quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Arquitetura do fim

1. Arquitetura do Afeto

Há uma engenharia no abandono,
silenciosa como a curva de um pássaro preso.
Os gestos mínimos,
pareciam erguer paredes invisíveis entre nós:
um copo de água que nunca era vinho,
mensagens não respondidas,
um "tudo bem?" dito como quem atravessa um campo minado.
A solidão ali não é abismo, é eco.

2. Quiet Dumping: Manual Prático

No trabalho eles chamam isso de quiet quitting,
mas no amor o conceito tem outro nome:
um suspiro mais longo,
um sorriso que não alcança os olhos,
a distração compulsiva de deslizar o feed do celular.
“Você está exagerando”, me dizia,
enquanto o ventilador girava
como se fosse ele a manter o ar entre nós.

3. Dos efeitos colaterais

A bula da relação advertia:
pode causar:

  • vertigem emocional,

  • naufrágios suaves,

  • a sensação constante de falar sozinha.

Contraindicações:
não administrar em corações esperançosos.

Dose recomendada:

o mínimo necessário para não romper.

Desde antes sinto
Que o meu play
é caminhar em direção à água.
Nos sonhos, estar na água
é tão prazeroso quanto voar.

Entrei nessa pensando que queria amor.
Amoris em latim fala de muitos afetos.
No proto-indo-europeu o AM pode ser a mãe,
dai para o sânscrito amati, que ama, cuida,
o grego antigo amáo, acariciar, desejar,
ou o alemão antigo amida, amizade, afeção.

Os romanos dividiam em:

  • Éros: Amor apaixonado e erótico.

  • Philia: Amizade e afeção entre amigos.

  • Ágápe: Amor altruísta e universal.

  • Storgê: Amor familiar.

Eu pensava que queria amor,
mas desejava apenas cuidado.
Queria falar do primeiro feriado da consciência negra,
ou do medo das enchentes de dezembro,
mas só consigo pensar na falta de amor.

4. Peixe cru e bolos veganos

Tudo que restava era cotidiano:
a vitrine de um restaurante qualquer,
um pedido de comida que nunca vinha sem hesitações.
“Sushi de novo?”,
ela perguntava sem realmente querer saber.
Às vezes penso que as relações modernas
são como esses bolos veganos:
bonitos, funcionais,
mas sem o gosto que o sustente.

5. Piscinas e naufrágios

Eu lembro de quando ela ria,
quando as viagens eram mapas vivos.
Agora, tudo é piscina,
um espelho que engana profundidade.
“Mudam porque a gente deixa”,
eu dizia, mas ela ficava lá,
quieta, girando a cerveja como um ritual de esquecimento.
É irônico como algumas águas não molham,
só afogam.

6. Inventário do adeus

Na mesa, ficaram os brincos de gota,
não abertos.
No ar, o som do ventilador girando.
Na porta, o silêncio,
mais definitivo do que qualquer palavra.
“Já vai?”, ela pergunta,
e eu quis responder:
“Não estou saindo agora.
Eu já fui embora faz tempo.”
Mas não disse.
Deixei o vento fechar a porta.

quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Eu Sou o Mar Inteiro

A saudade queria ser leve
Como um sopro de brisa
Uma dança despretensiosa
Sob o céu de Gantois

Mentira...
A saudade queria ficar
Pesada como pedra
Âncora amarrada
Ao fundo do peito

Queria ser só memória
Um quadro bonito na sala
Nostalgia sem dor

Mentira...
Ela se agarrava à música
Às fotos no celular
Soprava histórias no ouvido
"Lembra disso?
Lembra das coisas?"

Refrão:
Desenhei a saudade como pipa
Um vento que passa, leve, livre
Agora dança comigo,
Ao som de novas canções
E quando sussurra, eu digo:
"Te ouço, saudade, mas não me prende
Você é só vento,
Eu sou o mar inteiro"

A saudade vira conversa
Um café que esfria no tempo
Um toque que ficou no ar
Sem nunca chegar...

