domingo, 13 de abril de 2025

Oração da Entrega Serena

Que eu não me esqueça, no meio da chama, de que sou também a guardiã do fogo.

Que o desejo me aqueça, mas não me queime.

Que a paixão me ilumine, mas não me cegue.

Que eu celebre cada gesto de ternura,

sem esquecer de olhar para as raízes.

Que eu receba com alegria o que me é dado,

mas que eu não me perca na espera do que ainda não chegou.

Que eu reconheça a beleza deste encontro,

como se reconhece a beleza de uma flor rara: com encantamento, sim,

mas também com o cuidado de quem rega todos os dias,

sem pressa de vê-la desabrochar.

Que eu saiba ouvir as palavras doces,

mas que eu preste atenção aos silêncios.

Que o amor que eu ofereço volte para mim em dobro:

não apenas nas promessas,

mas nas escolhas diárias.

Que eu não diminua meu brilho para caber no sonho de ninguém,

mas que eu encontre quem escolha caminhar ao lado da minha luz.

E que, se este for o amor que merece morada,

ele permaneça — não porque eu o prenda,

mas porque ele queira ficar.

Assim seja.

sexta-feira, 11 de abril de 2025

Voltando pra casa

Antes mesmo de você chegar, eu já tinha falado de você pra eles. E foi como se eles já te conhecessem. Sabem do teu sorriso, como se tivessem te visto de perto. Sabem do jeito que a tua presença me acende, como se tivessem sentido calor da sua chegada. Quando você atravessar a porta, amor, não vai ser visita — já vai ser de casa. Porque assim, quem faz bem pra mim, vira bem pra eles também. Fica morando na memória da gente como coisa boa, como benção da vida. E eu tenho certeza que, quando você chegar, eles vão sorrir daquele jeito de quem já sabia… Você acabou de chegar, mas é amor antigo, você está só voltando pra casa.

terça-feira, 8 de abril de 2025

condensação

febre no pijama
desnorte
(quem podia imaginar?)
teu nome tatuado 
no pulso da minha sede

mordida de fruto vivo
caroço em labareda
pico, abismo, 
tua boca que puxa 
como maré — sem aviso

deslizo:
sou o carro-luz
furando o escuro das tuas coxas
queimando as faixas da cidade

não rezo
engulo, mastigo
minha língua, tua oração pagã

te imagino: pequena, vulcão de bolso
implosão portátil
teus “sim” pingando no terço sujo dos meus dedos

febril
encharcada
estilhaço de tua fome atravessando minha pele

não durmo
arquitetando teu corpo no escuro

coleciono teu gozo
como quem rouba mapas de tesouro
e queima as rotas depois

te penso
e o mundo evapora.

segunda-feira, 7 de abril de 2025

Cartografia da Espera

Eu tinha me esquecido que o tempo tem suas próprias estações.
Mesmo quando a pressa aperta o peito, há algo de bonito em esperar.
O afeto também é construção lenta, como um jardim em pleno outono, repletos de jasmins. Afeto que não teme o frio da noite,
porque sabe: a seiva já corre por dentro, invisível aos olhos apressados.

A distância é assim também — parece um vácuo, mas na verdade, é solo fértil.
Entre nós, há quilômetros que não sabem medir o que cresce em silêncio.
O que é um mapa, diante da bússola que carrego no peito?
Sigo, instintiva, como raiz que atravessa pedra, buscando umidade no subterrâneo do tempo.

Algumas presenças chegam miúdas, como sementes levadas pelo vento,
mas se instalam fundo, criando espaço onde antes havia só ausência.
De longe, você me habita como quem mora nas frestas do dia,
no intervalo entre as tarefas, na curva mais calma do pensamento.

Hoje, o que eu tenho é essa alegria silenciosa:
sentir que, mesmo sem tocar sua pele, seu nome faz morada nas minhas rotinas.
Que existe uma dança secreta entre nossos dias, uma correspondência que o mundo não vê.
E que as boas histórias, aquelas que valem ser vividas,
sempre encontram o caminho — mesmo quando as estradas se perdem,
mesmo quando a geografia parece não ajudar.
Há rotas que só o coração conhece.