eu nem queria
melhorar o mundo
bastava uns poemas
que te incendiassem
e tornassem insuportável
a minha falta
quinta-feira, 30 de agosto de 2018
domingo, 26 de agosto de 2018
Consigo eles eram brandos, uma conversa macia, rotineira. Conosco a língua ácida, espessa que afinal nao éramos dignos de palavra. Chegar na enfermaria era como estar-lhes roubando algo: o tempo, a atenção. Por medo de rejeição ou das grosserias a maioria de nós evitava demandar. Poucas enfermeiras nos tratavam como pacientes. Ficava sempre a sensação de ser um esmolem.
O preço, soube depois, seiscentos reais a diária. Preço de hotel de luxo para um hospital medíocre, quartos ordinários e alimentação insossa.
No caderno trazido pelo amigo eu anotava as impressões acerca do lugar e dos pacientes.
Era curioso como as mulheres da ala se relacionavam como se fossem velhas amigas. Como se aquele não fosse um encontro fortuito, como se quase todas não fossem desaparecer umas das outras em semanas.
Era tolice eu pensar que essa era uma característica do hospital. As pessoas vivem desaparecendo da nossa vida. Me lembrei do caso da organização da estante.
Em 2012 conheci um poeta muito bom, comprei seus livros, fui às atividades que ele realizou na cidade, tornei-me amiga etc. Segui o protocolo que estabelecemos com um colega da poesia. Alguns meses depois soube de seus abusos com a esposa e decidi romper contato.
Sei que isso deixa o leitor curioso, é justo. Todo mundo quer conhecer os segredos de alcova dos sujeitos célebres. Mas confesso que não tenho intenção de contar quem é. O que quero demonstrar e a tese de que as pessoas desaparecem e às vezes nem nos damos conta.
Voltando à organização da estante em 2016, por causa de uma mudança de casa, fui reorganizar os livros e me deparei com os livros deste poeta. Fiquei muito surpresa. Eu havia me esquecido completamente dele. Minha memória, por quatro anos, havia deletado, esquecido o homem.
Na ocasião fiquei bem impressionada. Hoje entendo completamente. É como se, por economia de afetos, permanecesse em nós apenas os amigos relevantes.
Talvez por isso nos primeiros dias de internação me mantive tão obtusa. O corpo de enfermagem não merecia consideração, dados os maus tratos. E poucas seriam as colegas de claustro que permaneceriam.
O preço, soube depois, seiscentos reais a diária. Preço de hotel de luxo para um hospital medíocre, quartos ordinários e alimentação insossa.
No caderno trazido pelo amigo eu anotava as impressões acerca do lugar e dos pacientes.
Era curioso como as mulheres da ala se relacionavam como se fossem velhas amigas. Como se aquele não fosse um encontro fortuito, como se quase todas não fossem desaparecer umas das outras em semanas.
Era tolice eu pensar que essa era uma característica do hospital. As pessoas vivem desaparecendo da nossa vida. Me lembrei do caso da organização da estante.
Em 2012 conheci um poeta muito bom, comprei seus livros, fui às atividades que ele realizou na cidade, tornei-me amiga etc. Segui o protocolo que estabelecemos com um colega da poesia. Alguns meses depois soube de seus abusos com a esposa e decidi romper contato.
Sei que isso deixa o leitor curioso, é justo. Todo mundo quer conhecer os segredos de alcova dos sujeitos célebres. Mas confesso que não tenho intenção de contar quem é. O que quero demonstrar e a tese de que as pessoas desaparecem e às vezes nem nos damos conta.
Voltando à organização da estante em 2016, por causa de uma mudança de casa, fui reorganizar os livros e me deparei com os livros deste poeta. Fiquei muito surpresa. Eu havia me esquecido completamente dele. Minha memória, por quatro anos, havia deletado, esquecido o homem.
Na ocasião fiquei bem impressionada. Hoje entendo completamente. É como se, por economia de afetos, permanecesse em nós apenas os amigos relevantes.
Talvez por isso nos primeiros dias de internação me mantive tão obtusa. O corpo de enfermagem não merecia consideração, dados os maus tratos. E poucas seriam as colegas de claustro que permaneceriam.
sábado, 18 de agosto de 2018
Chuva e dez quilômetros de trânsito engarrafado. Não devia mas um carro nessa hora é uma caixa onde enterro meu tempo, enterro inclusive a necessidade de concluir o romance, ou novela, não sei ao certo pois são apenas cem paginas.