Mas eu sopro de volta o silêncio
Solto as amarras, deixo voar
Agora é só brisa na pele
Não vai me calar

Refrão:
Desenhei a saudade como pipa
Um vento que passa, leve, livre
Agora dança comigo,
Ao som de novas canções
E quando sussurra, eu digo:
"Te ouço, saudade, mas não me prende
Você é só vento,
Eu sou o mar inteiro"

segunda-feira, 25 de novembro de 2024

quando me perde

[do lado de dentro]

o que você vê quando fecha
os olhos? uma sombra riscando
o verde, ou talvez,

a curva de uma estrada que nunca pegamos.
eu estava ali, sempre ali.
o que você vê quando tenta medir
o amor que escorre pelos dedos?

é como um polvo constelar,
invisível e presente,
pequeno, mas impossível de ignorar.
você vê o que era?

companheirismo em mapas e mirantes,
a pausa antes do riso
ou o som do vento quando a gente parava de falar.

não há time lapse aqui,
apenas o som oco de uma mala abrindo.
— qual é a verdade desta vez?

você perde a viagem,
o texto nas entrelinhas,
a foto borrada onde o sorriso era só meu.

[de fora]

o que fica no vidro
do carro que você ainda dirige?
a poeira de quem sabe olhar devagar.

eu te disse uma vez:
você não perde o amor por duas vezes,
mas chega ao pôr do sol duas semanas depois
e sente o mesmo vazio.

você perde o livro que nunca escrevi sobre nós,
perde a conversa no café
sobre a impossibilidade de entender.

eu era a verdade 20 vezes por segundo,
uma imagem parada que você não soube
revelar
o que você vê ao abrir a porta de casa?
os vestígios de quem esteve lá
agora é ausência
o pet também perde?

[uma montanha ao contrário]

não é o silêncio que te espera,
mas as palavras que eu não disse,
o riso que guardo em algum lugar abissal.

perder a mim é perder
o que nunca foi suficiente,
e sempre mais do que você mereceu.

domingo, 29 de setembro de 2024

uma brecha para a luz entrar

tenho sonhado à noite  

com um dente prestes a se soltar  

balançando de um lado pro outro  

até que enfim se deixa arrancar 

(a raiz, apenas um fio)


O inciso lateral

como é comum 

aos caprichos dos sonhos

agora é um dente

madrepérola furta-cor

e onde antes 

abria um sorriso

há um buraco vazio e escuro

por onde a luz pode entrar

(quanto valor tem uma mulher só?)


ouça, se estou me quebrando  

porque me sinto tão livre?  

estou tão frágil

o que serei quando mudar?


tenho sonhado à noite  

mergulhando em um poço raso

de água e areia

flutuando na superfície

recebo um beijo

(beijos são experiências tão íntimas)


ouça, se estou me quebrando  

porque me sinto tão livre?  

estou tão frágil

o que serei quando mudar?


para viagens longas e distantes

são necessários veículos que nos caibam

parece tão perigoso

viajar de portas abertas

ou com meio corpo para fora

(assim não há como chegar bem 

                     em lugar nenhum)


ouça, se estou me quebrando  

porque me sinto tão livre?  

estou tão frágil

O que serei quando mudar?


330 dias, ou menos, de sonho

é preciso acreditar nos sonhos

e na poesia

os dois põem as coisas 

em seu devido lugar

quarta-feira, 12 de junho de 2024

olhar

 olha para o lado

com quem busca o horizonte

nas linhas invisíveis do dia


como sei do seu amor

pelo por do sol

imagino que este olhar

busca o verde e a luz


guardada em sua boca 

semi-cerrada

intuo a coreografia

da risada

e do silêncio


meu amor 

derrrapa nas curvas

do seu pescoço

a contemplar o infinito


te amo

mesmo antes

de morar em sua história

sexta-feira, 31 de maio de 2024

pessoal

há tanto daquelas águas 

em seus olhos

há o verde neon das folhas novas

há as estrelas e cachoeiras

há nós, deitadas naquelas pedras

ou de mão dadas, mirando a lua

há seu cheiro de vento e mar

misturando o oceano

que somos

há um pouco da profecia

daquela minha poesia acerca do amor

há a poesia que compomos

estando sós

há a falta das carícias 

dos versos tristes

que eu cantava

antes de você chegar


há ainda nossas sombras

não as desprezemos 

sombras acomodam 

meu medo desmedido

de que a felicidade 

seja só 

mais um truque do caos

há o agora infinito

a deslizar

enquanto caminhamos

e é nele 

que quero habitar