Na mesa da sala, minha irmã, minha mãe e minha filha organizam fotos polaróides antigas como quem embaralha cartas.
Exalam admiração, arrependimento e saudades como perfume.
Aridez, calor e fumaça e uma primavera tímida solapam intenções de ir a rua.
Minha filha ainda acredita na realidade das imagem.
Minha mãe um pouco decepcionada, mira aquilo tudo como um grande engodo. Ainda não se habituou ao envelhecimento. O que parece estranho para quem se habitou a inúmeras mudanças, a casa nova, ao marido novo (que de verdade é o mesmo que retornou depois de desaparecido por 23 anos).
Minha irmã se encanta com sua beleza nas fotos de praia e cachoeira.
Sentadas assim, emitindo sussuros contemplativos diante das imagens me fazem perguntar como conseguiram ignorar as adversidades camufladas nos pontos cegos, espaço invisível entre uma foto e outra.
A atividade se estende até a noite, quando as fotografias voltam para as caixas de sapato.
Minha irmã fez bem em preservar essas fotos, elas vão existir por mais tempo que nós.
terça-feira, 24 de setembro de 2019
domingo, 1 de setembro de 2019
red pill
Acordar no domingo lembrando do triste filme pornográfico, aqueles meninos das entregas de comida e suas bicicletas, dormindo nas praças para estar no centro na hora de recomeçar.
Lembrar que passei os últimos anos gritando:
- Ei, não estão vendo as engrenagens da grande Matrix?
Caminho todos os dias sob esse deserto do real lutando para não dizer, como os judeus - saudades das cebolas do Egito - pois sei que o mar de cuspe azul em que nadávamos no passado nunca me tiraria do lugar.
Não é por acaso que me lembro a redação enfurecida que escrevi em 1993 para um trabalho de história. Nela eu atacava Fukuyama e seu delírio de fim da história. Por causa dela eu, que era empregada doméstica, chamei atenção de meu professor, recebi o convite de trabalho como estagiária no Arquivo Público Mineiro. Meu professor Afonso, diretor daquela instituição, me motivou acenando com a oportunidade, caso fosse aprovada na UFMG. Poderia dizer que foi mérito. Mas não. Foi apenas uma raríssima exceção.
O capitalismo não dorme. Os meninos não dormem. Eu não durmo.
Ou durmo. Meia pílula por noite para não enlouquecer.
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