1. Arquitetura do Afeto
Há uma engenharia no abandono,
silenciosa como a curva de um pássaro preso.
Os gestos mínimos,
pareciam erguer paredes invisíveis entre nós:
um copo de água que nunca era vinho,
mensagens não respondidas,
um "tudo bem?" dito como quem atravessa um campo minado.
A solidão ali não é abismo, é eco.
2. Quiet Dumping: Manual Prático
No trabalho eles chamam isso de quiet quitting,
mas no amor o conceito tem outro nome:
um suspiro mais longo,
um sorriso que não alcança os olhos,
a distração compulsiva de deslizar o feed do celular.
“Você está exagerando”, me dizia,
enquanto o ventilador girava
como se fosse ele a manter o ar entre nós.
3. Dos efeitos colaterais
A bula da relação advertia:
pode causar:
vertigem emocional,
naufrágios suaves,
a sensação constante de falar sozinha.
Contraindicações:
não administrar em corações esperançosos.
Dose recomendada:
o mínimo necessário para não romper.
Desde antes sinto
Que o meu play
é caminhar em direção à água.
Nos sonhos, estar na água
é tão prazeroso quanto voar.
Entrei nessa pensando que queria amor.
Amoris em latim fala de muitos afetos.
No proto-indo-europeu o AM pode ser a mãe,
dai para o sânscrito amati, que ama, cuida,
o grego antigo amáo, acariciar, desejar,
ou o alemão antigo amida, amizade, afeção.
Os romanos dividiam em:
Éros: Amor apaixonado e erótico.
Philia: Amizade e afeção entre amigos.
Ágápe: Amor altruísta e universal.
Storgê: Amor familiar.
Eu pensava que queria amor,
mas desejava apenas cuidado.
Queria falar do primeiro feriado da consciência negra,
ou do medo das enchentes de dezembro,
mas só consigo pensar na falta de amor.
4. Peixe cru e bolos veganos
Tudo que restava era cotidiano:
a vitrine de um restaurante qualquer,
um pedido de comida que nunca vinha sem hesitações.
“Sushi de novo?”,
ela perguntava sem realmente querer saber.
Às vezes penso que as relações modernas
são como esses bolos veganos:
bonitos, funcionais,
mas sem o gosto que o sustente.
5. Piscinas e naufrágios
Eu lembro de quando ela ria,
quando as viagens eram mapas vivos.
Agora, tudo é piscina,
um espelho que engana profundidade.
“Mudam porque a gente deixa”,
eu dizia, mas ela ficava lá,
quieta, girando a cerveja como um ritual de esquecimento.
É irônico como algumas águas não molham,
só afogam.
6. Inventário do adeus
Na mesa, ficaram os brincos de gota,
não abertos.
No ar, o som do ventilador girando.
Na porta, o silêncio,
mais definitivo do que qualquer palavra.
“Já vai?”, ela pergunta,
e eu quis responder:
“Não estou saindo agora.
Eu já fui embora faz tempo.”
Mas não disse.
Deixei o vento fechar a porta.
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