trabalho e esse lugar. Por mais que eu faça o exercício de aceitá-los ainda concordo com Sartre: o inferno é esse outro que me invade. Sinto que surrupiam minha sorte na vida e que são responsáveis por minhas agruras. Leio em cada risada que ouço. Está escrito que eles se divertem com minhas derrotas. Não fosse minha incursão pregressa no cristianismo arrancava cada jugular no dente.Sem piedade.

Por mais que eu seja empática, que me movimente na direção do outro, não há retorno. Ainda tenho que ouvir suas falas acerca de mim. Minha auto-imagem megalômana é avessa às opiniões a meu respeito. Ouço e não me reconheço.

Lembro de Karen Horney e suas teses acerca da inveja. Por isso ainda me dou ao trabalho de questionar minhas motivações. Sofro a perda. Sinto raiva. Mas, e se a raiva for do beneficio alcançado pelo outro? Vejo-me refratária, ressentida e irascível. Depois do desfecho de ontem escrevi aleatoriamente umas oitenta palavras. Você pode calcular quantas vezes a palavra ressentida apareceu, Gwenever? Doze vezes. Isso sem contar as aparições das palavras magoada, irada e condoída.

Estou a meses nessa luta. Fiz uma escolha errada. Em conseqüência fui posta em um lugar que não gostaria de estar. Logo eu, Gwenever! Eu era uma das melhores dessa cidade. Nem isso me garantiu o melhor lugar. Para completar ainda fui rejeitada. Sinto pena de mim!

De novo esse vício em autocomiseração incurável. Gozo mergulhar nesse viscoso lago de fel. Não consigo sequer conversar com aqueles que penso terem me traído. Sobretudo tenho sede de vingança. No entanto sou covarde demais para executar. Faço pior. Destilo essa ira cotidiana, silenciosa. Tomo copo de veneno para o outro morrer. Não é patético, Gwenever?

Hoje me vi numa cena surreal. Eu, andrajosa e recalcada, arrastava minha desgraça diante dos outros. Os andrajos são esses ombros curvados, os olhos inchados, a tez caída e essa boca côncava. Espetáculo tosco e pueril. Ninguém sofre com isso. Todos se aliviam por não estar no meu lugar. Sou aquela que ninguém quer ser. Logo eu, tão vaidosa, figuro papel rejeitado.

Você, que é tão versada em coisas do sobrenatural, sabe o que Deus quer de mim nesse momento, Gwenever? Em seu mundo de lagartixas há disputas tão perversas, como em meu mundo do trabalho? Espero que não. Você, meu alterego reptiliano, tem me amado de um jeito tão cândido que não merece sofrer rejeição ou traições. Acho que eu também não. Acredito em você. No futuro está a recompensa.

Norma de Souza Lopes

Um comentário:

  1. N fundo a melhor manifestação para a vingaça que se instala na gente creio ser mesmo a covardia. Melhor matarmos o outro em nós. Seria um inferno menos trágico. Esses seus diálogos são uma terapia e tanto! Meu abraço, Norma! Paz e bem.

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