Isso por que sempre que escrevo apago um terço. Acho tudo muito ruim. E deve ser mesmo.
Esse ruído arranhado do bloco de notas virtual nem de longe alcança o claque claque claque da máquina de escrever. Taí, posso colocar na conta dessa ausência a falta de escrita em prosa em minha vida.
Há tempos quero deixar de escrever poesia. Mas envelheçer parece vir junto com a propriedade e o desejo de falar sempre menos. Uma voz dentro da cabeça repetindo "não vale a pena dizer". Ou é isso ou são os remédios. Essa é a mesma voz que repete o enfastio diante do mundo e todos os seus assuntos, o enfastio diante de toda possibilidade de criar algo, como se tudo já tivesse sido inventado, como se o mundo fosse apenas uma cápsula reverberando o mesmo, ad infinitum.
Gosto dos sintomas da mania por muitas coisas mas me deixa constrangida a verborragia, aquela explosão que me faz emendar uma frase atrás da outra sem trégua. Daí a sensação de que a poesia e sua concisão ser o lugar de equilíbrio.
Sei que se começasse apenas contando o que deixei para trás, por vontade ou obrigação, daria uma bela história. Mas fatos não são histórias. É preciso saber contar e eu temo estar tão viciada em fracasso, perdas e autocomiseração que se escrevesse sobre isso criaria uma história ordinária.
Posso passar horas assim, dando vazão ao fluxo do pensamento, navegando no nonsense mas tenho no imaginário um leitor modelo que não curte essa fruição, tampouco a descrição excessiva. Meu leitor modelo abandonaria o "Pêndulo de Foucault" na página cento e nove reclamando das poucas narrativas de ação e do excesso de informação.
Eu penso no sucesso e me lembro de duas coisas: passar no vestibular da UFMG e tirar carteira de habilitação. São narrativas de ação que dariam uma história interessante. Mas imediatamente me lembro que ainda não consegui a carteira de habilitação. O mais perto que cheguei disso foram as dez aulas pilotando moto. Isso antes de interromper por conta da internação. E a internação seria outro capítulo. Um longo capítulo contando como os hospitais psiquiátricos se tornam donos de nossas mentes e corpos. De como as frases de delírio de uma mulher em surto se parecem com poesia.
quinta-feira, 16 de agosto de 2018
náusea
enquanto tento em vão
falar sobre a língua estilhaçada
o ouvido estilhaçado
a mão estilhaçada
gatos dormem, indiferentes
à máquina de produção
aos aparelhos de destruição
não há receita certeira
que garanta
quem vive ou que morre
mas, como seguir sem dor
não sendo um gato?
aos aparelhos de destruição
não há receita certeira
que garanta
quem vive ou que morre
mas, como seguir sem dor
não sendo um gato?
sexta-feira, 3 de agosto de 2018
esquecer
Há que se esquecer. Esquecer é a saúde da mente. Mas há o que não se esqueçe, o que permanece como uma pequena guerrilha. Assim é para mim a infância que me lembro. Por mais que eu tenha aprendido a odiar a autocomiseração ela está aqui, guardada, indelével na forma de silêncios é a sombras, iluminadas apenas pelo o resplendor das explosões.
Ás vezes alguma imagem atravessa o meu caminho: uma violência, uma negligência, uma fome. Lembro por exemplo de minha avó, que durante um tempo cuidou de nós para minha mãe trabalhar. Uma voz rascante e ácida e uma vontade férrea de punição. As crianças da vizinhança a chamavam de bruxa. Não me lembro de vê-la sorrir, nem sei se tinha dentes. Imagens como essas me lançam no chão. Não sei onde conseguir raízes para evitar as quedas.
Ás vezes alguma imagem atravessa o meu caminho: uma violência, uma negligência, uma fome. Lembro por exemplo de minha avó, que durante um tempo cuidou de nós para minha mãe trabalhar. Uma voz rascante e ácida e uma vontade férrea de punição. As crianças da vizinhança a chamavam de bruxa. Não me lembro de vê-la sorrir, nem sei se tinha dentes. Imagens como essas me lançam no chão. Não sei onde conseguir raízes para evitar as quedas.
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