segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Vigília

Daí de onde me vês, 

sou forte, vigorosa, 

mas durmo tão pouco. 


Vem comigo, 

mas só se velar 

minha sesta 

ao meio-dia, 

depois das refeições. 


No sono, entrego. 

Entrego vulnerabilidades. 


És capaz, amor, 

de me ver dormir 

sem temer 

que eu precise 

mais que o suficiente 

de você? 


Não temas

eu mesmo cuido 

do que dorme em mim 

zelo pelo que me  falta.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Vulnerável

triste como um bebê

abandonado sozinho no berço

pensava que era saudades

mas era sono


sinto muito, Ana

ontem contava 

uma banalidade sobre nós

e percebi que esqueci seu nome

o rosto, aos poucos

vai se apagando 


estão de volta os tempos 

de navios

e poesia

tanta potência não colabora

é preciso estar vulnerável

para ser amada


entra-se na paixão pensando

"desse jeito é a primeira vez"

mas raro mesmo

é se lambuzar

da própria vida

terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Seios

Somos mamíferos porque carregamos o poder de nutrir estampado no peito. Sem pudor, a ciência diz: as glândulas mamárias se organizam em lóbulos, ductos, auréola. Matéria-prima para o primeiro sustento. Mas nos sonhos, esses mesmos seios projetam outras tramas - a mística do toque, o aconchego ancestral, a delícia de alimentar e ser alimentada.

Em um cochilo, me vislumbrei amamentando amamentando em alguém e acordei perplexa. Lá, no território onírico, o peito era fonte generosa, guardava promessa de vida e de prazer; um gesto tão simples e íntimo que, no entanto, carrega séculos de mitos, tabus e contradições. Em outras paragens, recordo que a galáxia em que flutuamos chama-se Via Láctea "caminho de leite". Do grego gála, somos amarrados a esse "suco de peito" que nos abraça como espécie, lançando o cheiro doce do passado.

No meu poema (ver De mim ninguém sai com fome p. 75), escancaro as entranhas do mamilo, a textura e a cor, o poder de gozo, a fronteira entre o sacro e o profano. É curioso como a tal "civilização" permite aos homens exibirem seus mamilos impunemente, enquanto as mulheres são proibidas de ostentar o seu. E, assim, nossas culturas seguem vingativas — penalizam quem ousa mostrar a fonte geradora de vida.

Talvez seja essa força paradoxal que faz dos seios um emblema de tanto fascínio e repressão. Neles, cabem nutrição, erotismo, política e sonho, entrelaçados numa trama corporal e simbólica. A força dos seios no imaginário não é só biológica: é a nossa herança, a nossa maneira de existir e de criar - gerando leite, poemas e galáxias inteiras.


#ForçaDosSeios

#Mamíferos

#ViaLáctea

#CaminhoDeLeite

#PoesiaCorporal

#Amamentação

#TabusSociais

#CivilizaçãoVingativa

#CorpoPolítico

#MísticaDoToque



quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Orquestra de luz

a meia-noite sussurra

please, please, please,

meu susto hesita

na pólvora dos teus olhos


será bom

que anjos orquestrem 

meus medos?


declaro ao céu 

riscado de luz

não somos mais as mesmas

não há nada

do que se envergonhar

nem nada a temer

as horas tecem seu trabalho 

vestes de prata

e acontecimento